Ave, Maria.
Nossa Senhora vai... Céu de esperança
Coroando-lhe o perfil judaico e fino...
E um raio de ouro que lhe beija a trança
É como um grande esplendor divino.
Entram no Templo. Um hino do Céu tomba.
Sobre eles paira o Espírito celeste
Na forma etérea de invisível Pomba.
Por Ele toda a mágoa sofreria...
Ah! corresse-lhe em fonte ardente o pranto
Na paz da noite e nos clarões do dia.
Sofrer por Ele... Sim. Tudo por Esse
A quem beijava os Olhos, mas contanto
Que Ele, o seu Filho amado, não sofresse!
Chorou. "Guardião do Templo, que disseste?"
E a ansiedade passou-lhe contristada
Pela Alma, como a sombra de um cipreste
Plantado à beira de uma encruzilhada.
TERCEIRA DOR
Fili, quid fecisti nobis sic? Ecce pater tuus et
ego dolentes quaerebamus te.
S. LUC. II, 48.
- I -
Fé, Esperança, Caridade, — hinário
De lausperenes e de misereres, —
Canto de paz em tempo solitário,
Fazeis sonhar em pálidas mulheres.
Fé! ter os olhos fitos no Calvário...
E a Esperança que diz: "Tudo que esperes
Virá por entre as dobras do sudário..."
E a Caridade, as Almas esmoleres!
Trindade augusta que me segue, vozes
Que vêm do Inacessível, e coluna
Erguida em frente aos temporais atrozes:
Santas virtudes primitivas, ponde
Bênçãos nesta Alma para que ela se una
A Deus, e vá, sabendo bem por onde...
- ÏI -
Foi a primeira dElas que me veio,
No exílio do meu pávido abandono,
Aconchegar, rezando, contra o seio,
Quando longe de mim estava o outono.
Da primavera ao delicioso enleio
Florescia a minha Alma como um trono:
De lírios o jardim estava cheio...
Era a delícia do primeiro sono.
Depois, tantas serpentes pela estrada,
Ao sol, que me cegava o olhar de outrora,
E sob o luar da noite constelada...
E entre nimbos de rútilos altares,
O Anjo da fé, num resplendor de aurora,
Baixava as grandes asas tutelares.
- III -
A Segunda das três Irmãs, um dia,
Vendo-me à beira de um abismo: "Espera!"
Veio dizer-me, e pálida sorria...
De mim bem longe estava a primavera.
O meu imoto olhar de esfinge erguia
Luares de morte ao Céu, que já não era
O mesmo azul em ondas de harmonia,
Mistério ascensional que eu bendissera.
Abrindo as grandes asas fulgurantes,
A Esperança tomou-me os braços hirtos...
E o Céu ficava azul como era dantes.
Os meus olhos de mar em noite calma,
Entre festões de rosas e de mirtos,
Tombavam sobre o luto da minh'Alma.
- IV -
E foi então que a Virgem de olhos castos,
Tão branca e macerada como os círios,
Surgiu em frente dos satãs nefastos
Que o coração me enchiam de delírios.
Sobre a noite dos seus cabelos bastos
O luar resplende: as mãos curam martírios,
E os pés flordelisados deixam rastos
De fulgor estrelar por entre lírios...
Uma fonte lustral de preces corre
Daqueles olhos, onde, suavemente,
A noite nasce e o dia, ao longe, morre.
— Virgem da Caridade, eu vou contigo!
E então, pela primeira vez, ao poente,
Rezei trindade, eu, Poeta e mendigo...
- V -
Mendigo mas do teu Amor sublime,
Que ao pungente fulgor das Sete Espadas
Vem relembrar o inolvidável crime,
Através das esferas consteladas...
Fé, Esperança, Caridade, ungi-me,
Ó bênçãos da maior das Bem-Amadas!
Que eu me eleve a esse Amor que nos redime,
Ao clarão das virtudes consagradas...
Como a estrela de Efrata na sombria
Degolação dos Santos Inocentes,
Olhos, chorai as Dores de Maria.
