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Art. 1. — Se nos anjos há vontade.

(II Cont. Gent., cap. XLVII; De Verit., q. 23, a. 1)
 
O primeiro discute-se assim. Parece que nos anjos não há vontade.
 
1. Porque, como diz o Filósofo, a vontade está na razão1. Ora, nos anjos não há razão, mas algo que lhe é superior. Logo, neles não há vontade, mas algo que lhe é superior.
 
2. Demais. — A vontade é uma espécie de apetite, como é claro pelo Filósofo2 Ora, este é de natureza imperfeita, pois se refere ao que ainda não é possuído. Resulta, logo, que nos anjos não há vontade, porque neles não há, sobretudo nos santos, nenhuma imperfeição.
 
3. Demais. — O Filósofo diz que a vontade é um motor movido, pois é movida pelo objeto apetecível inteligido3. Ora, os anjos, sendo incorpóreos são imóveis. Logo neles não há vontade.
 
Mas, em contrário, diz Agostinho que na alma está a imagem da Trindade representada pela memória, a inteligência e a vontade4. Ora, a imagem de Deus se encontra, não só na alma humana, mas também no espírito angélico, pois também este é capaz de Deus. Logo, nos anjos há vontade.
 
SOLUÇÃO. — É forçoso admitir-se a vontade nos anjos. Para a evidência do que se deve considerar na procedência de todos os seres, da vontade divina; todos, a seu modo, mas diversamente, inclinando-se ao bem, pelo apetite. — Assim, certos buscam o bem pela só tendência natural, sem conhecimento, como as plantas e os corpos inanimados. E essa inclinação para o bem se chama apetite natural. — Outros, porém, buscam o bem com algum conhecimento; não, certo, conhecendo a natureza mesma do bem, mas conhecendo algum bem particular, como o sentido, que conhece o doce, o branco e coisas semelhantes. E essa inclinação resultante de tal conhecimento se chama apetite sensitivo. — Outros seres, por fim, buscam o bem conhecendo-lhe a natureza mesma, o que é próprio do intelecto. E esses buscam-no perfeitissimamente não como somente dirigidos ao bem por meio de outrem, como os seres sem conhecimento; nem como se dirigidos fossem ao bem particular somente, como os seres que têm apenas conhecimento sensível; mas como inclinados que são ao mesmo bem universal. E esta inclinação se chama vontade. Donde, conhecendo os anjos, pelo intelecto, a natureza universal do bem, é manifesto que neles há vontade.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um é o modo pelo qual a razão transcende o sentido, e outro o pelo qual o intelecto transcende a razão. A razão transcende o sentido pela diversidade dos objetos conhecidos: este conhece o particular, aquela, o universal. E, por isso, é forçoso seja um o apetite próprio à razão, e tendente ao bem universal; outro, o próprio ao sentido e tendente ao bem particular. O intelecto e a razão, porém diferem quanto ao modo de conhecer, pois aquele conhece por intuição simples, e esta, discorrendo de um objeto para outro. Todavia, a razão, pelo discurso, chega a conhecer o universal, que o intelecto conhece sem discurso. Portanto, o mesmo é o objeto proposto ao apetite pela razão e pelo intelecto. Por onde, nos anjos, puras inteligências, não há apetite superior à vontade.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora o nome da parte apetitiva seja derivado de se apetirem as coisas que se não têm, todavia ela se estende não só a tais coisas, mas ainda a muitas outras; assim como o nome lápida é derivado de lesão do pé, sem que, contudo, tal denominação convenha somente à lápida. Semelhantemente, a potência irascível é assim chamada por causa da ira, embora compreenda várias outras paixões, como a esperança, a audácia e demais.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Diz-se que a vontade é um motor movido porque o querer é um certo movimento e uma certa intelecção; ora, nada impede exista nos anjos um tal movimento, que é ato do ser perfeito, como diz Aristóteles5.

  1. 1. III De anima (lect. XIV).
  2. 2. III De anima (lect. XIV, XV).
  3. 3. III De nama (lect. XV).
  4. 4. X De Trin. (c. XII).
  5. 5. III De anima (lect. XII).
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