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Art. 4 — Se a beatitude consiste no ato da vontade.

(I, q. 26, a . 2, ad 2; IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a . 1, q ª 2; III Cont. Gent. cap. XXVI; Quodl. VIII, q. 9, a . 1; Compend. Theol., cap. CVII),
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a beatitude consiste no ato da vontade.
 
1. — Pois, como pensa Agostinho14, a beatitude do homem consiste na paz, por onde diz a Escritura (Sl 147, 14): O que estabeleceu a paz nos teus limites. Ora, a paz diz respeito à vontade. Logo, a beatitude do homem consiste na vontade.
 
2. Demais. — A beatitude é o sumo bem. Ora, o bem é objeto da vontade. Logo, a beatitude consiste na operação da vontade.
 
3. Demais. — Ao primeiro movente corresponde o último fim; assim, o último fim de todo um exército é a vitória, que é o último fim do chefe, que move a todos. Ora, o primeiro movente à operação é a vontade, que move toda as outras virtudes, como a seguir se dirá. Logo, a beatitude pertence à vontade.
 
4. Demais. — Se a beatitude é uma operação, necessariamente há de ser a mais nobre operação do homem. Ora, mais nobre é o amor de Deus, que é ato da vontade, do que o conhecimento, operação do intelecto, como se vê claramente na Escritura (1 Cor 13). Logo, a beatitude consiste num ato da vontade.
14 XIX De Civ. Dei.
 
5. Demais. — Agostinho diz que feliz é quem tem tudo o que quer e nada quer mal; e logo depois acrescenta: Aproxima-se de feliz quem quer bem tudo o que quer; pois, os bens fazem o feliz, dos quais ele já tem algo, que é a boa vontade mesma1. Logo, a beatitude consiste no ato da vontade.
 
Mas, em contrário, diz o Senhor, na Escritura (Jo 17, 3): A vida eterna porém consiste em que eles conheçam por um só verdadeiro Deus a ti. Ora, a vida eterna é o fim último, como já se disse. Logo, a beatitude do homem consiste no conhecimento de Deus, ato do intelecto.
 
SOLUÇÃO. — Como já se disse, duas coisas supõe a beatitude; a essência dela e a deleitação que acompanha e que lhe é como um acidente.
 
Digo, pois, que é impossível a beatitude essencial consistir em ato da vontade, por ser manifesto, pelo já estabelecido, que ela é a consecução do último fim e este não consiste em tal ato. Pois, a vontade busca o fim ausente, quando o deseja, e se compraz repousando no fim presente. Ora, como é manifesto, o desejo em si do fim não é a consecução dele, mas tendência para ele. Ao passo que o deleite advém à vontade quando o fim lhe é presente; e não inversamente, pois, não se torna presente uma coisa porque a vontade nela se deleita. Logo, é necessário seja outra, que não o ato da vontade, a causa que torna presente o fim. — E isto se vê manifestamente em relação aos fins sensíveis. Assim, se conseguir dinheiro fosse ato da vontade, o cubiçoso, logo, desde o princípio, quando quer tê-lo, consegui-lo-ia. Ora, a princípio, este lhe está ausente e o consegue apreendendo-o com a mão ou por outro qualquer meio, e então é que se deleita com o dinheiro adquirido. — E o mesmo, se dá com o fim inteligível. Pois, primeiro, queremos consegui-lo, e o conseguimos quando ele se nos torna presente por um ato do intelecto: e então a vontade, deleitada, repousa no fim já adquirido. Por onde, a essência da beatitude consiste num ato da vontade.
 
Porém à vontade pertence o deleite conseqüente à beatitude, segundo a expressão de Agostinho2, quando diz ser a beatitude o alegrar-se com a verdade, porque a alegria em si é a consumação da felicidade.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A paz diz respeito ao fim último do homem; não que seja essencial a beatitude mesma, mas por lhe ser relativa, antecedente e conseqüentemente. Antecedentemente, enquanto está já removido tudo o que perturba e impede o último fim. E conseqüentemente, quando o homem, alcançado esse fim, fica em paz, com o desejo satisfeito.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — O objeto primeiro da vontade não é o seu ato, assim como o objeto primeiro da visão não é a visão, mas o visível. Por onde, do fato mesmo de a beatitude pertencer à vontade, com seu objeto primeiro, resulta que lhe não pertence como ato da mesma.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — O intelecto apreende o fim antes da vontade; contudo, o movimento para o fim começa na vontade. Por onde, a esta cabe o que resulta em último lugar, da consecução do fim, a saber, a deleitação ou fruição.
 
RESPOSTA À QUARTA. — A dilecção, movendo, tem preeminência sobre o conhecimento; mas este é-lhe anterior, no atingir o objeto, pois só se ama o conhecido, como diz Agostinho3. Portanto, atingimos, primeiro, por ato do intelecto, o fim inteligível; assim como atingimos primeiro, pelo ato do sentido, o fim sensível.
 
RESPOSTA À QUINTA. — Quem tem tudo o que quer é feliz, por isso; mas não o é por um ato da vontade; senão por outra coisa. Porém não querer nada de mal é necessário à beatitude, como disposição devida para ela. Ora, a boa vontade se considera do número dos bens que fazem feliz, porque é uma certa inclinação para eles; assim como o movimento se reduz ao gênero do seu termo, como a alteração à qualidade.
  1. 1. XIII De Trin
  2. 2. X Confess
  3. 3. X De Trin.
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