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Conferência sobre a Ressurreição de Cristo

D. José Pereira Alves

Conferência realizada no Círculo Católico do Rio de Janeiro

 

Eminência

Exmo. e Revmos. Senhores

Minhas Senhoras,

Senhores.

 

O Exm°. Sr. Dr. Moreira da Fonseca acaba de ler a esta douta assembleia o seu magnífico trabalho em que nos deu a certeza da morte real de Jesus Cristo.

Cabe-me a honra de oferecer ao vosso elevado espírito, a consideração das provas da Ressurreição do Divino Salvador.

 

O SEPULCRO VAZIO

O túmulo, em que jazia o corpo de Jesus Cristo exânime, fora encontrado vazio. Eis um fato verificado pelos apóstolos, por Santa Maria Madalena, pelas santas mulheres e pelos discípulos. “Alguns dos nossos foram ao sepulcro, escreve S. Lucas, e acharam todas as coisas como as mulheres o tinham dito”

Esta mesma verificação foi feita pelos inimigos de Cristo. Não pode haver dúvida. Os guardas do túmulo não podiam deixar de comunicar os acontecimentos da noite aos seus chefes.

Os príncipes dos sacerdotes e anciãos que tinham espalhado pelo povo a notícia do furto do corpo, foram com toda a certeza e, com eles os habitantes de Jerusalém, examinar o sepulcro de onde desaparecera o corpo do Crucificado.

São milhares de testemunhas — as próprias testemunhas da morte — que podem ver e percorrer o túmulo do Cristo vazio.

O corpo de Jesus não está mais ali.

Que era feito, pois, do corpo de Jesus Cristo?

 

APARIÇÕES

Santa Maria Madalena volta ao Jardim de novo deserto, com o espírito agitado por mil pensamentos. O Divino Mestre morrera.

Havia só no meio de sua confusão mental um ponto evidente e desesperador. O túmulo estava vazio. Mais uma vez ela percorre com o olhar indagador o interior do sepulcro e certifica-se da sua desgraça. Não estava mais ali. Ela viu então dois anjos, dois enviados de Deus, vestidos de um manto branco, assentados um à cabeceira, outro no pé do túmulo no qual o Senhor repousara.

“Mulher, disseram os anjos, porque tu choras? ” — “Porque, respondeu ela, levaram o meu Senhor e eu não sei onde o puseram”

Subitamente, a um sinal ou ruído, Santa Maria Madalena se voltou e viu um homem de pé que lhe perguntou também: “Mulher, porque tu choras? A quem procuras? ” E ela pensando que falava ao jardineiro respondeu: “Se foste tu que o tiraste, dize-me onde o puseste e eu o levarei comigo”

“Maria”, disse o homem. Aquela voz tinha o timbre divino do Mestre e Santa Maria Madalena, sacudida nas profundezas da alma por aquele mistério de doçura e amor, reconheceu Jesus e gritou, lançando-se aos seus pés: “Rabboni! Ó meu Senhor! ”

Foi a primeira visão de Cristo.

Ela disse aos apóstolos: “Vi o Senhor”

É assim que Santa Maria Madalena, depois de receber a mensagem divina se tornou apóstola da Ressurreição.

 

EMAÚS

Há na minha catedral um pequeno e velho quadro onde certamente pousou a mão de um grande artista. A noite desce. Os dois discípulos de Emaús, atraídos pelo encanto misterioso do desconhecido que lhes revelava durante o caminho os segredos das Escrituras sobre o Cristo, insistem com o viandante para descansar e parecem dizer: “Já anoitece, fica conosco”

O peregrino daquela tarde primaveril florida e bafejada pela brisa perfumada da Palestina, tem o ar complacente de uma terna condescendência. Há por toda a cena, inspirada no Evangelho, uma cor natural, uma harmonia, todo um perfume cristão de sentimento, amor e de paz silenciosa que a alma se sente enlevada pelo êxtase da fé e pela sublime poesia do Evangelho.

