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Category: Perguntas e RespostasConteúdo sindicalizado

Qual é a posição da Igreja sobre a Pena de Morte?

Ela é permitida quando for proporcional ao crime cometido, como no caso de assassinato, traição, estupro. A Igreja sempre ensinou que um homem ou mulher tem direito à autopreservação. Se necessário, uma pessoa pode matar se essa for a única maneira de repelir um ataque injusto. O Estado, de maneira semelhante, tem o direito de proteger a si próprio e a seus cidadãos através do uso proporcional da pena capital.

- Pe. Carl, Novembro de 1979.

A usura é pecado?

Pe. Peter Scott, FSSPX

Usura é a cobrança de juros pelo uso de dinheiro como se ele tivesse algum tipo de poder produtivo por si próprio. São Tomás de Aquino pergunta-se essa pergunta – a saber, a usura é pecado? - na Suma Teológica (II-II, q. 78, art. 1) e responde, categoricamente, de maneira afirmativa. A razão que ele dá para isso é que o dinheiro não é algo que permanece após ser usado (p. ex., uma casa, cujo uso é remunerado quando ela é alugada), mas que é consumido quando é usado (p. ex., comida, cujo uso não tem preço, apenas seu valor de venda). Essas são suas palavras:

Comete injustiça aquele que vende vinho ou trigo e que pede pagamento duplo, isto é, um pelo retorno da coisa vendida em igual medida, o outro pelo preço do uso, que se chama usura… Agora, o dinheiro, conforme o Filósofo, foi inventado principalmente com o propósito de troca; e, consequentemente, o fim principal do dinheiro é seu consumo ou alienação, através do qual ele se converte em troca. Consequentemente, é ilícito em essência receber pagamento pelo uso do dinheiro emprestado, cujo pagamento é conhecido como usura: e, assim como um homem está obrigado a devolver bens adquiridos ilictamente, também está obrigado a devolver o dinheiro que recebeu a título de usura.

Não há dúvida de que a usura é o que movimenta a sociedade capitalista moderna ao longo do seu caminho destrutivo do materialismo, e que isso é responsável por depressões e guerras mundiais. Se, porém, a usura sempre é um pecado mortal, isso não significa que não pode haver um juro justo, desde que ele não seja cobrado pelo valor do dinheiro em si, pois este é um mero meio de troca e não tem nenhum poder produtivo em si mesmo, como o trabalho ou um bem imóvel têm. O Pe. Walter Farrell, O.P., resume essa idéia bem em A Companion to the Summa (III, 239):

Onde houver usura, ela será errada, e sua malícia é evidente. É absurdamente simples entender que cobrar um homem duas vezes pela mesma coisa é sempre injusto, e é precisamente nisso que a usura consiste: ela vende a mesma coisa duas vezes. O truque só é possível quando a coisa vendida ou emprestada é consumida no seu primeiro uso, coisas como vinho, sanduíches ou dinheiro. Quando nós exigimos, além do montante original de dinheiro emprestado, uma quantia adicional pelo uso do dinheiro, nosso ato é o mesmo que vender a um homem um copo de vinho e, então, cobrar dele para que ele possa bebê-la.

Se mantivermos essa noção simples da usura em mente, não será difícil entender a distinção absolutamente necessária entre usura e juro lícito. Este é cobrado não pelo simples uso do dinheiro como na usura, mas a título extrínseco.

Títulos extrínsecos para um juro lícito podem incluir coisas como o risco de perder o dinheiro, o dano positivo causado ao credor por externalidades como inflação ou a produtividade humana que se torna possível se o dinheiro for investido para comprar ações de uma empresa, produzindo, assim, dividendos.

