A história em todos os tempos tem mais nódoas do que brancuras, ou mais buracos do que queijo, como o suíço; mas pode-se dizer que a mais falsificada das histórias é justamente a dos anos em que o mundo dispõe do aparatoso instrumental de comunicações, com que tanto se empolgam hoje os religiosos.
Conhecemos melhor a história da Grécia de Péricles do que a história da última guerra mundial. Já dei vários exemplos. Trago hoje novos, e não serão certamente os últimos.
Para início de conversa devo confessar que caí no "conto" de Presses Universitaires de France e comprei sua Histoire Générale des Civilizations publicada sob a direção do sr. Maurice Crouzet que era na época, 1957, Inspecteur général de l'instruction publique; e é autor do último volume, que justamente versa sobre a história contemporânea. A coleção, composta de vários volumes, tem alguns razoavelmente bons, e até posso dizer que o volume do século XVI e XVII de Roland Mousnier é muito bom. Mas o volume escrito pelo próprio Maurice Crouzet é da mais deslavada e cínica inspiração comunista. Alguém talvez ache que essa inspiração é habilmente disfarçada. Nem isto, acho eu; e provo.
Vamos aos pontos nevrálgicos. Como é que esse falsificador conta a história da guerra II? Abrigado atrás de uma prestigiada metodologia que dá realce especial às causas materiais, o autor começa por tratar paralelamente e simultaneamente das duas guerras mundiais, para comparar e salientar as diferenças de concepções estratégicas e de armas. Na página 319, e com um tranqüilo cinismo, o autor descreve a fraqueza da Wehrmacht e fala no "bluff" de Hitler, sem lhe ocorrer que a França foi esmagada por essa fraqueza e por esse bluff.
Mas o mais espantoso é o seguinte: o leitor vê de repente que está numa guerra sem saber onde e porque começou. Não há nenhuma menção ao pacto germano-soviético para a partilha da Polônia e para o assassinato de milhões de judeus. Todos os velhos se lembram das sinistras figuras de Molotov e Ribentropp selando esse pacto infernal; mas os moços estão proibidos de saber que houve esse pacto e que a guerra começou pela invasão da Polônia, assaltada quase simultaneamente pelos demônios do comunismo e pelos demônios do nazismo.
Sim senhores, o volume de quase 1.000 páginas da história contemporânea não explica como começou a Guerra II e oculta a maior monstruosidade do século. Mas não se detém aí o cinismo do sr. Maurice Crouzet. Tendo de dizer alguma coisa sobre a Polônia, já que esse povo ainda existe e se acha acorrentado à Rússia soviética, o Inspecteur de l'instruction publique tem uma idéia genial: diz que foi a Polônia que quis agredir a Alemanha nazista e a Rússia comunista. É incrível mas aqui está o dolo, a falsificação na página 340: "Na Polônia, onde se forma desde 1939 um exército secreto dirigido ao mesmo tempo contra os alemães e contra os russos, as divisões são profundas entre comunistas e anticomunistas".
E da Rússia de 1920 a 1930 não diz uma palavra sobre a fome espantosa provocada pela coletivização da propriedade agrícola; e muito menos sobre os socorros prestados por Pio XI e pela American Relief Association que salvou da morte milhões de russos.
No caso da Espanha o autor francês usa a mesma prestidigitação: põe-nos diante do levante militar e "fascisant", menciona o apoio dado pela Itália e pela Alemanha pela falange de Franco, mas não dá um pio sobre as razões que levaram os militares espanhois a essa extremidade. E essas razões não são microscópicas. O que houve na Espanha, num dos mais belos países católicos do mundo, foi simplesmente o seguinte: os vermelhos incendiaram todas as igrejas; e não podendo infiltrar esquerdismo nas ordens religiosas como fizeram na França, os comunistas chegaram a esta límpida conclusão: "los curas? hay que matarlos". E mataram fartamente; violaram freiras, violaram mortas, expuseram cadáveres de carmelitas nuas e festejaram tal exibição de múmias de virgens oferecidas a Cristo. Tudo isto e muitíssimo mais. Pois bem, o volume VII da Histoire Générale des Civilizations não tem uma palavra para apresentar um fato que durante alguns anos cobriu de sangue um dos mais nobres e belos países do planeta.
Ah! esquecia-me. De todos os horrores praticados contra as mais indefesas criaturas as Presses Universitaires de France, só mencionam o bombardeio de Guernica, e reservam uma bela estampa de página inteira para o quadro de Picasso1.
Disse que não mencionaram a fome de Moscou e da Rússia inteira? Esqueci-me de acrescentar: em compensação reservaram uma página inteira para a fome da Índia.
Essa obra canalha e falsificadora está traduzida e provavelmente muitos moços já firmaram suas convicções a respeito do que aconteceu no mundo nestes últimos anos. Daí o elevado número de pessoas que me atribuem excessiva contundência e exagerada indignação.