É verdadeiramente cheio de emoções o episódio de Emaús. Durante toda a viagem, os dois discípulos são subjugados pelas palavras ardentes do inesperado interlocutor, mas não o conhecem. Sentam-se à mesa para a refeição frugal da noite. “No fim da ceia, escreve conhecido autor, Jesus ressuscitado, livre das tristezas da Quinta-feira Santa, longe da presença importuna de Judas, numa intimidade mais estreita, no meio do silêncio mais profundo e mais puro dos campos renovou o mistério da Ceia. “Tomou o pão, benzeu-o, rompeu-o e ofereceu-o aos discípulos”. Seus olhos se abriram. Mas Jesus desapareceu. Ainda não era hora do Céu, comenta um ilustre escritor. Quando eles, em transportes de alegria, voltaram para anunciar aos apóstolos a maravilha de que foram testemunhas oculares, souberam, antes de abrirem a boca, que o Salvador aparecera a Pedro.

 

APARIÇÃO AOS APÓSTOLOS

Os apóstolos, ouvindo a narrativa emocionante de Emaús, discutiram com calor os últimos estranhos acontecimentos. As portas da casa estavam cuidadosamente fechadas por medo dos judeus.

Naquelas horas de ânsia e de inquietações, Jesus aparece de pé no meio deles, dizendo: “A paz seja convosco, sou eu, não tenhais medo! ”

Foi um momento de espanto para todos. Que seria? Perguntavam interiormente a si mesmos. Um fantasma? Um espírito? Teriam sido vítimas de uma alucinação? Estavam vendo e, de medo, não ousavam proferir uma palavra. Então o Senhor lhes falou: “Por que vos perturbais. Por que todos esses pensamentos que se elevam em vossos corações”

“Vede minhas mãos e meus pés, sou eu mesmo: apalpai, examinai, os espíritos não têm carne, nem ossos. Vós vedes que eu tenho”.

E mostrou-lhes as mãos e os pés. Era bem uma evidência sensível para as testemunhas atônitas daquele espetáculo. E para dar-lhes uma prova fulminante da realidade pediu de comer e comeu com eles. Era demais. Os corações dos apóstolos saltavam de transbordamento, de imensa e inefável alegria. Foi, na frase de notável pensador, o primeiro Aleluia da Igreja. Nele se condensava todo o gáudio católico da universal festa da Páscoa que ainda hoje agita as almas e os sinos dos nossos campanários.

E Jesus, que atravessou a vida e a morte dando-se à humanidade, pensando nas circunstâncias vindouras, convivas da régia mesa pascoal, comunica ao sacerdócio, representado na culminância pontifical dos apóstolos, o privilégio divino, o poder, reservado ao Altíssimo, a faculdade suprema de perdoar: “A paz seja convosco! Como meu Pai me enviou, eu vos envio”. E, soprando sobre eles, acrescentou:

— “Recebei o Espírito Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, serão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, serão retidos”

Só Deus poderia restituir à matéria a glória e a liberdade da vida. Só um Deus pode atribuir a si e delegar a outros o poder sublime de restituir ao pecador a glória e liberdade do espírito, a ascensão sobrenatural para o Infinito.

As belas e empolgantes cenas da Ressurreição não deviam terminar em Jerusalém com a aparição de Cristo a São Tomé. As aparições hierosolimitanas destinadas à demonstração absoluta da ressurreição deviam suceder no plano divino as aparições da Galileia, destinadas à configuração definitiva da Igreja e ao supremo legado das palavras e da benção do Salvador.

A poesia, o esplendor e a paz do país da Galileia onde se refugiava a caravana apostólica, banhada de alegrias e de esperanças ofereciam uma moldura rica, florida, luminosa a esse último quadro da vida messiânica de Jesus.

As margens do Lago de Genesaré, de águas tão puras, Simão Pedro, o velho pescador, com saudades do mar, disse: “Eu vou pescar”. Os outros disseram: “Vamos contigo” e a barca de Pedro, a barca simbólica, vogou sobre a água durante a noite profunda.

Nada fizeram. As primeiras horas da manhã, um desconhecido lhes grita da praia: “Meus rapazes, tendes alguma coisa? ” “Não”, respondem. E o desconhecido ajuntou: “Lançai a vossa rede à direita da barca e achareis”

Uma nova pesca milagrosa. As redes estavam pesadas. “É seguramente o Senhor”, disse João a Pedro.

Era realmente Jesus. Eles não se atreviam, entretanto, a pergunta-lo, sabendo que era o Senhor. Só depois que Jesus lhes distribuiu o pão e o peixe, puderam aproximar-se e gozar da divina intimidade do Ressuscitado.

Os primeiros raios começaram a dourar as montanhas e iluminar aquele paraíso de recanto galileu enquanto Jesus, na plenitude da vida imortal e cheio de celestial doçura tomava parte no repasto frugal dos apóstolos, à beira do lago tranquilo e azul.