Os Padres da Igreja primitiva denunciavam a usura nos termos mais severos, e vários decretos eclesiásticos nos séculos XII e XIII corroboravam essa opinião sob pena de excomunhão e negação de exéquias. Houve, porém, um relaxamento das leis da Igreja nesse tema, pois o desenvolvimento do protestantismo a tornou socialmente aceitável, e o Capitalismo de livre mercado do Século XIX a tornou uma realidade inescapável da vida cotidiana. Esse relaxamento das leis da Igreja está presente no Código de Direito Canônico de 1917, Cânone 1543:

Se um bem que se consome com seu primeiro uso é emprestado sob a condição de que ela se torne propriedade do mutuário, que está obrigado a devolver ao mutuante não a coisa em si, mas apenas o seu equivalente, o mutuante não pode receber nenhum pagamento em razão do empréstimo em si. Ao dar ou emprestar esse bem, porém, não é ilícito em si mesmo fazer um acordo para recuperar juros à taxa permitida pela lei civil, exceto se essa taxa for claramente excessiva.

O Pe. E. Cahill, SJ, em The Framework of a Christian State, comenta e explica essa mudança da lei da Igreja:

“Pode-se, sem preocupações com a existência ou não de títulos extrínsecos (como perdas acidentais ocasionadas pelo empréstimo, o risco de não receber o pagamento, etc), receber juros ao índice estabelecido pela lei civil, desde que esse índice não seja manifestamente excessivo. A razão para essa mudança, ou mudança aparente, da atitude da Igreja em relação à usura é que, nos tempos modernos, em razão da organização capitalista da vida econômica, o dinheiro, praticamente, tornou-se uma forma de capital, e a Igreja segue sua política tradicional no que diz respeito a regular sua atitude em relação a ele. Como sempre, ela temporariamente ajusta sua disciplina, na medida do possível, às necessidades dos tempos, mesmo quando essas necessidades são resultado de um estado de coisas que ela não aprova, e ela permite que os fiéis ajam de acordo com costumes sociais permitidos pela lei civil, desde que esses costumes não sejam manifestamente imorais ou injustos” (p. 49)

Esse não seria o caso, porém, de uma sociedade que reconhecesse e canonizasse o Reinado Social de Cristo.

 

- Pe. Scott, Julho de 1998

Como conciliar a justiça divina com o fato de crianças não batizadas não poderem ir ao Céu?

Pergunta:  Crianças que morrem sem ser batizadas não podem ir para o Céu, mas, ainda assim, elas não fizeram nada de errado, e não é culpa delas que elas não tenham sido batizadas. Como isso pode ser reconciliado com a justiça divina?

Resposta:  Não há nenhuma afirmação direta nas Escritura sobre o destino das crianças que morrem sem o batismo. O texto de Mt 19,14 (também o de Mc 10,14 e Lc 17,16), “Deixai os meninos e não os impeçais de vir a mim”, não se refere expressamente às crianças. Nessa passagem, Cristo apenas quer dizer que devemos ser simples como crianças para entrarmos no Reino de Deus.

Porém, há afirmações indiretas em textos bíblicos segundo as quais ninguém entrará no Céu sem renascer através do Batismo. E, portanto, sabemos que crianças não batizadas não poderão ir para o Céu. Aonde elas irão nós sabemos pelo ensinamento da Igreja, baseado na tradição e nos ensinamentos dos teólogos. As crianças não batizadas não vão para o inferno porque elas não cometeram pecados pessoais, e ninguém será condenado sem ter cometido pecados pessoais. O pecado original com que essas crianças estão infectadas não é um pecado pessoal delas, mas um “pecado natural”. O lugar aonde elas irão nós chamamos de limbo ou limbus. Podemos compará-lo com o lugar onde os patriarcas antes de Cristo aguardavam até que o Céu fosse aberto a eles. Mas não sabemos onde fica esse lugar. No limbo, de acordo com os ensinamentos dos teólogos, essas crianças desfrutam uma felicidade natural.

A privação dessas crianças da visão beatífica de Deus não lhes causa tristeza ou sofrimento algum. Pois ou elas não sabem que essa felicidade foi dada a outros, ou, se Deus lhes revelou (o que nós não podemos afirmar), elas conseguem compreender que essa felicidade é um dom inteiramente gratuito de Deus sobre o qual ninguém pode reivindicar um direito.

Portanto, o destino delas não é contrário à justiça divina. Elas não sentem falta de nada: elas são felizes e não sofrem mal algum. Embora essas crianças sejam privadas de algo que foi dado a outros, isto é, a visão beatífica, trata-se de algo a que elas não têm um direito, pois se trata de um dom sobrenatural. E, assim, se as crianças não batizadas souberem alguma coisa sobre esse dom, elas se alegram com a felicidade dos outros.

