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Art. 2 — Se o anjo conhece o singular.

(Infra., q. 89, a. 4; II Sent., dist. III, part. II, q. 2, a. 3; II Cont. Gent., cap. C; De Verit., q. 8, a. 11; q. 10, a. 5; Qu. De Anima, a. 20; Quodl. VII, a. 1, a. 3; Opusc. XV, De Angelis, cap. XII, XV.)

 
O segundo discute-se assim. — Parece que o anjo não conhece o singular.
 
1. — Pois, diz o Filósofo que o sentido conhece o singular porém, a razão (ou o intelecto), o universal1. Ora, os anjos têm unicamente o intelecto, como faculdade cognoscitiva, segundo já se viu2. Logo,
 
2. Demais. — Todo conhecimento se realiza por certa assimilação do conhecente com o conhecido. Ora, como o anjo é imaterial, conforme se viu3, e a matéria é o princípio da singularidade, não pode haver nenhuma assimilação do anjo com o singular como tal, logo, aquele não pode conhecer este.
 
3. Demais. — Só por espécies singulares ou por espécies universais é que o anjo poderia conhecer o singular. Ora, não pelas primeiras, porque, então, ele deveria ter infinitas espécies. Nem pelas ultimas, pois, o universal não é princípio suficiente do conhecimento do singular como tal, porque todo universal se conhece o singular só em potência. Logo, o anjo não conhece o singular.
 
Mas, em contrario. Ninguém pode guardar o que não conhece. Ora, os anjos guardam os homens, conforme a Escritura (Sl 90, 11): Mandou aos seus anjos acerca de ti, que te guardem em todos os teus caminhos. Logo, o anjo não conhece o singular.
 
SOLUÇÃO. — Alguns negaram totalmente aos anjos o conhecimento do singular. — Mas isto, em primeiro lugar, derroga a fé católica dizendo que as coisas inferiores deste mundo são administradas pelos anjos, como diz a Escritura (Heb 1, 14): Todos os espíritos são administradores. Ora, se não conhecessem o singular nenhuma providência poderiam tomar em respeito do que se faz neste mundo, porque os atos têm por objeto o singular. O que vai contra a Escritura (Ecle 5, 5): Não digas diante do anjo: Não há Providência. E, segundo lugar, derroga o ensinamento da filosofia dizendo que os anjos são os motores dos orbes celestes, pela inteligência e pela vontade.
 
E, por isso, outros ensinaram que o anjo tem, certamente, conhecimento do singular, mas por causas universais, às quais se reduzem todos os efeitos particulares; como se um astrólogo julgasse certo eclipse futuro pelas disposições dos movimentos celestes. — Mas esta opinião não escapa às dificuldades apontadas, porque conhecer de tal modo o singular não é conhecê-lo como tal, isto é, como existente num lugar e momento dados. Assim, o astrólogo, conhecendo o eclipse futuro pelo cômputo dos movimentos celestes, conhece-o universalmente e não como realizado num lugar e momento dados, salvo se o conhecer pelos sentidos. Ora, a administração, a providência e o movimento visam o singular, enquanto relativos de um determinado lugar e tempo.
 
Portanto deve-se responder diferentemente, que, assim como o homem conhece, por diversas potências cognoscitivas, os gêneros de todas as coisas — pelo intelecto o universal e o imaterial; pelo sentido, o singular e o corpóreo; assim o anjo, por uma só potência intelectiva tem ambos esses conhecimentos. Pois a ordem das coisa postula que, quanto mais for um ser superior, tanto mais íntima tenha a sua potência, que mais coisas abranja. Assim, como no homem mesmo se vê, o sentido comum, superior ao próprio, embora seja uma potência única, conhece tudo o que conhecem os cinco sentidos exteriores, e certas outras coisas, como a diferença entre o branco e o doce, que nenhum dos sentidos exteriores conhece; e o mesmo se dá em outros casos. Donde, sendo o anjo pela ordem natural superior ao homem, inconveniente é dizer-se que o homem, por qualquer das suas potências, conheça alguma coisa, que o anjo, pela sua única potência cognoscitiva, o intelecto, não conheça. Por isso, Aristóteles não admite que uma disputa conhecida de nós Deus a ignore4.
 
Quanto ao modo, porém, pelo qual o intelecto angélico conhece o singular, podemos explica-lo assim. De Deus efluem as criaturas para subsistirem em as suas naturezas próprias, de modo a também serem objeto do conhecimento angélico. Ora, é manifesto que, de Deus, eflui para as coisas não só o pertencente à natureza universal, mas também o que constitui o princípio de individuação; pois, Deus é a causa da substância total da coisa, material e formalmente. E, como causa, do mesmo modo conhece, porque a ciência divina é causa das coisas, como já se demonstrou5. Portanto, assim como Deis, pela sua essência. Pela qual causa todas as coisas não só é de todas a semelhança; mas também conhece a todas, tanto pelas naturezas universais como pela singularidade delas; assim também os anjos, pelas espécies neles infundidas por Deus, conhecem a coisas, não só quanto à natureza universal, mas também quanto à singularidade delas, por serem elas certas representações multiplicadas da única e simples essência.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Filósofo se refere à nossa inteligência, que só por abstração intelige as coisas; e, por essa mesma abstração das condições materiais, o abstraído torna-se universal. Ora, tal modo de inteligir não convém aos anjos, como já se disse6; e, logo, a razão não é a mesma.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os anjos, por natureza, não se assimilam às coisas materiais, como uma coisa assimila a outra por conveniência genérica, especifica ou acidental; mas como o superior se assimila ao inferior; assim, o sol com o fogo. E, por este mesmo modo, Em Deus há a semelhança formal e material de todas as coisas, por preexistir, nele, como na causa, tudo o que se encontra nas coisas. Assim, pela mesma razão, as espécies da inteligência angélica, que são certas semelhanças das coisas, não só formal, mas também materialmente.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os anjos conhecem o singular por formas universais, que, todavia, são semelhanças das coisas, tanto quanto aos princípios universais como aos princípios de individuação. E, como podem conhecer muitas coisas, pela mesma espécie, já antes ficou dito7.

 

  1. 1. I Physic. (lect. X).
  2. 2. Q. 54, a. 5.
  3. 3. Q. 50, a. 2.
  4. 4. I de anima (lect. XII); III Metaph. (lect. XI).
  5. 5. Q. 14, a. 8.
  6. 6. Q. 55, a. 2.
  7. 7. Q. 55, a. 3, ad 3.
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