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Art. 5 — Se no intelecto do anjo pode haver falsidade.

(III Cont. Gent., cap. CVIII; De Malo, q. 16, a. 6)
 
O quinto discute-se assim. — Parece que no intelecto do anjo pode haver falsidade.
 
1. — Pois, a protérvia implica a falsidade. Ora, nos demônios há a fantasia proterva, como diz Dionísio1.
 
2. Demais. — A ignorância é causa de falsa apreciação. Ora, nos anjos pode haver ignorância, como diz Dionísio2. Logo, resulta que neles pode haver falsidade.
 
3. Demais. — Quem quer que decaia da verdade da sabedoria e tenha razão depravada tem falsidade ou erro no seu intelecto. Ora, Dionísio o afirma dos demônios3. Logo, resulta que no intelecto dos anjos pode haver falsidade.
 
Mas, em contrário, diz o Filósofo que o intelecto é sempre verdadeiro4. E também Agostinho: só o verdadeiro é inteligido5. Ora, os anjos nada conhecem senão inteligindo. Logo, no conhecimento angélico não pode haver engano e falsidade.
 
SOLUÇÃO. — A verdade sobre este assunto depende, de certo modo, do que já antes se disse. Pois, já ficou dito6 que o anjo não intelige compondo e dividindo, mas inteligindo a qüididade. Ora, o intelecto que atinge a qüididade é sempre verdadeiro; assim como o sentido o é, quanto ao seu objeto próprio, como diz Aristóteles7. Em nós, porém, há, por acidente, engano e falsidade no inteligir a qüididade, e isso em razão de alguma composição; quer tomemos a definição de uma coisa pela de outra coisa; quer as partes da definição não sejam entre si coerentes, como se, p. ex., tomássemos por definição, que certo ser é um animal quadrúpede volátil, sem que nenhum animal o seja. E isto se dá com os seres compostos, cuja definição consta de elementos diversos, nos quais um é matéria do outro. Mas na intelecção das qüididades simples não há falsidade, como diz Aristóteles8; porque ou elas, na sua totalidade, não são atingidas e nós nada conhecemos, ou se conhecem como são.
 
Assim, pois, falsidade, erro ou engano por si, não pode haver no intelecto de nenhum anjo; mas o pode por acidente, embora de modo diferente do pelo qual existe em nós. Pois, nós, por vezes, chegamos à intelecção da qüididade compondo e dividindo; assim quando, dividindo, ou demonstrando, investigamos uma definição. Ora, tal não se dá com os anjos que, pela qüididade, conhecem todos os enunciados relativos a uma determinada coisa. É, porém, claro que a qüididade da coisa pode ser um princípio de conhecimento em relação àquilo que naturalmente lhes convém ou dela se remove; não, porém, em relação ao que depende da ordenação sobrenatural de Deus. Portanto, os anjos bons, tendo a vontade reta, não julgam pelo conhecimento da qüididade da coisa, daquilo que a esta pertence sobrenaturalmente, a não ser por ordenação divina. E, por isso, nesses anjos não pode haver falsidade ou erro. Os demônios, porém, com vontade perversa, desviando da divina sabedoria o intelecto, julgam das coisas, por vezes, absolutamente, segundo a condição natural. E não se enganam quanto ao que naturalmente pertence à coisa. Mas podem enganar-se quanto ao sobrenatural; como se, considerando um homem morto, julgassem que não haveria de ressurgir; e se, vendo Cristo homem, não o julgassem Deus.
 
E daqui se deduz clara a RESPOSTA ÀS OBJEÇÕES feitas de um e outro lado. — Pois, a protérvia dos demônios vem de não se submeterem à divina sabedoria. — A ignorância, por outro lado, existe nos anjos não em relação aos cognoscíveis naturais, mas aos sobrenaturais. Também é claro que o seu intelecto da qüididade é sempre verdadeiro, salvo acidentalmente, enquanto, indevidamente, se ordena a alguma composição ou divisão.

  1. 1. De div. nom., cap. IV (lect. XIX).
  2. 2. VI Eccles. Hier.
  3. 3. De div. nom., cap. VII (lect. II).
  4. 4. III De anima (lect. XI, XV).
  5. 5. LXXXIII Quaestion. (quaest. LIV).
  6. 6. Q. 58, a. 4.
  7. 7. III De anima (lect. XI).
  8. 8. IX Metaph. (lect. XI).
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