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Falou-se muito do dia da Vitória. Que vitória? Ah! Sim, vitória das "democracias" sobre Hitler. Rio-me ou choro? Naquele tempo acompanhei com paixão todos os lances da guerra e tive horror à brutalidade nazista com toda a força de minha mocidade. Chorei quando vi num filme documentário alemão, UFA, a cena do estupro ritual da Polônia. Diante de uma porteira os tanques invasores estacionavam, e eu vi um oficial graduado avançar e violar a porteira com o passo de ganso. Rangi os dentes de ódio. E daí por diante era raro o dia sem lágrimas e ranger de dentes.
Mas agora, tantos anos depois, vejo que caí no mesmo erro geral em que o mundo inteiro caía. E qual era esse erro? Era simplesmente o de só ver um lado da guerra. No mesmo filme que anunciava o martírio da Polônia, não me veio à mente a idéia do outro lado. O monstro URSS esteve constantemente eclipsado pelas caretas de Hitler, pela encenação wagneriana do nazismo. O mundo inteiro só pensava, só falava numa guerra, a guerra convencional de Hitler, a guerra superficial que em 1941 já estava ganha pela Inglaterra; e todos deixavam de ver a verdadeira guerra: a guerra revolucionária, e o verdadeiro inimigo: o "ideal" socialista.
A União Soviética, depois do bombardeio de Helsinque, saiu completamente do noticiário e mergulhou na escuridão. E o tolo mundo inteiro, e eu dentro dele, pensava que o que importava era vencer Hitler. É curioso, é estranho, e sobretudo é humilhante pensar que as façanhas fulgurantes de um louco tenham despistado totalmente o mundo dito democrático. Em 1940 cai a França e os alemães entram em Paris. Pois bem, durante um ano e meio, quando ainda funcionava o pacto germano-soviético, os patriotas franceses da "Resistance" só viam o inimigo alemão e por uma inexplicável derrisão já começavam a ver nos comunistas o aliado. Subitamente, em junho de 41, Hitler ataca a URSS, num lance de loucura e desespero. E então a URSS sai da obscuridade e vem para a boca da cena como vítima e como aliada!!!
Passaram todos a ver na URSS uma vítima e uma aliada. E aí está a supremíssima estupidez em que todos caímos, e que hoje tem uma dolorosa evidência. O mundo ocidental dopado, mal armado de critérios, ENGANOU-SE DE INIMIGO. Churchill, o sagaz, o genial Churchill deixou confissão pública de sua total obnubilação. Ele só pensava em Hitler, Churchill, um inglês de pura raça, inteligentíssimo, ficou hipnotizado pelas caretas de um sinistro Carlitos. E no dia da invasão da URSS disse estas palavras aos seus pares para justificar o imediato apoio dado aos soviéticos: — Se Hitler invadir o inferno eu faço um pacto com satã. E fez um pacto com o comunismo.
Precipitaram-se todos a ajudar a URSS quando já se tinham boas razões para crer na vitória anglo-americana. Em 1942 os ingleses, primeiros inventores do radar, revidam os raids aéreos. Em ataques noturnos que se repetirão até o fim da guerra, destroem a Alemanha Ocidental. Tudo indicava que quanto mais longe afundavam na Rússia as tropas de Hitler mais próxima estava a vitória, sem necessidade de enviar 11 bilhões de dólares para o cúmplice da tragédia mundial, ou melhor, para o principal inimigo. Os alemães entraram Rússia adentro e chegariam ao estreito de Bhering se não fosse a estúpida idéia de ajudar os soviéticos. E até hoje estariam perdidos na Sibéria os farrapos da bandeira nazista.
O país que invadia facilmente a Rússia era mais um país em fuga do que um exército vencedor. Foi um regime agonizante que penetrou até Stalingrado, e o mundo inteiro, para glorificar o Inimigo Número Um inventou o apelido: vitória de Stalingrado.
Na continuação dos disparates temos em Ialta uma capitulação infinitamente mais grave do que a de Munique. O inimigo vencido recebe as honras de vencedor e ganha muito mais do que pretendia ganhar antes da guerra. A guerra começou porque os franceses e ingleses acharam que, depois de várias humilhações deviam honrar a palavra e não permitir a invasão da Polônia; termina a guerra com a entrega total da Polônia!!!
Mais tarde os anglo-americanos têm a idéia de armar o tribunal de Nuremberg para punir os crimes de guerra. A primeira sessão é presidida por um general soviético que trata logo de extraviar o processo do massacre de Katina.
Nesse meio tempo os franceses também querem proceder à epuration, também querem castigar seus traidores. E o que fazem? Procuram os comunistas e inventam o amálgama democrata-cristão para fuzilarem sem processo 105 mil franceses.
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Perguntei: Que vitória? A resposta é clara: vitória da guerra revolucionária, subterrânea, que vem minando a civilização desde a Reforma e da Revolução Francesa, e que esteve eclipsada por um efêmero anormal. Agora o inimigo espalhou-se e já se infiltrou no último lugar que esperava alcançar: a Igreja Católica.
Não me canso de pasmar diante de tamanho disparate.
(Permanência, Maio de 1970)