Gabriel: Oh! Deus te salve, Maria,
Cheia de graça graciosa,
Dos pecadores abrigo!
Goza-te com alegria,
Humana e divina rosa,
Porque o Senhor é contigo.
Virgem: Prudência, que dizeis vós?
Que eu muito turbada sou;
Porque tal saudação
Não se costuma entre nós.
Prudência: Pois que é auto do Senhor,
Senhora, não estai turbada;
Tornai em vossa color
Que, segundo o embaixador,
Tal se espera a embaixada.
Gabriel: Ó Virgem, se ouvir me queres,
Mais te quero inda dizer.
Benta és tu em mereceres,
Mais que todas as mulheres,
Nascidas e por nascer.
Virgem: Que dizeis vós, Humildade;
Que este verso vai mui fundo,
Porque eu tenho por verdade
Ser em minha qualidade
A menos cousa do mundo?
Humildade: O anjo, que dá o recado,
Sabe bem disso a certeza.
Diz David no seu tratado,
Qu’esse sp’rito assim humilhado
É cousa que Deus mais preza.
Gabriel: Alta senhora, sab’rás
Que tua santa humildade
Te deu tanta dignidade,
Que um filho conceberás
Da divina Eternidade.
Seu nome, será chamado
Jesu e Filho de Deus;
E o teu ventre sagrado
Ficará horto cerrado;
E tu — Princesa dos Céus.
Virgem: Que direi, prudência minha?
A vós quero por espelho.
Prudência: Segundo o caso caminha,
Deveis, Senhora Rainha,
Tomar com o Anjo conselho.
Virgem: Quomodo fiat istud,
Quoniam rirum non cognosco?
Porque eu dei minha pureza
Ao Senhor, e meu poder,
Com toda minha firmeza.
Gabriel: Spiritus sanctus supervenit in te;
E a virtude do Altíssimo,
Senhora, te cobrirá;
Porque seu filho será,
E teu ventre sacratíssimo
Por graça conceberá.
Virgem: Fé, dizei-me vosso intento,
Que este passo a vós convêm.
Cuidemos nisto mui bem,
Porque a meu consentimento
Grandes dúvidas lhe vem.
Justo é que imagine eu,
E que esteja muito turbada.
Querer quem o mundo é seu,
Sem merecimento meu,
Entrar em minha morada;
E uma suma perfeição,
De resplendor guarnecido,
Tomar para seu vestido
Sangue do meu coração,
Indigno de ser nascido!
E aquele que ocupa o mar,
Enche os céus e as profundezas,
Os orbes e redondezas;
Em tão pequeno lugar
Como poderá estar
A grandeza das grandezas!
Gabriel: Porque tanto isto não pezes,
Nem duvides de quere,
Tua prima Elizabeth
É prenhe, e de seis meses.
E tu, Senhora, hás de crer,
Que tudo a Deus é possível,
E o que é mais impossível,
Lhe é o menos de fazer.
Virgem: Anjo, perdoai-me vós,
Que com a Fé quero falar.
Pedirei sinal dos Céus.
Fé: Senhora, o poder de Deus
Não se ha de examinar.
Nem deveis duvidar,
Pois sois dele tão querida.
Gabriel: E d’abinício escolhida:
E manda-vos convidar;
Para madre vos convida.
Virgem: Ecce ancilla Domini,
Faça-se sua vontade
No que sua Divindade
Mandar que seja de mi,
E de minha liberdade.