Como tudo isto é admirável de simplicidade! Nenhum artifício nessas narrativas evangélicas.

A beleza se irradia límpida e tocada da graça divina dessas páginas de verdade, de vida, de amor e de paz — promessas do Natal hoje transfiguradas numa realidade histórica, testemunhada e sentida por milhões de almas erguidas para o céu pela virtude divina do Redentor que, ressurgindo dentre os mortos e abandonando a solidão do seu túmulo, freme, palpita, esplende na vida para não morrer mais.

Nas diferentes aparições da Galileia o Salvador a quem foi dado todo o poder no céu e na terra, não só cria o poder supremo da Igreja instituindo, solene, o papado, mas faz profecias de glória; projeta as grandes linhas da sua obra divina através dos séculos e anuncia o Espírito, o Paráclito que lhes há de ensinar toda a verdade.

É impossível nos limites deste modestíssimo trabalho a particularização desse grandioso período da Ressurreição.

Finalmente sobre um pequeno monte vizinho do Lago de Genesaré Nosso Senhor aparece a mais de quinhentos galileus.

São testemunhas das quais muitas viviam no tempo de São Paulo, segundo a sua própria afirmação. O Salvador faz um discurso público aos onze apóstolos: “Todo o poder me foi dado no céu e na terra. Ide, ensinai a todos os povos, pregai a toda criatura. Batizai os homens em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinando-lhes a observar tudo o que eu mandei. Aquele que crer, e for batizado será salvo. Aquele que não crer será condenado. Eu estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”

Jesus Ressuscitado dirige a sua fala de Soberano à Igreja Docente e à Igreja Discente, aos apóstolos e aos quinhentos discípulos em assembleia solene sobre o cimo sagrado, — cátedra do Mestre e do Fundador — criando e determinando a vida e as funções constitucionais da sua Igreja visível.

A última aparição do Divino Ressuscitado que durante quarenta dias, em horas diferentes, em lugares diversos e descobertos, a intervalos bem notados se mostra vivo e pessoal a testemunhas de categoria, condição, idade, sexo, espírito, caráter e interesses vários numa atmosfera de dúvida, hesitações e patente incredulidade, a última aparição se realiza no Monte das Oliveiras — de tanta recordação pungente.

É daí que o Cristo quis traçar a via triunfal, da sua glória, a Ascensão para o eterno Pai.

Depois de pronunciar o seu adeus supremo, últimas palavras de sua missão terrena, o seu programa de verdade e de amor. Nosso Senhor estende sobre todos, as suas mãos abertas em chagas de luz — em última benção — e começa lentamente a subir para o céu.

Eles olhavam no espaço ainda a nuvem em que se recolhera o Redentor triunfante quando dois anjos os arrancaram do êxtase, dizendo: “Galileus, que fazeis aí de pé olhando para o céu? Esse Jesus que acaba de deixar-vos para subir ao céu, voltará de lá como o viste subir”

Minhas senhoras, meus senhores. Que pensar de tudo isto?

O túmulo de Jesus estava vazio na manhã de domingo. Milhares de amigos, inimigos, indiferentes, o testemunharam.

Que corpo era esse, pois, que apareceu em tantos lugares e circunstância a tão diferentes pessoas durante quarenta dias? Que corpo era esse, que não só se deixava ver e tocar, mas que agia, falava e afirmava uma personalidade com uma consciência perfeita e clara do seu ser, da sua ação e das suas funções próprias e um sentimento vivo e determinado do seu Eu? Era um corpo? Era um fantasma? Era um espírito? Era uma projeção alucinatória de Santa Maria Madalena, dos apóstolos e dos discípulos de Cristo? Ou foi realmente a aparição miraculosa do Cristo que deixara vazio o sepulcro na alvorada esplêndida do domingo?

A hipótese do furto do corpo pelos discípulos do Cristo já está abandonada. Nenhum racionalista que se preze ou tenha probidade intelectual, prestigia nos nossos dias essa hipótese. O mesmo se pode dizer do espírito de impostura e má fé atribuído aos apóstolos. Reville presta uma homenagem magnífica à sinceridade profunda desses homens que se deixaram matar pelo Cristo Ressuscitado.

Picard nota muito bem: não foram os discípulos, dizem, foram os judeus que roubaram o corpo de Jesus. Esta hipótese é ridícula da parte da incredulidade. Os judeus teriam assim fornecido armas contra si mesmos. Destruíram a única peça de convicção que podia aniquilar o testemunho dos apóstolos...