O que devemos fazer para transformar nossas ações em oração?

São Paulo respondeu a essa pergunta quando escreveu: “Logo, ou comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus… Tudo que fizerdes, fazei-o pelo Senhor e não pelos homens”. Santo Agostinho ensina que devemos converter nossa vida, nossas ações, nossas ocupações, nossas refeições, até mesmo nosso repouso em um hino de louvor a Deus: “Que a harmonia de vossa vida se eleve como uma canção, para que vós jamais cesseis de rezar… Se vós desejais louvar, canteis, portanto, não apenas com vossos lábios, mas dedilheis as cordas do saltério das boas obras; vós louvais quando trabalhais, quando comeis e bebeis, mesmo quando descansais, quando dormis; vós louvais mesmo quando estais em paz”. Santo Tomás expressa, resumidamente, o mesmo pensamento: “O homem reza na medida em que direciona toda sua vida a Deus”

É o amor que direciona toda nossa vida a Deus. A maneira prática de direcionar todas as nossas ações dessa maneira é oferecer cada uma delas à Santíssima Trindade em união com Jesus Cristo vivendo em nós e de acordo com Suas intenções.

Devido à nossa natureza decaída, nossas intenções e nossos pensamentos facilmente tendem para o pecado, e, se seguissemos as inclinações de nossos sentimentos, nossas obras seriam pecaminosas. Portanto, devemos renunciar a nossas próprias intenções para nos unir às de Jesus. Ao iniciar qualquer ação, devemos renunciar a todos os nossos sentimentos, todos os nossos desejos, todos os nossos pensamentos, todos os nossos desejos para entrarmos, de acordo com a palavra de São Paulo, nos sentimentos e intenções de Jesus Cristo.

Quando nossas ações perduram por algum tempo, é útil renovar essa oferenda voltando o olhar para o Crucifixo ou, melhor ainda, para Jesus vivendo em nós, e elevar nossa alma a Deus através da repetição de jaculatórias. Dessa maneira, nossas ações, mesmo as mais comuns e básicas, tornar-se-ão uma oração, uma elevação da alma a Deus, e nós, portanto, cumpriremos o ensinamento de Jesus: “Orai e Vigiai”.

Pe. Juan Iscara, FSSPX

A que, precisamente, o preceito de amar nossos inimigos nos obriga?

“Inimigos” são aqueles que nos odeiam, ou que nos fizeram algum mal sem uma justa compensação ou a quem sentimos aversão por algum motivo (desgosto natural, inveja, etc).

Há um preceito divino especial de amar esses inimigos, não enquanto inimigos, mas na medida em que são capazes da bem-aventurança eterna e, de fato, estão destinados a ela. A inimizade deles é um mal e, como tal, deve ser rejeitada, mas as pessoas que são nossas inimigas devem ser amadas pelos dons que Deus lhes deu – elas devem ser amadas por Deus. O preceito é “especial” no sentido de ter sido promulgado por Nosso Senhor em pessoa (Mt 5, 4) e em razão da dificuldade de colocá-lo em prática. Na verdade, ele não é diferente do preceito de amar ao próximo.

Portanto não devemos odiá-los, isto é, não devemos desejar-lhes mal algum, nem nos alegrarmos com algum mal que lhes suceda. Mesmo sendo nossos inimigos, não deixam de ser filhos de Deus e de terem sido chamados à bem-aventurança; odiá-los seria um pecado, é  incompatível com o amor de Deus.

Não podemos vingar-nos deles, isto é, não podemos retribuir o mal com o mal, pois essa intenção deriva do ódio ou de outro motivo desordenado. Em teoria, é permitido desejar algum mal, algum tipo de punição ou sofrimento a eles, mas apenas se formos motivados por motivos de justiça ou de caridade genuína – isto é, para por um freio ao malfeitor e restaurar a ordem da justiça, ou para ajudá-lo a corrigir-se e a voltar-se para Deus. Mas, na prática, em razão da nossa fraqueza, é muito difícil agir baseado puramente nesses motivos. Portanto, é melhor abster-se de desejar mal a qualquer um.

