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Art. 3 – Se, abstraídas das Pessoas, pelo intelecto, as propriedades ou as relações ainda permanecem as hipóstases.

(I Sent., dist. XXVI, q. 1, a. 2; De Pot., q. 8, a. 4; Compend. Theol., cap. IX).
 
O terceiro discute-se assim. – Parece que, abstraídas das pessoas, pelo intelecto, as pro­priedades ou as relações, ainda permanecem as hipóstases.
 
1. – Pois, aquilo ao que alguma coisa se refere, por adição, pode ser concebido, mesmo depois de separada essa coisa. Assim, animal pode ser concebido, mesmo separado de racio­nal. Ora, a pessoa se refere à hipóstase por adição; pois, a pessoa é a hipóstase, com pro­priedade distinta, que respeita à dignidade. Logo, removida, da pessoa, a propriedade pessoal, ainda é concebível a hipóstase.
 
2. Demais. – Não é pela mesma razão, que o Pai é Pai e é alguém. Pois, sendo Pai pela paternidade, se por esta também fosse alguém, seguir-se-ia, que o Filho, em quem não há pa­ternidade, não seria ninguém. Removida pois pelo intelecto a paternidade, do Pai, ainda lhe resta o ser alguém, que é o ser hipóstase. Logo, removida a propriedade, da pessoa, permanece a hipóstase.
 
3. Demais. – Agostinho ensina: Dizer ingênito não é o mesmo que dizer Pai; pois, mesmo que não tivesse gerado o Filho, nada impediria chamar-lhe ingênito1. Ora, se não tivesse gerado o Filho não teria a paternidade, Logo, removida esta, ainda permanece a hipóstase do Pai, como ingênita.
 
Mas, em contrário, diz Hilário: Nada tem o Filho, que não seja nascido2. Pois, pela nativi­dade é que é Filho. Logo, removida a filiação, não permanece a hipóstase do Filho. E o mes­mo se dá com as outras Pessoas.
 
Solução. – Dupla é a abstração feita pelo intelecto. Uma pela qual o universal é abstraído do particular; assim, animal, de homem. Outra, pela qual a forma é abstraída da matéria; assim a forma do círculo é abstraída, pelo intelecto, de toda matéria sensível.
 
Ora, entre estas abstrações há a seguinte diferença. Na que se funda no universal e no particular, não permanece aquilo do que se fez a abstração; assim, removida do homem a diferença de racional, já não permanece, no inte­lecto, a idéia de homem, mas somente, a de animal. Porém, na abstração, que separa a forma da matéria, ambas permanecem no inte­lecto; assim, abstraindo do ar a forma do cir­culo, permanece separadamente em nosso inte­lecto tanto o conceito de círculo como o de ar. Ora, em Deus não há realmente universal nem particular, nem forma nem matéria; contudo, segundo o nosso modo de falar, existe em Deus alguma semelhança de tais coisas; e nesse sen­tido Damasceno diz, que a substância é comum, porém a hipóstase é particular3.
 
Se, pois, nos, referimos à abstração fun­dada no universal e no particular, então, remo­vidas as propriedades, permanece no intelecto a essência comum;não, porém, a hipóstase do Pai, que é por assim dizer particular. Se, po­rém, nos referimos à abstração pela qual a forma se separa da matéria, então, removidas as propriedades não pessoais, permanece o conceito das hipóstases e das pessoas, assim como, remo­vido do Pai, pelo nosso intelecto, o ser ingênito ou espirante, permanece a hipóstase ou a pessoa do Pai.
 
Mas, removida pelo intelecto a propriedade pessoal, elimina-se o conceito de hipóstase. Pois, as propriedades pessoais não se entendem acres­centadas às hipóstases divinas, como a forma, ao sujeito preexistente, mas essas propriedades implicam em si os supostos, sendo elas próprias pessoas subsistentes; assim, a paternidade é o próprio Pai. Pois, a hipóstase, sendo substância individual, significa algo de distinto, em Deus. Ora, sendo a relação a que distingue e constitui as hipóstases, como vimos (a. 2), resulta que, removi­das pelo intelecto as relações pessoais, não per­manecem as hipóstases.
 
Mas, como dissemos (Ibid), alguns ensinam que as hipóstases, em Deus, não se distinguem pelas relações, mas somente pela origem; de modo que se entenda ser o Pai uma hipóstase, por não provir de outro; o Filho, porém, por provir de outro, por geração. Mas as relações acres­centadas, sendo como propriedades, que respei­tam a dignidade constituem a essência da pessoa e por isso se chamam pessoais. Donde, remo­vidas pelo intelecto tais relações, permanecem certamente as hipóstases; não porém as pessoas.
 
Mas isto não pode ser, por duas razões. Pri­meiro, porque as relações distinguem e consti­tuem as hipóstases, como já demonstramos (Ibid). Segundo, porque toda hipóstase de natureza ra­cional é pessoa, como é claro pela definição de Boécio: Pessoa é uma substância individual de natureza racional4. Por onde, para haver hipós­tase, e não pessoa, seria necessário abstrairmos a racionalidade, da natureza, não, porém, a pro­priedade, da pessoa.
 
Donde a resposta à primeira objeção. – A pessoa não acrescenta, além da hipóstase, nenhuma propriedade distintiva em sentido absoluto; mas, uma propriedade distintiva con­cernente à dignidade; pois, tudo isso devemos admitir em lugar de uma diferença. À dignidade, porém, pertence a propriedade distintiva, enquanto concebida como subsistente em a na­tureza racional. Por isso, removida da pessoa, a propriedade distintiva, não permanece a hi­póstase, que permaneceria se fosse eliminada da natureza a racionalidade. Pois, tanto é substân­cia individual a pessoa como a hipóstase; donde, em Deus, da essência de ambos é a relação distintiva.
 
Resposta à segunda. – Pela paternidade, não somente o Pai é Pai, mas é também pessoa e é alguém, ou hipóstase. Sem, contudo, seguir-se que o Filho não seja ninguém ou hipóstase, como se não segue que não seja pessoa.
 

Resposta à terceira. – A intenção de Agos­tinho não foi dizer, que a hipóstase do Pai per­maneça como ingênita, removida a paternidade; como se a inascibilidade constituísse e distin­guisse essa hipóstase do Pai. Pois tal não pode ser, porque ser ingênito, não implicando nenhum acréscimo, é expressão empregada negativamen­te, como diz o próprio Agostinho5. Mas fala em geral; pois, nem todo ingênito é o Pai. Remo­vida, pois, a paternidade, não permanece em Deus, a hipóstase do Pai, como o que odistingue das outras Pessoas, mas como o que o distingue das criaturas, segundo entendem os Judeus.

  1. 1. V de Trin., c. 6.
  2. 2. IV de Trin., num. 10.
  3. 3. De Fide Orth., l. III, c. 6.
  4. 4. De duab. Nat., c. 3.
  5. 5. Loco cit.
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