A suposição de Strauss de que o corpo de Jesus Cristo foi atirado ao lixo, opomos este fato de notoriedade pública no tempo de São Paulo; foi sepultado. De resto, naquela maneira de agir não era conforme nem à lei romana nem à lei judaica. Segundo a primeira, o cadáver devia ser entregue logo que fosse reclamado. Quanto à lei judaica, esta estabelecia expressamente que o cadáver do supliciado devia ser sepultado antes do pôr do sol.

As hipóteses racionalistas, inventadas para explicarem a Ressurreição de Cristo, de Strauss, Renan, Harnak e de tantos outros hipercríticos ou romancistas modernos e contemporâneos, são evidentemente um esforço desesperado do racionalismo para negar a existência do sobrenatural.

As explicações dadas por Strauss, Renan, Noak, Ewald Lang, Hosten, são diversas, mas têm um fundo comum — as aparições são visões subjetivas. Já estão fora de moda e sem interesse pelo vão esforço que representam para tornar ilusória o fato da Ressurreição.

Outros não recusaram a realidade das aparições, mas negaram a Ressurreição física de Jesus Cristo. As alucinações dos apóstolos teriam sido alucinações verdadeiras. Aparições objetivo-subjetivas. Jesus sobrevivia num estado espiritual e capaz de agir espiritualmente sobre o sentido humano e assim tornou sensível a sua presença e a sua ação aos apóstolos que visualizavam, isto é, traduziam por visões objetivas o que percebiam, e oralizavam, isto é, interpretavam como verdadeiros discursos o que compreendiam.

Ora, meus senhores, minhas senhoras, lendo todos esses devaneios mascarados de cor científica ou filosófica, nós nos lembramos instintivamente do verso de Virgílio — Quis Deus vult perdere, prius dementat — e nos entristecemos sobre essas ruínas do orgulho humano, humilhado na tentativa insana de apagar as estrelas do céu.

As narrativas evangélicas documentam a realidade corpórea da Ressurreição. Os discípulos tocaram um corpo real, ainda que glorioso, com suas mãos e ouviram com seus ouvidos.

No texto evangélico também não se acha fundamento para as visões pneumáticas objetivas de Leim e Schweizer para quem as cristomanias são visões interiores do estado glorioso de Cristo no céu, interpretadas pelos apóstolos no sentido de sua Ressurreição corpórea.

Essa ilusão de ótica, necessária para reanimar a fé nos apóstolos nem satisfaz a consciência moderna, inimiga do sobrenatural, nem explica o contato sensível do Cristo em suas aparições diversas durante quarenta dias, nem o túmulo vazio atribui à divindade a causa direta do erro.

A Ressurreição é o fato fundamental do Catolicismo.

Os vinte séculos da verdade católica se apoiam no túmulo glorioso de Jesus Cristo. É o milagre que, por excelência, prova a divindade de Cristo. Ressuscitar um morto é um prodígio. Ressuscitar a si mesmo é o prodígio dos prodígios. Na sua vida e na sua morte o Divino Mestre multiplicou os fatos extraordinários que documentaram divinamente as suas afirmações absolutas sobre a sua personalidade divina.

Na Ressurreição, a demonstração do Salvador atingiu o seu apogeu de luz e de glória. Os inimigos da fé compreenderam muito bem que aceitar a ressurreição é aceitar toda a revelação cristã com todas as suas consequências doutrinais.

São Paulo escreveu claramente: Se Cristo não ressuscitou, vã é a minha pregação e inútil a vossa fé.

O racionalismo chegou ao cúmulo de negar a morte de Cristo. Cristo segundo alguns incrédulos, apenas desmaiara na Cruz. No repouso, ele voltou a si da frieza do túmulo e das resinas do embalsamento.

E esses espíritos orgulhosos não leram que Pilatos só deu autorização para a descida do corpo depois de se ter certificado de sua morte? E o divino supliciado poderia ter resistido após tão terríveis tormentos à lança do soldado romano que lhe abre o peito na largura de uma mão? E como esse Cristo desfigurado, arrastando-se, desgraçado, saindo penosamente de um sepulcro poderia ter fortalecido e transformado os seus medrosos discípulos?

A impiedade se torna ridícula na ânsia de repudiar o sobrenatural, custe o que custar.