Somos obrigados a dar aos nossos inimigos os sinais comuns de caridade dados a qualquer homem (por exemplo, responder a um cumprimento ou a uma pergunta) ou a aqueles que estão em condições específicas (por exemplo, ser misericordioso com os pobres).

Dentro de certas circunstâncias extraordinárias, quando certos sinais especiais de caridade são devidos pois sua omissão ou negação seria interpretada como ódio ou inimizade, podemos estar até mesmo obrigados a mostrar sinais especiais de caridade que não seriam devidos a qualquer pessoa (ou seja, aqueles que não são exigidos por sua condição, estado ou pelos costumes), mas dados por liberdade e numa amizade especial.

Somos obrigados a perdoar nossos inimigos, pois não fazer isso nos levaria de volta ao ódio da inimizade – mas não somos obrigados a aceitá-los novamente como amigos e a dar-lhes os sinais de afeição que antes dávamos.

Finalmente, o ofensor é obrigado a buscar reconciliação o quanto antes. Mas ele está isento disso se tiver certeza moral de que terá o perdão negado, ou que vai aumentar ainda mais a tensão entre as partes, ou se o ofendido não estiver disposto a aceitar nada além da total humilhação do ofensor.

É permitido a um católico especular na bolsa de valores ou no mercado de câmbio?

A lei natural do direito à propriedade privada traz consigo o direito de comprar e vender, possuir e, conseqüentemente, negociar bens como ações de empresas públicas ou privadas. Esse investimento privado é, de fato, absolutamente essencial para o bem comum, pois sem capital não pode haver produção. O fato de o resultado de tais investimentos ser altamente arriscado não altera a moralidade, desde que um homem não invista os fundos necessários para o sustento de sua família. Tampouco se o ganho de um homem for, paralelamente, a perda de outrodesde que não haja engano, fraude ou que se tire proveito da ignorância dos demais.

Especulação, no entanto, não é a mesma coisa que investimento, mas é a colocação de dinheiro a curto prazo, em ações ou moedas, a fim de obter um ganho rápido com uma venda rápida no momento em que o mercado estiver forte. 

Tal especulação não é contrária à justiça, uma vez que os termos do contrato são mantidos, nem pode ser considerada em si um pecado, uma vez que todos os termos dos vários contratos de compra e venda e os requisitos do direito civil são observados. No entanto, "eles não são moralmente louváveis, a menos que sejam exigidos por alguma necessidade comercial" (Merkelbach, Summa Theologiae Moralis, II, §604).

O princípio é dado pelo Papa Pio XII em uma mensagem de rádio para o mundo inteiro, em 1º de setembro de 1944, na qual ele condena não apenas o comunismo, por sua negação do direito à propriedade privada, mas também “o capitalismo... fundado em uma concepção errônea que arroga para si um direito ilimitado sobre a propriedade fora de toda subordinação ao bem comum", tendo isso sempre sido condenado pela Igreja "como algo contrário à lei natural”1

O católico de reta consciência deve fazer uso do seu capital e de seus investimentos não apenas para seu próprio lucro, mas também para o bem comum da sociedade. É altamente duvidoso que especulações transitórias nos mercados acionários ou monetários redundem em alguma contribuição real ao bem comum. Ao contrário, devem ser supostas como egoístas e prejudiciais ao bem comum.

O Pe. Merkelbach explica o porquê de não considerar a especulação como algo moralmente louvável: 

“[tais especuladores] retém indevidamente seu capital em operações intermediárias que não têm utilidade real; e buscam obter riquezas sem mão de obra proporcional e sem subordinação ao bem comum, com prejuízo aos outros que não se expõem livremente ao acaso, mas são obrigados a fazê-lo por razões comerciais. Além disso, o costume de se preocupar com especulações monetárias leva a um desejo avassalador de ganhos, ao qual subordinam todas as coisas e todas as atividades; engendra uma ansiedade constante e expõe empresas e famílias a um grande perigo de desperdício, ociosidade e ruína financeira." (Ibidem)

É lamentável que alguns católicos tradicionais considerem que esse modo de vida seja compatível com o Reinado Social de Jesus Cristo, engajando-se, como fazem, em tais comércios pela Internet, sem se perguntarem se esse comércio especulativo poderia servir a Cristo Rei, ou talvez seguindo o falso princípio de que os fins justificam os meios. Podemos conhecer o pensamento da Igreja sobre esse ponto na tradicional interdição do Código de Direito Canônico (1917) desse tipo de especulação dessa sorte para todos os clérigos e religiosos, mesmo se feita em benefício da Igreja ou de outras pessoas (Can. 142).

