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Art. 4 — Se a beatitude do homem consiste no poder.

(III Cont.Gent., cap. XXXI; Compend. Theol., part. II. cap. IX; De Regina. Princip., lib. I cap. VIII; In Matth., cap. V).
 
O quarto discute-se assim. — Parece que a beatitude consiste no poder.
 
1. — Pois, todos os seres desejam assimilar-se a Deus, último fim e princípio primeiro. Ora, os homens que tem o poder, consideram-se, pela semelhança deste, semelhantes a Deus em máximo grau; por isso, são chamados deuses na Escritura (Ex 22, 28): Não falarás mal dos deuses. Logo, a beatitude consiste no poder.
 
2. Demais. — A beatitude é o bem perfeito. Ora, perfeitíssimo é que o homem também possa governar os outros, o que convém aos constituídos no poder. Logo, a beatitude consiste no poder.
 
3. Demais. — A beatitude sendo soberanamente desejável opõe-se ao que se deve sobretudo evitar. Ora, os homens evitam sobretudo a servidão, à qual se contrapõe o poder. Logo, a beatitude consiste no poder.
 
Mas, em contrário. — A beatitude é o bem perfeito. Ora, o poder é soberanamente imperfeito. Pois, como diz Boécio, o poder humano não pode excluir as apreensões dos cuidados nem evitar o aguilhão dos temores. E ainda: Julgas poderoso o que é rodeado de satélites e que mais teme aqueles que aterroriza?1 Logo, a beatitude não consiste no poder.
 
SOLUÇÃO. — É impossível a beatitude consistir no poder, por duas razões. — Primeiro, porque o poder exerce a função de princípio, como se vê claro em Aristóteles2; a beatitude, porém, de fim último. — Segundo, porque o poder tanto se refere ao bem como ao mal, ao passo que a beatitude é o bem perfeito e próprio do homem. Por onde, uma beatitude poderia consistir, mais, no bom uso do poder, que supõe a virtude, do que no próprio poder.
 
Por fim, quatro razões gerais podem ser aduzidas para mostrar que em nenhum dos sobreditos bem exteriores pode consistir a beatitude.
 
E a primeira é que, sendo a beatitude o sumo bem do homem, não se compadece com nenhum mal; ora, todos os bens preenumerados podem-se encontrar tanto nos bons como nos maus.
 
A segunda razão é que, sendo da essência da beatitude bastar-se a si mesma, como se vê em Aristóteles3, necessário é que, uma vez alcançada não falte nenhum bem necessário ao homem. Ora, obtido cada um dos bens, referidos até aqui, podem ainda faltar muitos outros necessários ao homem, como a sabedoria, a saúde do corpo e outros.
 
A terceira é a seguinte. Sendo a beatitude o bem perfeito, dela não pode provir nenhum mal para ninguém. Ora, isso não se dá com os referidos bens; pois como diz a Escritura (Ecle 5, 12), as riquezas às vezes se conservam para mal de seu dono; e o mesmo se dá com as outras três espécies de bens.
 
A quarta razão é a seguinte. O homem ordenando-se à beatitude naturalmente, ordena-se por princípios interiores; ora, os quatro bens aludidos provêm, antes, de causas exteriores e, muitas vezes, da fortuna, donde vem o serem chamados bens da fortuna.
 
Por onde é claro que de nenhum modo a beatitude neles consiste.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O poder divino é idêntico à sua bondade, e por isso não pode usar senão bem desta. Ora, tal não se dá com os homens. Por onde, não basta, para a beatitude, que o homem se assemelhe com Deus pelo poder, se também não se lhe assemelhar pela bondade.
 
RESPOSTA Á SEGUNDA. — Assim como é ótimo alguém usar bem do poder, no governo do povo, assim é péssimo usar mal; de modo que o poder tanto pode ser usado para o bem como para o mal.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A servidão é um impedimento para o bom uso do poder, e por isso os homens naturalmente, a fogem; mas daí não se deduz seja o poder o sumo bem do homem.
  1. 1. De Consol., III.
  2. 2. Metaphys, V.
  3. 3. Ethic., I.
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