A palavra do anjo continua a ser uma palavra de vitória:

“Procurais a Jesus de Nazaré que foi crucificado? Ressuscitou; não está aqui”

O túmulo está vazio. Os soldados romanos subornados dizem que estavam dormindo quando roubaram o corpo do crucificado.

E como esses pescadores tímidos, rudes, pobres, sem meios, sem influencia, sem nenhum interesse para eles, afrontando as consequências do seu ato, teriam violentado, corrompido ou enganado a guarda romana? Todas as explicações atingem o máximo do absurdo.

O túmulo do Cristo, vazio, apesar de todas as precauções tomadas, só tem uma explicação aceitável. É a palavra do anjo: “Ressuscitou; não está aqui”

Santa Maria Madalena, suas companheiras e os apóstolos foram vítimas de uma alucinação, gritam os céticos de todos os tempos.

A psicologia dessas gloriosas testemunhas do Cristo redivivo é o que há de mais contrário ao fenômeno da alucinação.

Nenhuma delas se mostra crédula. Nenhuma pensa na Ressurreição. Santa Maria Madalena corre ao sepulcro e quando vê a pedra derribada, diz: “Roubaram o Senhor e não sei onde o puseram”. Ela se lamenta junto do túmulo abandonado. Diante dela está um homem de pé. “Por que choras mulher? A quem procuras? Se tu o tiraste, responde Madalena, dize-me onde o puseste”

Maria! Disse o homem.

E a grande arrependida, reconhecendo Jesus naquela voz cheia de doçura, exclama: “Rabooni! ” É assim que Madalena se torna a apóstola da Ressurreição. Ela diz aos discípulos: “Vi o Senhor”. Os apóstolos foram duma incredulidade a toda prova. E eles tomaram as santas mulheres por visionárias. E quando o Senhor lhes aparece, eles julgaram-no um fantasma. Um deles, São Tomé, leva a audácia de sua incredulidade a querer tocar as chagas do Mestre. Sugestão e alucinação se tornaram na linguagem dos ímpios, palavras cômodas para explicarem os fatos sobrenaturais.

Bossuet, no seu famoso discurso sobre a história universal disse: “Ao terceiro dia, Jesus Cristo ressuscita; aparece aos seus que o haviam abandonado e se obstinavam a não crer na sua Ressurreição. Os discípulos o veem em particular, e todos o veem em conjunto; aparece uma vez a mais de quinhentos homens reunidos. Um apóstolo, assegura que a maior parte dentre eles vivia no tempo em que ele escrevia. A Ressurreição é um inabalável fato histórico. A sua certeza está acima de toda a dúvida. A sua certeza está acima de toda a dúvida. O Cristo ressurgiu. E, ressurgindo, ressuscitou o mundo.

Levantou todas as lousas que pesavam sobre o gênero humano, baniu todas as escravidões — a escravidão dos sentidos, do coração, da inteligência. Sobre a família humana raiou um novo sol. Todos os infelizes, todos os desgraçados puderam soltar um suspiro de alívio. Como um verdadeiro triunfador, o Cristo Ressuscitado invadiu a consciência da humanidade e criou uma mentalidade e uma civilização desconhecida.

Jesus transformou o homem com seu verbo, com sua graça, com seu amor. Ele semeou na alma racional essas verdades fecundas que produziram na sociedade uma total revolução nas ciências, nas artes, nas leis, na política, nos costumes e na vida dos povos, essas verdades que fizeram surgir do caos social antigo um novo mundo moral, iluminado pelas fulgurações e relâmpagos da Ressurreição.

São essas torrentes de luz que dobram os joelhos dos sábios e arramam dos seus lábios palavras como estas do grande matemático Cauchy: “Eu sou católico, e, se me perguntassem a razão disso, veriam que as minhas convicções são resultado não de preconceitos de família, mas de um exame aprofundado. Veriam como se gravaram para sempre no meu espírito verdades mais incontestáveis aos meus olhos do que o quadrado da hipotenusa”

A pedra do sepulcro do Divino Vencedor é o granito da Igreja. Há vinte séculos contra ela se despedaçam crânios. Mas é um granito de amor. Há vinte séculos ela recebe as lágrimas de todos os infortunados, as flores de todos os agradecimentos, as homenagens da inteligência e do coração.