-Fr. Scott, maio de 2007

  1. 1. Disponível no site do Vaticano (em espanhol): http://w2.vatican.va/content/pius-xii/es/speeches/1944/documents/hf_p-xii_spe_19440901_al-compiersi.html

O uso de armas nucleares em tempos de guerra pode ser justificado?

Os princípios tradicionais da moralidade católica expressamente proíbem todo e qualquer uso de armas nucleares em tempos de guerra. A razão para isso é que, como os autores dizem, assassinar inocentes é um ato ilícito e imoral que não pode ser justificado pelo objetivo de vencer a guerra. Os não-combatentes, isto é, aqueles que não contribuem direta ou indiretamente para o sucesso dos atos de guerra do inimigo, devem ser considerados como inocentes. Atacá-los diretamente por qualquer razão, como abalar o ânimo da nação, é um ato imoral. Entende-se que a morte de inocentes pode, ocasionalmente, acontecer como um efeito colateral da guerra, mas não como um efeito primário, diretamente buscado. Nesse caso, não é imoral, mas desde que não seja algo desejado, mas apenas um efeito colateral inevitável de uma ofensiva agressiva ou do bombardeiro de alvos militares.

Porém, as armas nucleares provocam destruição em massa de populações civis inteiras e não podem ser utilizadas para atacar alvos militares isoladamente. Portanto, a morte de civis inocentes e de não-combatentes não é um mero efeito colateral: é o que se busca diretamente. Isso é manifestamente imoral, não importando que a guerra seja justa.

Essa realidade deve, porém, ser modificada em razão da natureza dinâmica da guerra no mundo moderno. Surgiu uma nova forma de barbarismo que responde pelo nome de “guerra total”. Desde a Guerra Civil Americana, as guerras modernas não têm sido um simples conflito entre combatentes de ambos os lados, e essa realidade tem aumentado de maneira cada vez mais intensa. Todos os recursos de um povo passaram a ser direcionados para a guerra e para a destruição total do inimigo, incluindo a indústria, a educação e toda a infraestrutura de uma sociedade. Esse conceito de guerra é manifestamente imoral e não pode, de maneira alguma, ser usado para justificar a morte de inocentes ou de não-combatentes.

A dificuldade surge quando uma nação inimiga passa a empregar a técnica da guerra total. Pode acontecer de a única maneira de se defender contra um agressor injusto em uma guerra imoral como essas seria responder à altura, alocando todos os recursos do país e atacando os alvos civis do inimigo (cf. Fagothey, Right and Reason, p. 572). A justificativa para essa resposta seria que, nesse caso, não existem não-combatentes e que, como a população inteira está envolvida na atividade de guerra inimiga, então todos podem ser alvos de agressão para autodefesa. Apesar disso poder ser admitido como uma possibilidade teórica, seria uma decisão extremamente difícil de se tomar.

Consequentemente, pode-se imaginar uma situação na qual a morte de um grande número de civis através do uso de armas nucleares poderia ser justificado através do princípio do efeito duplo, ou seja, como um meio necessário para se vencer uma guerra justa. Porém, mesmo nessas circunstâncias, teria que haver uma razão proporcional ao mal que a morte de inocentes representa, a saber, o bem desejado. Meu ponto é que, no mundo moderno, essa razão proporcional jamais poderia ser imaginada. O uso de uma arma nuclear acarreteria o uso de outras armas nucleares pelo inimigo ou por seus aliados, e um ciclo de destruição inacreditável seria criado, o que faria a situação geral ser um mal muito maior do que mesmo perder uma guerra justa.

