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A cruzada albigense (parte II)

Esse texto foi extraído da obra apologética de Jean Guiraud, Histoire partiale, histoire vraie (Beauchesne Editions, 1912). Jean Guiraud desmantela, parte por parte, os falsos argumentos do anticlericalismo. O primeiro artigo resumiu os argumentos dos anticlericais e mostrou suas contradições. O segundo examina a doutrina dos albigenses.

 

Hostilidade com o Cristianismo

De suas doutrinas metafísicas e teológicas, [extraímos que] os albigenses praticavam uma moralidade em oposição formal à moralidade cristã, e Aulard e Debidour estão grosseiramente errados quando nos apresentam suas pretensões como sendo um desejo de “trazer de volta a moralidade cristã à pureza perfeita”; na realidade, suas ideias morais eram o oposto do ideal cristão, e nenhuma reconciliação era possível entre ambas.

Quaisquer que tenham sido as diferentes maneiras através das quais os cristãos tentaram colocar seus princípios em prática, porém, a teoria que a Igreja nos apresenta da vida, de seu valor e do objetivo em direção à qual ela deve se organizar podem ser resumidas em um pequeno conjunto de proposições.

Para a Igreja, a vida neste mundo não é nada além de um teste. Inclinado ao mal pelos maus instintos de sua natureza decaída, pelas seduções e fraquezas da carne e pelas tentações do demônio, o homem é chamado ao bem pela Lei Divina, pelas boas tendências que a queda original não conseguiu fazer desaparecerem completamente nele e, especialmente, pela assistência divina que pode ter ao pedi-la e que aumenta exponencialmente a força da vontade humana, sem destruir sua liberdade ou responsabilidade, e que chamamos de graça.

A perfeição consiste em superar os maus instintos da carne, para que o corpo permaneça o que deve ser, o servo da alma; em subordinar todos os movimentos da alma à caridade, isto é, ao amor de Deus, de tal modo que Deus seja tanto o começo, quanto o fim do homem, de suas energias, de suas ações.

Para isso, devemos aceitar as provações da vida com resignação, atravessando-as com coragem e fazendo de todas as circunstâncias na quais nos encontramos oportunidades de santificação e salvação. Quem, portanto, não vê que para o cristão a vida tem um valor infinito, pois ela lhe dá os meios de adquirir a santidade e a bem-aventurança eterna que é consequência dela? Quem não enxerga que, para o cristão, as ações mais vulgares adquirem uma nobreza sobrenatural quando, feitas por Deus, elas se tornam um reflexo da eternidade, “sub specie aeternitatis”?

 

Suas doutrinas teológicas e metafísicas

A ideia de vida que o albigense extraía de sua concepção de Deus e do universo era bastante diferente. Procedendo da crença no bem e no mal através de uma dupla criação, o homem era uma contradição viva: o corpo e a alma que o compunham jamais poderiam ser reconciliados.

Alegar a pretensão de harmonizar ambos era tão absurda quanto querer unir dois opostos: dia e noite, bem e mal, Deus e Satã. No corpo, a alma não era nada além de um prisioneiro, e seu tormento era tão grande quanto o das tristes pessoas que estivessem unidas aos corpos. Só poderia achar paz aquele que recuperasse sua vida espiritual, e só seria capaz de fazê-lo através da separação do corpo.

O divórcio desses dois elementos irreconciliáveis, isto é, a morte – a morte não apenas como algo que se tolera, mas adorada como uma bênção – era o primeiro passo em direção à felicidade. Tudo que a precedia era miséria e tirania. Esse mundo não era nada além de uma prisão, e as ações humanas eram deploráveis porque, praticadas por um corpo corrupto, carregavam consigo o estigma dessa corrupção.

 

Sua moral: Negação do casamento

A teoria albigense do casamento era a consequência lógica de sua ideia profundamente pessimista da vida. Se a vida, como ensinavam, era o maior mal, não bastava querer destruí-la em si mesmo através do suicídio ou do nirvana; também era necessário tomar precauções para não a comunicar a novos seres, que se tornavam partícipes na desgraça comum da humanidade, ao trazê-los à existência.

Além disso, quando os cátaros conferiam a iniciação do Consolamentum, eles faziam o neófito submeter-se a um voto de castidade perpétua. Os ministros albigenses repetiam, continuamente, que um homem pecava com sua mulher como pecaria com qualquer outra, o contrato e o sacramento do matrimônio sendo para eles apenas uma legalização e regularização da devassidão.

Na feroz intransigência de sua castidade, os puros do Século XIII encontraram a fórmula hoje adotada pelos apoiadores da livre união e do direito a todo prazer sexual: “Matrimonium est meretricium” – “o casamento é o concubinato legalizado”.

(Continua)

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