(infra, a . 2; q. 6, a . 1; III cont. Gent., cap. II).
O primeiro artigo discute-se assim. — Parece que não convém ao homem agir para um fim.
1. — Pois, o que tem naturalmente prioridade é a causa. Ora, o fim, como a próprio palavra o indica, é por natureza o último. Logo, o fim não exerce a função de causa. Ora, o homem age para a causa da ação, pois, a preposição para designa função causal. Logo, não convém ao homem agir para um fim.
2. Demais. — O fim que é último não existe para outro. Ora, certas ações constituem um fim último, como se vê no Filósofo. Logo, nem tudo o homem faz para um fim.
3. Demais. — O homem age para um fim quando delibera. Ora, praticamos muitos atos sem deliberação e sem mesmo, muitas vezes, neles pensar; assim, enquanto pensamos em outras cousas, movemos o pé ou a mão, ou esfregamos a barba. Logo, nem tudo o homem faz para um fim.
Mas, em contrário. — Tudo o que pertence a um gênero deriva do princípio desse gênero. Ora, como se vê claramente no Filósofo, o fim é o principio das operações do homem. Logo, a este convém fazer tudo para um fim.
SOLUÇÃO. — Das ações feitas pelo homem só se chamam propriamente humanas as que lhe são próprias, enquanto homem. Ora, este difere das criaturas irracionais, por ser senhor dos seus atos. Por onde, chamam-se propriamente ações humanas só aquelas de que o homem é senhor. Ora, senhor das suas ações o homem o é pela razão e pela vontade, sendo por isso o livre arbítrio chamado à faculdade da vontade e da razão. Portanto, chamam-se ações propriamente humanas as procedentes da vontade deliberada; e se há outras que convêm ao homem, essas podem, por certo, chamar-se ações do homem, mas não propriamente humanas, pois não procedem dele como tal. Ora, é manifesto que todas as ações procedentes de uma potência são por esta causadas, quanto à essência do objeto mesmo delas. E como o objeto da vontade é o fim e o bem, necessário é tendam todas as ações humanas para um fim.
DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Último na execução, o fim é contudo o primeiro na intenção do agente, e por isso tem a natureza de causa.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Qualquer ação humana que seja fim último há de necessariamente ser voluntária; do contrário não seria humana, como já se disse. Ora, em duplo sentido uma ação é chamada voluntária. Por ser imperada pela vontade, como andar ou falar; ou por ser dela decorrente, como o querer, em si mesmo. Ora, é impossível que o ato mesmo decorrente da vontade seja fim último. Pois, o objeto da vontade é fim como o da visão é cor. Por onde, assim como é impossível que o primeiro visível seja a visão mesma, porque toda visão se refere a algum objeto visível; assim também é impossível que o primeiro desejável, que é fim, seja o querer em si mesmo. Donde resulta que se alguma ação humana for fim último, há de ser imperada pela vontade. E então, em tal caso, há de haver alguma ação do homem — ao menos, o próprio querer, que seja para um fim. Logo, faça o homem, seja o que for, é verdade dizer-se que age para um fim, mesmo operando um ato que seja o último fim.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Tais ações não são propriamente humanas, por não procederem da deliberação da razão, princípio próprio dos atos humanos. E por isso têm certamente um fim imaginado, não, porém, estabelecido pela razão.