Consequentemente, parece-me que, ainda que se conceda a possibilidade teórica de a guerra total ser respondida com uma guerra total, na prática, o uso de armas nucleares jamais seria permitido.

É patente que o uso de armas atômicas contra Hiroshima e Nagasaki, em 1945, foi imoral. Naquele momento, não havia ameaça às populações civis nos países aliados, nem se poderia dizer que havia uma guerra total. Certamente não havia razão proporcional ao sofrimento dos civis, destruição e miséria que resultaram, sem mencionar o escândalo público e o horror de que uma nação “civilizada” perpetrou um ato tão bárbaro contra inocentes.

 

— Pe. Scott, Maio de 2003.

Pode um apóstata salvar sua alma se morrer no estado de apostasia sem arrepender-se?

Apóstata é a pessoa que já foi católica e que abandonou toda a prática da religião. Por ter recebido e crido na fé católica e por ter conhecido ao menos alguma coisa da ordem sobrenatural da graça, não é possível que tal pessoa esteja de boa fé, como seria possível a um protestante que parou de praticar sua falsa religião. A razão para isso é que a boa fé pressupõe ignorância invencível. Ignorância invencível só é possível para aqueles que não têm possibilidade de conhecer a verdade acerca da revelação divina, e cuja ignorância, portanto, não é culpável. Alguém que já teve a virtude teológica da fé infundida no batismo e que recebeu ao menos alguma instrução na fé católica não pode estar em ignorância invencível. Ele pode, certamente, estar em ignorância quanto à verdadeira Igreja e seus ensinamentos, mas, se ele estiver nesse estado, é por culpa própria, e sua ignorância é vencível. Aparentemente, as únicas exceções a essa regra seriam católicos batizados que nunca receberam ensinamento algum sobre a fé, ou que não receberam exemplos de vidas católicas.

A Igreja Católica recusa exéquias cristãs a todos os pecadores públicos, incluindo apóstatas públicos que não se arrependeram. Se eles deram algum sinal de arrependimento antes da morte, ainda que seja um sinal ao menos provável, como palavras de tristeza pela sua teimosia ou o desejo de receber um Padre, a Igreja pode ter alguma esperança quanto à sua salvação eterna e, portanto, autoriza um funeral cristão. Desnecessário dizer, porém, que apenas Deus pode julgar a alma, então é permitido rezar em privado e oferecer Missas privadas pelos apóstatas que não deram sinais de arrependimento.

 

- Pe. Scott, Agosto de 2005.

 

O inferno existe? O que ele parece significar para alguns teólogos dos nossos dias?

Até recentemente, nenhum católico, por mais mal informado ou mal instruído que fosse, jamais tinha qualquer dúvida ou desorientação acerca da realidade do inferno e do castigo eterno caso tivesse a infelicidade de morrer em estado de pecado mortal sem arrependimento. O inferno existia. Era um lugar ou um estado de punição eterna habitado por aqueles rejeitados por Deus. É um ensinamento de fé que o inferno é uma realidade e que seus castigos duram por toda a eternidade; porém,  que os castigos dos réprobos são proporcionais à culpa individual de cada um é apenas uma opinião corrente entre os teólogos da Igreja; não é um artigo de fé.

Santo Agostinho ensina que “os castigos de alguns dos réprobos serão mais toleráveis que os de outros” (Enchiridion III)), um ponto de vista ilustrado poeticamente no Inferno de Dante, onde ele coloca não apenas Alexandre, o Grande, e Átila, o Huno, mas também o Papa Celestino V e o Papa Anastácio – o último equivocadamente, pois ele, muito provavelmente, estava se referindo ao Imperador de mesmo nome.

O inferno está povoado por almas condenadas – condenadas pelos seus próprios pecados e de acordo com a absoluta justiça e misericórdia de Deus. Sim, mesmo o inferno, com todos os seus tormentos, é um ato de misericórdia.

Aqueles que ensinam ou dão a entender um inferno que existe, mas está surpreendente e confortavelmente vazio, não têm apoio na Tradição da Igreja.