E se dado vos for chorá-las, tanto
Que em lágrimas cegueis, mudas e crentes,
Bendita seja a noite desse pranto!
- VI -
É Sião que dorme ao luar. Vozes diletas
Modulam salmos de visões contritas...
E a sombra sacrossanta dos Profetas
Melacoliza o canto dos levitas.
As torres brancas, terminando em setas,
Onde velam, nas noites infinitas,
Mil guerreiros sombrios como ascetas,
Erguem ao Céu as cúpulas benditas.
As virgens de Israel as negras comas
Aromalizam com os ungüentos brancos
Dos nigromantes de mortais aromas...
Jerusalém, em meio às Doze Portas,
Dorme: e o luar que lhe vem beijar os flancos
Evoca ruínas de cidades mortas.
- VII -
Foi por aquelas ruas circulares
Que O perdeste, Senhora, e que O não viste,
Sorrindo sob a luz dos seus olhares,
Ele, o Cordeiro amargurado e triste...
Quem pudera chorar os teus pesares,
Quem, na angústia a que o peito não resiste,
Te guiara em via-sacra pelos lares,
Sentindo toda a mágoa que sentiste!
Três dias procuraste, em mágoa imensa,
Sofrendo a multidão dos hebreus rudes,
Do Filho eterno a celestial Presença...
(Fé, Esperança, Caridade, hinário
De alívio à Mãe aflita, áureas Virtudes
Que haveis de segui-la até o Calvário!)
Janeiro de 1897
QUARTA DOR
Et bajulans sibi crucem, exivit in eum qui
dicitur Calvariae locum...
S. JOAN. XIX, 17.
- I -
Pontius Pilatus olha-O. Quieto e fundo
Olhar mau que talvez de ódio não fosse;
De ódio, não, mas de dúvidas fecundo...
E Cristo era de pé, sereno e doce.
Depois, aquele olhar, que de profundo
Se fizera de escárnio, iluminou-se:
— "És o Rei dos Judeus?" Que deste mundo
O seu Reino não era. E a Voz calou-se.
— "És Rei?" — "Disseste-o". E a multidão oprime
A Pilatus. No entanto para a turba
Ele fala: — "Não lhe acho nenhum crime.
"Ei-los, Jesus e Barabás precito:
Qual à morte votais?" (A dor pertuba
O Céu de amplo clamor...) — "Jesus"! foi dito.
- ÏI -
E Barabás era um ladrão. Perdoado
Foi da morte naquela Páscoa, e o Justo
Sofreu o atroz suplício inolvidado,
Braços abertos no Madeiro augusto.
Na solidão do Monte descalvado
O vento ulula, trêmulo de susto:
No Céu, que lança à terra o olhar magoado,
É sangue o luar, é sangue o sol adusto.
Soa dorida a Hora marcada. Círios
Em pranto, além, no Céu. Que negras noites
Estendem véus de luto aos seus Martírios...
Que Alma de penha quem não soluçasse
Ao ver impressa ao sangue dos açoites
A Verônica real da sua Face
- III -
Densas nuvens sem luz, como flabelos,
Velando o sol, que de pesar se ofusca,
Surgem por entre os límpidos castelos,
Numa dolência desolada e fusca.
Cristo fita no Céu os olhos belos,
Como quem meigo olhar amado busca:
E começa o martírio dos flagelos...
A tarde faz-se parda, a noite brusca.
Sempre-divino, o imáculo Cordeiro
Sob os golpes em fúria cruel parece
Que vai soltar o alento derradeiro.
mais uma vez o Azul sagrado fita,
E baixa os olhos, úmidos de prece,
Ele a Clemência, o Amor, a Paz bendita...
- IV -
Nossa Senhora encontra-O... Se não fora
O eterno sopro que do Céu lhe vinha,
Diante dessa visão contristadora,
Certo caíra a pálida Rainha.
É Ele, o seu Filho amado: a luz que doura
O seu cabelo, é sangue: linha a linha,
É sangue o rosto: e a barba, que entre loura
E negra está, clarões de sangue tinha.
