O sétimo discute-se assim. — Parece que a beatitude consiste em algum bem da alma.
1. — Pois, a beatitude é um dos bens do homem. Ora, estes se dividem em três classes: os bens externos, os bens do corpo e os bens da alma. Ora, a beatitude não consiste nos bens externos, nem do corpo, como já se demonstrou. Logo, consiste nos da alma.
2. Demais. — Mais amamos alguém do que o bem que lhe desejamos; assim, mais amamos o amigo a quem desejamos o dinheiro, do que o dinheiro. Ora, todos desejam para si algum bem e, portanto amam-se a si mesmo mais que todos os outros bens. Mas a beatitude é sumamente amada pois por ela tudo o mais é amado e desejado. Logo, ela consiste em algum bem do próprio homem; e como não consiste nos bens do corpo, há de por força consistir nos da alma.
3. Demais. — A perfeição é algo do ser aperfeiçoado. Ora, a beatitude é uma perfeição do homem. Logo, é algo destes. Mas não pertence ao corpo, como já se demonstrou. Logo, pertence à alma, e assim consiste nos bens desta.
Mas, em contrário, como diz Agostinho, aquilo que constitui a vida feliz deve ser amado por si. Ora, o homem não deve ser amado por si mesmo; antes, tudo o que nele existe deve ser amado por Deus. Logo, a beatitude não consiste em nenhum bem da alma.
SOLUÇÃO. — Como já se disse, o fim é considerado sob duplo aspecto: como a causa mesmo que desejamos alcançar, e como o uso, a obtenção ou posse dela.
Se, pois consideramos o último fim do homem quanto à coisa mesmo desejada como último fim, é impossível que este seja a alma ou algo dela.
Pois esta, em si considerada, é existente em potência; assim, de ciente, em potência, passa a ciente em ato; de virtuosa em potência, para virtuosa em ato. Ora, sendo o ato como o complemento da potência, é impossível o que é, em si, potencial, ter a natureza de último fim. Por onde, é impossível seja a alma em si o último fim de si mesma. — Também não o pode ser nada dela, potencial, atual ou habitual. Pois o bem, que é o último fim, é o bem perfeito que satisfaz o apetite. Ora, o apetite humano, que é a vontade, deseja o bem universal. Mas qualquer bem inerente à alma mesma é bem participado, é por conseqüência particularizado. Por onde, é impossível seja algum deles o último fim do homem.
Se considerarmos, porém, o último fim do homem quanto à obtenção mesma dele, à sua posse e a qualquer uso da coisa mesma desejada como fim, então ao último fim pertence algo do homem, por parte da alma, pois por esta é que o homem consegue a beatitude.
Aquilo, porém, que é desejado como fim, é o em que consiste a beatitude e faz feliz; e à consecução disto chama-se beatitude.
Por onde, devemos concluir que a beatitude é algo da alma; mas o em que ela consiste é algo de exterior à alma.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na medida em que na divisão referida se compreendem todos os bens apetíveis pelo homem, considera-se bem da alma, não só a potência, o hábito ou ato, mas também o objeto, que é extrínseco. E deste modo nada impede considerar como um bem da alma o em que consiste a beatitude.
RESPOSTA À SEGUNDA. — No caso vertente, a beatitude é amada, sobretudo como bem desejado; ao passo que o amigo é amado como o a quem se deseja o bem; e assim também o homem se ama a si mesmo. Por onde, um e outro amor não tem o mesmo fundamento. Se porém, pelo amor da amizade o homem ama algo acima de si mesmo, isso se há de examinar quando se tratar de caridade.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A beatitude, em si, sendo perfeição da alma, é um certo bem a esta inerente. Mas o em que a beatitude consiste, i. é, em fazer feliz, é algo de exterior à alma, como já se disse.