Há vinte séculos sobre essa lousa augusta se repetem, num crescendo de amor, os beijos da gratidão genuflexa que bendiz, aclamam, canta por todos os júbilos de Páscoa, a alvorada cristã do Deus Ressuscitado.

A Ressurreição de Jesus Cristo tranquiliza o nosso espírito. Não estamos iludidos sobre o nosso futuro. O Cristo ressuscitado garante todas as certezas da Fé e todos os ensinamentos da Igreja. Ficamos na posse consciente de verdades eternas. Os ventos vários das filosofias humanas não poderão abalar a nossa confiança que repousa indefectível no rochedo iluminado do Domingo Pascal. A ressurreição física de Jesus é a prova decisiva.

Doravante estamos voltados para o céu donde esperamos Nosso Senhor Jesus Cristo que transformará o corpo de nossa humildade, segundo o modelo de seu corpo glorioso.

O Cristo, primogênito da vida e vencedor da morte, envolve na benção de sua ressurreição gloriosa a carne sofredora da humanidade. Nós cremos na imortalidade da alma e na perpetuidade radiosa da carne ágil, sutil, impassível, esplendente, como uma flor do espírito, no Reino da glória, forma suprema da beleza sensível, transfiguração pelo sopro criador do Artista Divino.

Na igualdade dos seres que a morte nivela é sempre a mesma devastação do corpo que se decompõe e vai alimentar a erva humilde depois devorada, talvez, por um animal estúpido.

Seja o cérebro de um sábio, — laboratório do pensamento seja a mais abjeta das criaturas, é sempre a mesma a humilhação da morte. Diante do sepulcro aberto não vemos mais que podridão, poeira e pó. Se perguntarmos ao materialista se o homem ficará reduzido à miséria do túmulo, ele responderá: “Ficará. A matéria será restituída à circulação da natureza”

E o pensamento? Os surtos de seu espírito? Os seus desejos? As vozes supremas de sua alma? Todos os seus movimentos transformados em sensações e ideias? Tudo ficará perdido para sempre, dizem os materialistas.

Coisa terrível é a morte do homem que só crê na matéria! Espanta, aterroriza!

Se perguntarmos a um ultra espiritualista se a matéria ficará reduzida à miséria do túmulo, ele responderá. “Ficará, porque vai ser restituída a circulação da natureza, somente a alma não sofrerá essas misérias”

É menos terrível essa concepção da morte.

Só a alma com os seus pensamentos, os seus surtos e os seus desejos não se poluiria no túmulo.

Mas o cérebro onde se elaboram as ideias, o coração onde se aninham os sentimentos, o corpo onde demoram as vibrações, tudo desaparecerá para sempre no conceito do espiritualista ingrato.

Nós católicos, porém, não podemos admitir essa poeira eterna do cérebro, do coração, do nosso corpo.

Deus não quis condenar o homem-fanal da criação à podridão eterna, à devastação completa do corpo que foi feito à sua imagem e semelhança.

Credo resurrectionem. Nós acreditamos na ressurreição da carne. Estamos convencidods de que esta há de florir.

Quando Deus, completou o plano da criação, do limo, formou o homem e lhe deu o sopro de vida, o espiráculo de vida não foi para reduzi-lo a nada, nem para inutilizar o encanto de sua obra, que formou os enlevos da criação.

Não foi inutilmente que colocou essa semelhança de sua imagem no meio de sua obra gigantesca.

Não foi inutilmente que criou para os seus olhos os encantos da vegetação e as maravilhas da luz e os esplendores dos quadros que a sua mão de artista formou onipotentemente.

Não foi inutilmente que criou par os ouvidos do homem a deslumbradora orquestração da natureza, a música das águas, o canto dos pássaros, a harmonia das esferas.

A carne é herdeira das liberalidades divinas.

Quando a alma quer rezar, os lábios murmuram, o coração palpita, as mãos se juntam e se erguem para o alto numa atitude magnifica. E não é possível que essa carne fique reduzida à podridão para sempre. Também ofereceu seu sangue, se sacrifica, se martiriza por Deus.

A Igreja saúda a carne irmã da carne de Jesus Cristo.

A nossa religião respeita o espírito e a carne criada, cuja ressurreição proclama.

Sendo divina a nossa religião, é eminentemente humana. Não se preocupa só com a alma, mas também com o corpo. Sem corpo não teríamos ressurreição completa. É um dogma da nossa Igreja a ressurreição da carne. O sepulcro não é só podridão. O nosso esquife é berço da imortalidade.