Verga-lhe as Pernas o Madeiro: os braços
A sua Mãe estende-lhe, chorando,
Ante a incerteza dos seus pobres Passos.
Sob irrisórios aparatos régios,
Tudo se apronta para o mais nefando,
Para o mais infernal dos sacrilégios...
- V -
Se puderas, Senhora, nesse instante
Tomar-lhe a Cruz que os Ombros lhe crucia,
E levando-a, seguir agonizante
Pela santa montanha da agonia...
Com que sorriso excelso no semblante,
Por entre sombras de melancolia,
Das nuvens sob o pálio suavizante,
A tua Alma de mãe não seguiria!
Oh Porta celestial do Paraíso,
Ante a esperança dos teus olhos venho
Mover-te à compaixão de que preciso.
Possa eu, Poeta da morte, Alma de assombros,
Um dia carregar o santo Lenho
Sobre o esqueleto dos meus frágeis ombros!
- VI -
Magnificat anima mea Dominum...
"Bendita sois entre as mulheres!" Puras
Irradiações de salmos encantados
De glória a ti, Senhora, nas alturas,
Por séculos de séculos sagrados.
Vejo, no entanto, as tuas Amarguras...
Senhora, que há de ser dos desgraçados,
Se tu, a mais feliz das criaturas,
Tens os olhos em lágrimas banhados?
Feliz, bem sei, pois és quem Deus mais ama...
"Donde me vem que a Mãe do Verbo eterno
Me venha a mim?" Santa Isabel exclama.
Passa-te na Alma a inspiração sublime:
E dos teus lábios desce o brando e terno
Hino que a glória da tua Alma exprime...
- VII -
Se a Alma que aos pés vós tendes, vos parece
Indigna de chorar as vossas Dores,
Por não poder a fervorosa prece
De um pecador subir a tais louvores:
Se a Alma que esta Coroa astral vos tece
Humildemente, com tão pobres flores,
Não devera ascender a quem não desce
De um sólio de celeste resplendores:
Se por dizer o que vos digo, e creio,
Ponho o meu triste coração aberto
Ao desamor do Imaculado Seio:
Perdoai-me o zelo fiel que me consome,
Que estes meus versos valerão por certo,
Porque neles fulgura o Vosso Nome...
QUINTA DOR
Ubi crucifixerunt eum, et cum eo alios duos
hinc et hinc, medium autem Jesum.
S. JOAN. XIX, 18.
- I -
Senhor Jesus, que sois toda a bondade,
Muitas vezes faz frio e a mágoa é intensa
Na minha Alma, e esta angústia que me invade
Clama só pela vossa real Presença...
Amparai-me com a vossa caridade:
Vindo, como virá, da luz imensa
Da vossa Mão (de toda a eternidade),
Há de ser grande sempre a recompensa.
Seja um sinal apenas de conforto,
Um gesto simples que, tombando do Alto,
Possa animar-me o coração já morto.
Fujam de mim as tentações do Inferno:
Que é o momento de contemplar o assalto
Contra a glória do vosso Corpo eterno.
- ÏI -
E tu, Senhora, cujo olhar tranqüilo
De nuvens brancas a minha Alma veste,
Olhar sublime que foi tudo aquilo
Que no Céu encontrei de mais celeste:
Tu, ermida sagrada onde me exilo,
Longe da fome, e sede, e guerra, e peste,
A mostrar-me no Céu, para segui-lo,
Todo o luar da esperança que me deste:
Mãe dolorosa! num momento incerto
Virás abrir-me os rútilos sacrários
De tua Alma que está de Deus tão perto...
Virás, talvez, e então, por certo, as minhas
Mãos de sombra debulharão rosários
Para a maior de todas as Rainhas...
- III -
De mim piedade vós tereis. Bem ledes
Que espero o que jamais me será dado...
Mas a minha Alma é um templo sem paredes
Em que penetra o sol de cada lado.
Com os vossos olhos sinto que vós vedes
A desgraça em que vivo encastelado...
Oh as sedes siderais! Eternas sedes
Suavizadas no mundo constelado.
Mas com que amor cheio de unção e glória
Convosco chorarei as vossas Dores
Na outra vida e na vida transitória...
