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Art. 1 ― Se o conselho é inquirição.

O primeiro discute-se assim. ― Parece que o conselho não é inquirição.
 
1. ― Pois, como diz Damasceno, o conselho é apetitivo1. Ora, não pertence ao apetite o inquirir. Logo, o conselho não e inquirição.
 
2. Demais. ― O inquirir é próprio do intelecto discursivo, e por isso não convém a Deus, cujo conhecimento não é discursivo, como se estabeleceu na primeira parte2. Ora, o conselho é atribuído a Deus, pois, como diz o Apóstolo (Ef 1, 11), obra todas as coisas segundo o conselho da sua vontade. Logo, o conselho não é inquirição.
 
3. Demais. ― A inquirição é relativa ao duvidoso. Ora, o conselho se dá em relação a bens certos, conforme aquilo do Apóstolo (1 Cor 7, 25): Quanto porém às virgens não tenho mandamento do Senhor; mas dou conselho. Logo, o conselho não é inquirição.
 
Mas, em contrário, diz Gregório Nisseno (Nemésio): Todo conselho é uma inquirição; mas, nem toda inquirição é conselho3.
 
Solução. ― Como já se disse4, a eleição resulta de um juízo da razão relativo ao que se deve fazer. Ora, relativamente ao que se deve fazer há muita incerteza porque os atos versam sobre os singulares contingentes, pela sua variabilidade incertos. Ora, nas coisas duvidosas e incertas, a razão não profere o juízo sem uma inquirição precedente. Logo, é necessária a inquirição da razão antes do juízo relativo ao que se deve escolher. E a essa inquirição se chama conselho; e por isso o Filósofo diz, que a eleição é um desejo do que foi anteriormente deliberado5.
 
Donde a resposta à primeira objeção. — Quando os atos de duas potências se ordenam uns aos outros, há em cada um deles algo que depende da outra potência; e portanto, uns e outros podem ser designados pelo nomes de uma e outra potência. Ora, é manifesto que o ato da razão dirigente para os meios; e o ato da vontade subordinado à razão e tendente para eles ordenam-se um para outro. Por onde, de um lado, na eleição, ato da vontade, manifesta-se algo de racional, que é a ordem; e de outro lado, no conselho, ato da razão, manifesta-se de algum modo a vontade. Este elemento voluntário se apresenta como matéria, porque o conselho é relativo ao que o homem quer fazer; e também como movido, pois desde que o homem quer o fim, move-se ao conselho relativo aos meios. E por isso o Filósofo diz, que a eleição é um intelecto apetitivo6, para mostrar que esses dois elementos nela concorrem. E Damasceno diz que o conselho é um apetite inquisitivo7, para mostrar que pertence de certo modo tanto à vontade, relativamente à qual e pela qual se faz a inquirição, como à razão que inquire.
 
Resposta à segunda. ― O que se diz de Deus deve ser entendido sem nenhuma das nossas deficiências. Assim, a nossa ciência é das conclusões, obtida discorrendo das causas para os efeitos; ao passo que a ciência de Deus significa certeza relativamente a todos os efeitos, na causa primeira, sem nenhum discurso. E semelhantemente, o conselho é atribuído a Deus, quanto à certeza da sentença ou do juízo, que em nós procede da inquirição do conselho; mas tal inquirição não existe em Deus e portanto, sob este aspecto, o conselho não lhe é atribuído. E por isso Damasceno diz, que em Deus não há conselho, próprio do ignorante8.
 
Resposta à terceira. ― Nada impede serem alguns bens certíssimos, no juízo dos sapientes e dos homens espirituais, e todavia não o serem no de muitos ou dos homens carnais. E por isso formam-se conselhos a respeito deles.

  1. 1. II Orth. Fid., cap. XXII.
  2. 2. Q. 14 a. 7.
  3. 3. De nat. Hom., cap. XXXIV.
  4. 4. Q. 13 a. 1, ad 2; a. 3.
  5. 5. III Ethic., lect. VI.
  6. 6. VI Ethic., lect. II.
  7. 7. Loc. Cit.
  8. 8. Lib. II Orth. Fid., cap. XXII.
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