Rio, 25 de março de 1965.
Prezado Amigo Corção
Você escreveu em O Desconcêrto do Mundo um dos livros mais belos e mais fortes de nossas letras. Ele precisa ser traduzido para todas as línguas, a fim de mostrar lá fora que nós também somos dignos do Prêmio Nobel.
Um dia destes o procurarei para levar-lhe um livro. Então conversaremos: quero explicações suas sobre... o Juízo Final, nada menos! Quero saber se, quando morrer, vou logo para o Inferno, ou tenho que esperar, com toda a inumerável população já "morrida", o fim dos tempos.
Por agora devo dizer-lhe que você tem a prioridade absoluta na afirmação de que Rembrandt é o Bach da pintura. Pois o que eu disse numa crônica que está na edição Aguilar de minhas Obras Completas foi isto: "Agora sei o que é Rembrandt. Sei que além de sua pintura há em suas abras uma qualidade que eu descobria pela primeira vez - a sua incomparável musicalidade. Sempre fui mais sensível à música do que à pintura. Sempre preferi ser autor - se Deus me desse a escolher - da obra de um gênio da música do que da obra de um gênio da pintura. Hoje, porém, posso dizer que não trocaria a obra de Rembrandt pela de nenhum gênio da música, salvo, bem entendido Bach."
Terei dito algum dia a frase a algum amigo? Não me lembro.
Aceite os agradecimentos e um abraço de admiração e afeto do velho bardo
BANDEIRA