E possa eu ver-vos, na hora das Trindades,
Tendo aos pés, em etéreos resplendores,
Tronos, Dominações e Potestades...
- IV -
Pois sede teve o vosso FIlho na hora
Em que Vós, e Elas, a seus Pés vos vistes,
Certo coroadas por suprema aurora,
Mas todas três tão pálidas, tão tristes...
O seu Olhar, cheio de dor, não chora,
Resignado ante as Dores que sentistes,
Vós, torre de marfim, santa Senhora,
Alma que em pranto astral vos diluístes!
E então secos os Lábios, a Garganta
Em fogo, é o instante do cruel martírio:
"Sede"! geme-lhe a Voz que se quebranta.
Na ponta de uma lança ergue-se a Esponja:
Mais se enlanguesce a vossa cor de lírio,
E esse perfil que predizia a monja...
- V -
Iam Maria mais José e o Infante
Louro na fuga para o Egito. Ruídos
Soam: a tarde vai caindo, e diante
Deles surgem, velozes, dois bandidos.
— "Somos pobres!" e a voz é um sonho errante.
Gestas assalta os Pais entristecidos;
Dimas a Criança toma, e o seu semblante
É outro; sente harpas de Anjos nos ouvidos...
E faz Gestas abandoná-los. Ora,
Esses ladrões, os Dois, crucificados
Com aquele mesmo Infante estão agora.
DEle se lembra Dimas, indeciso:
— "Vós, Senhor!" e Jesus (... Lábios sagrados!)
— "Serás hoje comigo em Paraíso."
- VI -
Junto da Cruz, em pé, Maria estava,
E perto dela, João. Jesus, que os via,
Para os dois entes celestiais olhava,
Olhos saudosos de melancolia.
— "Eis teu filho, Mulher." E João chorava.
E a mesma Voz dulcíssima dizia
Ao discípulo que Jesus amava:
— "Eis tua mãe." Pouco depois, morria.
Sobre-humanas delícias nunca vistas
Vieram, brancas, beijar a Alma tão pura
Do mais suave dos Quatro Evangelistas.
Meio S. João! fado de glórias pôs-te
A mão de Deus: que é a maior ventura
Ser amado de Cristo como foste.
- VII -
Vê-Lo não vos bastava, doce Dama,
Longe dos vossos maternais carinhos;
Sentir que a plebe vil, que ruge e clama,
Viesse em fúria assaltá-Lo nos caminhos:
Escarros que tombavam como lama
Sobre Quem é mais alvo que os arminhos:
E a Fronte real, em radiações de flama,
Cingida pelas pontas dos Espinhos:
Açoites, bofetadas, Cravos, Chagas,
E a Esponja, e a Lança, e o Fel, e a Sede estranha,
E o Sangue santo que corria em bagas:
Tudo era pouco para as vossas Dores...
Que ainda havíeis de vê-Lo na Montanha,
Expirando entre dois salteadores!
Abril de 1898
SEXTA DOR
Joseph autem mercatus sindonem, et deponens
eum involvit sindone...
S. MARC. XV,46.
- I -
Branco círio de luz nunca apagado,
Que entre orações velais eternamente,
Vós floristes de azul o meu passado,
E sois a flor de lis do meu presente.
Quantas vezes, Senhora, eu que transviado
Vivia, como quem não vê nem sente,
Nem ouve, e até de vós desmemoriado,
Tive o auxílio do vosso amor clemente!
o vosso nome há de cantá-lo em verso
Terso, e mavioso, o Poeta miserando
Que nos seus hinos castos vive imerso:
Alma coroada de coroas verdes
E de ramos dominicais, orando,
Vereis, se os olhos para mim volverdes...
- ÏI -
O teu nome, Senhora, é a estrela da alva
Que entre alfombras de nuvens irradia:
Salmo de amor, canto de alívio, e salva
De palmas a saudar a luz do dia...
Pela primeira vez, quando a veste alva
A mão do Sacerdote me vestia,
Ouvi-o: e na hora batismal, oh! salva
A alma que o santo nome repetia...
