(II Sent., dist. I, q. 1, a. 2).
O primeiro discute-se assim. – Parece que criar não é fazer alguma coisa do nada.
1. – Pois, diz Agostinho: fazer é produzir o que antes de nenhum modo existia; ao passo que criar é constituir alguma coisa, tirando-a do que já existia.
2. Demais. – A nobreza da ação e do movimento depende do seu termo. Por onde, mais nobre é a ação que parte de um bem para outro e de um para outro ser, do que a transitiva do nada para alguma coisa. Ora, a criação é a nobilíssima das ações e a primeira de entre todas. Logo, não é a passagem do nada para o ser, mas antes, de um ser para outro.
3. Demais. – Esta preposição – de (ex) – implica relação de alguma causa, e sobretudo da causa material, como quando falamos de uma estátua feita de bronze. Ora, não pode o nada ser matéria do ser, nem de nenhum modo causa dele. Logo, criar não é fazer alguma coisa, do nada.
Mas em contrário, àquilo da Escritura (Gn 1) – no princípio criou Deus o céu, etc. – diz a Glossa; criar é fazer alguma coisa, do nada.
Solução. – Como já dissemos, não devemos considerar somente a emanação de qualquer ser particular, de um agente particular, mas também o da totalidade dos seres, da causa universal, que é Deus; e é a esta emanação que designamos com o nome de criação. Pois, o procedente a modo de emanação particular não lhe é pressuposto a esta; assim, à geração do homem não é pressuposta a existência do homem, mas o homem é feito do não-homem, e o branco, do não-branco. Por onde, considerando-se a emanação universal de todos os seres, do primeiro princípio, é impossível seja pressuposto qualquer ser a essa emanação. Pois, o nada é o mesmo que nenhum ente. Por onde, assim como o homem é gerado do não-ser, que é não-homem, assim também a criação, que é a emanação do ser total, procede do não-ser que é o nada.
Donde a resposta à primeira objeção. – Agostinho emprega, em sentido equívoco, o nome de criação, no sentido em que dizemos serem criadas as coisas que se mudam para melhor, como quando dizemos ter sido alguém criado bispo. Ora, não é neste sentido que agora tratamos da criação, como dissemos.
Resposta à segunda. – As mudanças recebem a sua espécie e dignidade, não do termo de origem (a quo), mas do termo final (ad quem). Por onde, tanto mais perfeição e prioridade tem uma mudança, quanto mais o seu termo final tem nobreza e prioridade, embora seja mais imperfeito o termo de origem, oposto ao termo final. Pois, embora a geração, absolutamente, tenha maior nobreza e prioridade que a alteração por ser a forma substancial mais nobre que a acidental, contudo a privação da forma substancial, termo originário da geração, é maior imperfeição que o contrário, termo originário da alteração. Semelhantemente, a criação tem maior perfeição e prioridade que a geração e a alteração, porque o termo final é a substância total da coisa; ao passo que o considerado termo originário é, absolutamente, não-ser.
Resposta à terceira. – Quando se diz que alguma coisa é feita do nada, a preposição de (ex) não designa a causa material, mas somente a ordem; como quando dizemos que da manhã se faz o meio dia, i. é., o meio dia vem após a manhã. Devemos, porém, entender que a preposição de (ex) pode incluir a negação implicada na expressão nada, ou ser incluída por ela. Se for o primeiro o sentido, então há ai a afirmação da ordem e indica a ordem daquilo que é, relativamente, ao não ser precedente. Se porém a negação incluir a preposição, então a ordem é negada, e o sentido da expressão – feito do nada, é: não é feito de alguma coisa, como se disséssemos: este fala do nada, porque não fala de ninguém. E ambos esses modos de nos exprimirmos se verificam, quando dizemos que alguma coisa é feita do nada. Mas, no primeiro sentido, a preposição de (ex) implica a ordem, como se disse. O segundo sentido importa a relação de causa material, que é negada.