(I Sent., dist. XVIII, a. 1).
O primeiro discute-se assim. – Parece que o dom não é um nome pessoal.
1. – Pois, todo nome pessoal importa alguma distinção em Deus. Ora, o nome de dom não importa nenhuma distinção em Deus; assim, como diz Agostinho, o Espírito Santo é dado, como dom de Deus, de modo que se dá a si mesmo como Deus. Logo, dom não é nome pessoal.
2. Demais. – Nenhum nome pessoal convém à essência divina. Ora, esta é um dom, que o Pai faz ao Filho, como diz Hilário. Logo, dom não é nome pessoal.
3. Demais. – Nenhuma das divinas Pessoas, segundo Damasceno, é sujeita ou dependente. Ora, o dom importa uma certa sujeição a quem e àquele por quem é dado. Logo, não é nome pessoal.
4. Demais. – O dom, importando relação com a criatura, há-se de atribuir a Deus temporalmente. Ora, os nomes pessoais se atribuem de Deus abeterno, como Pai e Filho. Logo, dom não é nome pessoal.
Mas, em contrário, Agostinho: Assim como o corpo carnal não passa de carne, assim o dom do Espírito Santo é o Espírito Santo mesmo. Logo, o Espírito Santo, sendo nome pessoal, é também dom.
Solução. – O nome de dom importa aptidão para ser dado. Ora, o que é dado tem relação com quem dá e com aquele a quem é dado; pois não o daria quem não o possuísse e a alguém é dado para que possua. Ora, dizemos que uma Pessoa divina é de alguém, ou pela origem, e assim o Filho é do Pai; ou porque é possuída de alguém. E como possuímos o que podemos usar e gozar como queremos, deste modo a divina Pessoa não pode ser possuída senão pela criatura racional unida a Deus. Certamente as outras criaturas podem ser movidas por uma Pessoa divina; não está porém no poder delas gozar dessa Pessoa e usar-lhe do efeito. O que às vezes alcança a criatura racional; p. ex., tornando-se participante do Verbo divino e do Amor procedente, de modo a poder verdadeira e livremente conhecer a Deus e amá-lo retamente. Por onde, só a criatura racional pode possuir uma Pessoa divina. Mas não o pode por virtude própria: é necessário que do alto lho seja dado. Ora, dizemos que uma coisa nos é dada quando a temos de outrem. E assim, à divina Pessoa convém o ser dada e ser Dom.
Donde a resposta à primeira objeção. – O nome de dom importa distinção pessoal no sentido em que se diz ser originariamente de alguém. E, contudo, o Espírito Santo se dá a si mesmo, como a si mesmo se pertencendo e de si mesmo podendo usar, ou antes, gozar, assim como chamamos livre ao homem que a si mesmo se pertence. E é o que diz Agostinho: Que mais é teu que tu? – Ou se deverá melhor dizer, que o dom deve ser, de certo modo, de quem o dá. Ora, em muitos sentidos dizemos que uma coisa é de alguém. Num sentido, a modo de identidade, como o faz Agostinho; e, então, dom, não se distinguindo do doador, mas de quem o recebe, dizemos, que o Espírito Santo se dá. Outras vezes, dizemos que uma coisa é de alguém como uma possessão ou uma servidão; e, então, o dom necessária e essencialmente distinguindo-se de quem o dá, o dom de Deus é algo de criado. Em terceiro sentido se diz que uma coisa é de alguém somente pela origem; e assim o Filho é do Pai e o Espírito Santo, de ambos. Ora, neste sentido dizemos, que o dom é doador, do qual então se distingue pessoalmente e é nome pessoal.
Resposta à segunda. – No primeiro sentido é que se diz, que a essência é dom do Pai, pois é a essência, por identidade.
Resposta à terceira. – Como nome pessoal, o dom não importa sujeição ao doador, mas somente origem dele. Importa, porém, livre uso ou fruição por parte do doado, como se disse.
Resposta à quarta. – Dom não se chama ao que é atualmente dado, mas ao que é de natureza a ser dado; e por isso a Pessoa divina abeterno se chama Dom, embora temporalmente dada. E nem por importar relações com a criatura é necessário que seja essencial; mas é necessário inclua no seu conceito algo de essencial, como a essência se inclui no conceito de Pessoa, segundo dissemos.