Foram-se os anos... e sonho que me segue
A doçura infinita dos teus olhos
Que me dão luzes para que eu não cegue:
Doce clarão de estrela em fins da tarde,
Que há de encontrar-me trêmulo, de giolhos,
Com remorsos de te adorar tão tarde...
- III -
Ela é o asilo da mendicidade:
Ei-los que vêm, os míseros pedintes...
(Musa, não lhe dirás a suavidade,
Por mais suaves as cores com que a pintes!)
Maio! São rezas virginais. Invade
O templo a humilde multidão de ouvintes.
Quem acompanha o mês, quanta saudade
Não guardará nas épocas seguintes!
O Altar é todo branco: arde o Santo-Óleo
Em frente ao Filho eterno, e Ela, magoada,
Mais resplandece no sagrado Sólio...
Reza por mim, Senhora! Ah quem me dera
Sentir no peito, agora, a mesma Espada
Aguda e funda que te dilacera...
- IV -
E recebeste-O nos teus braços. Vinha
Do alto do Lenho onde estivera exposto
Ao ímpio olhar, tão ímpio! da mesquinha
Multidão que insultava o santo Rosto...
Sangue o Peito suavíssimo continha,
Num resplandor de raios de sol posto...
Oh! Vinha do Senhor, excelsa Vinha
Em cachos siderais de etéreo mosto!
Sangue que se derrama em ondas, sangue
Que para a salvação dos homens, corre
Purpureamente brand, e O deixa exangue...
E que correndo como então corria,
Por toda a eternidade nos socorre
No mistério eternal da Eucaristia...
- V -
Morto... mas vivo em todos nós, em cada
Alma que O queira receber em prece,
Pois Ele é a casta flor desabrochada
Que nas santas Partículas floresce...
Vive dentro de nós como a alvorada
No Céu: bem longa seja a noite, a messe
De astros longínquos morre, e a doce fada
Que fia os raios de ouro, resplandece...
Tem lábios que consolam, Mãos tão finas
Que dão carícias à Alma que O procura,
Cante o sol, chorem horas vespertinas...
E sempre ao pé de nós, anda nos ermos
Enchendo céus e terra com a ventura
Que envia aos corações que estão enfermos...
- VI -
Ora José de Arimatéia viera
Tomar o Corpo de Jesus. Mais cedo
Nicodemos no Gólgota estivera,
E com mirra voltara. E tinham medo.
Pois cada um destes homens puros era
Do bom Senhor discípulo em segredo,
Por temor dos judeus. Logo o soubera
O Sinedrim judaico, injusto e tredo.
Junto ao lugar do Sacrifício, um horto
Havia, e nele um monumento aberto
Onde nunca pousara nenhum morto.
Sepultaram-No, e a lápide fechou-se.
Viu-se depois o túmulo deserto:
Voara ao Céu Quem o Céu consigo trouxe.
- VII -
Eu sei cantar o sofrimento: basta,
Para cantá-lo bem, já ter sofrido...
Pois a musa que pelo chão se arrasta
Sobre às vezes ao Céu como um balido.
Mas canto e sempre-humana dor. A vasta
Dolência angelical, o almo gemido
Que vem pungir-vos a Alma pura e casta,
Oh! não... Que para tal não fui nascido.
Nem pretendo, Senhora (fora um sonho)
Dizer toda a agonia que sofrestes
Nos versos que ante vós, humilde, ponho.
Por mais nobre que seja, é sempre tosco,
tem sempre versos pálidos como estes
O Poeta que quiser chorar convosco.
SÉTIMA DOR
... et posuit eum in monumento quod erat
excisum de petra.
S. MARC. XV,46.
- I -
Só! e ao redor de ti, Senhora, olhaste:
Gemia a solidão de extremo a extremo.
E o infinito silêncio interrogaste
Com a clemência do teu olhar supremo.
Goivos tristes penderam, suaves, da haste,
Orvalhados na dor do pranto extremo,
Os mesmos olhos com que tu choraste
Quando ouviste rugir o ódio blasfemo.