Essas ideias apareceram pela primeira vez nas obras de Orígenes e foram condenadas. Em nossos tempos, elas são encontradas nos escritos de Hans Urs von Balthasar e no teólogo convertido Sergei Bulgakov1, que o Papa João Paulo II confunde, aparentemente, com o romancista Mikhail Bulgakov no seu Cruzando o Limiar da Esperança; opiniões semelhantes são encontradas nos escritos do próprio Papa, como se ele duvidasse ou tivesse grandes reservas acerca das consequências da doutrina do inferno que, em outros lugares, ele defende (Catecismo da Igreja Católica, 1033, onde, infelizmente, o inferno foi colocado entre aspas). Confrontado com a doutrina clara da Igreja nessa matéria, ele diz, em seu novo livro, diante do mistério dos réprobos no inferno: “o silêncio da Igreja é, portanto, a única posição adequada à fé cristã”. A Igreja nunca foi silente; sua doutrina é clara como a de Cristo em pessoa. O inferno é eterno. As almas miseráveis vão para lá para experimentar o terror daquelas palavras terríveis de Cristo, “Afastai-vos de mim, miseráveis, para o fogo eterno” (Mt 25, 41), para experimentar o horror do verso de Dante: “Abandonai toda a esperança, Vós que entrais aqui” (Canto III, 9)

 

- Pe. Boyle, Janeiro de 1995.

  1. 1. [N. T] Sergey Bulgakov, padre da Igreja ortodoxa russa, jamais se converteu ao Catolicismo na verdade. Essa citação feita por João Paulo II é mais uma da série de suas bizarras citações de teólogos de outras religiões como se fossem mestres de vida espiritual. Em outra ocasião, o Papa se referiu ao teólogo ortodoxo bizantino Gregório Palamas e ao monge ortodoxo russo Serafim de Sarov como “santos”.

Todos os homens irão para o céu? Todos serão salvos?

Muito embora o sacrifício de Nosso Senhor, oferecido no Calvário e tornado presente em cada Missa válida, seja mais que suficiente para salvar a todos os homens sem exceção, não se segue daí que todos os homens serão salvos. É uma doutrina fundamental de São Paulo que a salvação só se adquire pela graça que Cristo mereceu, e São Pedro em pessoa testemunhou perante o Sinédrio que “não há salvação em nenhum outro” (At 4,12). -- É esse o significado do dito “fora da Igreja não há salvação”. Fora de Cristo não há nada, pois “os deuses dos pagãos são demônios” (Sl 95,5)

A ignorância, mesmo quando invencível, não é, em si mesma, garantia de salvação. Existe uma obrigação grave de se buscar a verdade, que incumbe a todos que não estejam na fé católica.

A graça de Cristo sempre é dada e não pode ser recusada, e Cristo estabeleceu apenas uma Igreja, na qual Deus é cultuado em espírito e em verdade.

A ambiguidade deliberada de textos recentes vem causando confusão às almas, levando-as ao erro. Não é certo dizer que todas as religiões são iguais ou que todas são boas. Não há mais respeito pela verdade de Cristo em muitos dos ensinamentos eclesiásticos dos nossos dias.

Em uma recente análise de “Cruzando o Limiar da Esperança”1, um jornalista inglês apontou que há exagero no que alguns dizem acerca da infalibilidade papal, pois nem tudo que o Santo Padre diz é infalivelmente verdadeiro, especialmente suas observações sobre outras religiões. Citarei Noel Malcolm:

“Ele [o Papa] dialoga com outras religiões – como se a espiritualidade fosse apenas um aspecto da experiência humana em si, algo que se pode encontrar entre hindus, confucianos e aborígenes que veneram seus ancestrais. Chega a sugerir que, por terem os rudimentos da experiência espiritual, essas pessoas estão conectadas com o Cristianismo e são elegíveis à salvação – uma alegação que, creio eu, oscila perigosamente na direção da heresia” (London Sunday Telegraph, 6 de novembro de 1994).

Se um jornalista que nem mesmo é católico consegue compreender isso, por que nosso papa e nossos bispos não conseguem mais enxergar a verdade que já professaram? Por que dedicam-se agora a reinterpretá-la de maneira totalmente revisionista?

- Pe. Boyle, Janeiro de 1995.

  1. 1. [N. do T.]Referência ao livro-entrevista do Papa João Paulo II
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