Asas de cisne, além, pairava, incerto,
O ermo clarão do luar sobre o deserto,
Indefinido e irial, dos olhos teus...
Virgem da Soledade, ancila triste,
Ah! quem dissera a mágoa que sentiste:
Ser do Céu e viver longe de Deus!
- ÏI -
Só... e cheio de estrelas era o espaço,
E sorria aos teus pés a terra em flores;
O Céu, abrindo o celestial regaço,
Queria consolar as tuas Dores.
Vias, em sonho, o Olhar já morto e baço
Que perdoara os satânicos furores,
E trilhavas, chorando, Passo a Passo.
A Rua dos pungentes Amargores.
Ele era a fonte branca da Virtude,
O cordeiro sagrado que se imola,
Cheio de paz, e amor, e mansuetude...
Sempre tranqüilo em frente aos inimigos,
Era o consolo extremo, a santa esmola,
Neste mundo de sombras e mendigos...
- III -
Só... Mas quem te fizera companhia,
Neste mundo, depois de Ele a ter feito?
Quem, Senhora dolente, poderia
Conter o mesmo amor daquele Peito?
Viesse-te Ele buscar naquele dia
Em que te abandonara, o Olhar desfeito
Em astros: e a tua Alma vagaria
Nas barbacas e torres do seu Preito...
As harmonias célicas, suaves,
Para saudar-te, oh santa Bem-Amada,
Gorjeariam como um bando de aves.
E novo som nas harpas, novo brilho
Nas esferas da mística Morada,
Quando chegasses junto com o teu Filho...
- IV -
Portas do Céu que dais para a outra vida,
Diante de mim, de par em par, abri-vos...
E a oblação da minha alma entristecida
Chegue ao limiar dos tronos primitivos.
Ermitão que procura a quieta ermida,
Isolada dos mortos e dos vivos,
Evoco a luz da terra prometida...
Falazes sonhos meus contemplativos!
Vagueando pela vastidão cerúlea,
Minha Alma é como um hino que se expanda
Em louvores de sempiterna dúlia...
Exaude, Virgem branca, intemerata,
A fervorosa prece miseranda,
— Rosário que entre os astros se desata...
- V -
Havias, pois, de vê-Lo, muito em breve,
Na suprema hierarquia do infinito,
No trono de ouro nacarado em neve,
Sublime e santo, como estava escrito.
Mas, agora, choravas. E que leve
Véu te enublava o olhar nos astros fito:
A lembrança cruel da Parasceve
Vinha magoar-te o coração bendito.
Ei-Lo embaixo da Cruz pesada e amara,
Que envilecera a tantos, mas que santa,
Por-Lhe haver dado a morte, se tornara.
Sobe, gemendo, as infernais escarpas:
Na eternidade um coro se alevanta
De violinos, de cítaras e de harpas...
- VI -
Entorna sobre mim as soberanas
Inspirações que brotam dos Altares,
Oh carisma de amor que tudo irmanas,
Serva de Deus, Esposa dos Cantares.
São matinas e vésperas... Hosanas
E aleluias a ti por sobre os mares,
A ti, branca açucena que dimanas
Dos celestes jardins que não têm pares.
Aleluias a ti por sobre a terra:
O espírito do mal, imundo e sevo,
Como um fluido incoercível, nos aterra...
Ah! Senhora, que sempre tu me prezes
Como a um filho: eis a prece que te elevo
Em meio ao temporal dos meus reveses.
- VII -
Doce Mãe de Jesus, se vos não pude
Engrandecer por toda a eternidade,
Se o meu estilo, às vezes, fraco e rude,
Bem longe está da vossa ideal bondade:
Se a minha musa edênica se ilude,
Quando julga rezar com suavidade,
Quando cheia de zelo e de virtude
Vem falar-vos de vós com tal saudade:
Perdoai-me, vós que engrinaldais com flores
Castas as liras, feitas para a prece,
De tantos macerados trovadores...
Estes versos são como um lausperene:
Mais fizera, Senhora, se eu pudesse
Oficiar no Mosteiro de Verlaine.
Maio de 1898