A própria natureza nos prenuncia a ressurreição da carne.

Ao pôr do sol, todas as tardes, segue-se a noite longa e silenciosa. À alvorada, o sol surge. É a ressurreição da manhã. O lavrador atira o grão humilde que vai apodrecer para nascer, reflorir e frutificar. A larva se transforma em crisálida e esta em borboleta que alça o voo em demanda do infinito, no anseio da liberdade.

Se Deus concede a vida ao vegetal que nasce da semente apodrecida, a vida que palpita na verdura dos campos, no coma verde das árvores, se dá essa vida que cintila na asa das borboletas, por que razão não a concederá à nossa carne, também?

A carne apodrecida é transfigurada e se preparará para ser a angélica farfala, de que nos fala Dante, em procura do sol divino.

A razão disso nos persuade, porque seria terrível essa separação eterna da alma e do corpo.

Deus criou do limo a carne e depois deu-lhe alma e disse-lhe: “Alma, tu és rainha, aqui está um trono; alma, tu és chama, aqui está um coração, onde tens sangue, paixão, amor, sentimento; alma, tu és vibração, aqui estão os nervos; alma, tu és luz, aqui está uma lâmpada; alma, tu és raio, aqui estão os olhos, através dos quais poderás esplender”. E a alma se precipitou para esse corpo para substituir a natureza.

A alma e o corpo constituem uma só substância. A natureza exige a ressurreição da carne.

O corpo não é lira, que a alma agite durante algumas horas, durante algum tempo, durante uma existência, apenas.

O corpo reza, chora, ri, geme, suspira, é feliz e é desgraçado com a alma. Separados na morte, voltam a unir-se na outra vida.

A alma celebra com o corpo e epitalâmio da terra e da eternidade. Vivem numa perfeita vida conjugal.

A razão e a fé nos mostram que assim tem sido compreendido sempre desde os tempos de Zend Avesta em que Ormuz se refere, sem nada que dúvida faça à ressurreição da carne. Platão, Sêneca, a crença mosaica, tudo nos convence do mesmo modo. São Paulo, nas suas Epístolas, afirma que o corpo será semeado na corrupção e ressuscitará incorruptível, ressuscitará na glória.

Senhores, há dois mil anos, Cristo reina. A cruz flutua em todos os continentes. A bandeira de Cristo Rei congregou todos os povos derrubando barreiras dos costumes. O mundo vivia de orgulho, e Cristo ensinou a humildade.

Foram por Ele transfigurados todos os costumes e todas as gentes se dobraram aos seus ensinamentos. Invadiu a trama e o tecido de todas as instituições e apareceu como o maior legislador da humanidade. Abateu as barreiras de todas as regiões até então existentes. Fez ruírem os deuses antigos de seus pedestais, extinguiu a casta sacerdotal antiga.

Ensinou o Pai Nosso, oração universal, recitado por todo o mundo, que vale como demonstração sublime da divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Eu sou o Bem, disse Nosso Senhor, e toda a humanidade enamorada segue-lhe os ensinamentos maravilhosos que afrontam a fúria dos tempos.

Envelhecem as repúblicas, passam as instituições, muda-se a face dos acontecimentos. Só o Cristo vive, só o Cristo atravessa as idades. Só o Cristo resiste a todas as mutações que se operam no mundo.

Se assim não fosse, Cristo seria um mentecapto ou um impostor, seria um velhaco ou um bandido, cuja pregação seria sem valor.

Mas a sublimidade do Evangelho bem atesta no vigor de suas indestrutíveis verdades que só um Deus seria capaz de nos dar tão grandioso monumento de sabedoria.

Não falta quem não tenha dito ter sido Cristo um visionário, um louco, um filósofo, um revolucionário.

Mas Cristo é realmente Deus, nosso Deus, força e fundamentos da verdade. No seu trono de glória, no mistério do tabernáculo, no último recesso do sacrário, ele exora misericórdia para toda a humanidade.

Em tão augusto silêncio, ele está trabalhando a obra imortal da Igreja, por toda a eternidade, porque Ele disse: “Estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos”

Aparecendo à Santa Margarida através do véu branco que cobre o sacrário, disse: “Eis aqui o Coração que tanto amou os homens e deles é tão pouco amado”

Glória, pois ao Cristo que ressurgiu dos mortos e preparou para a humanidade a glória da RESSURREIÇÃO.

 

Eminência.

V. Eminência com esta bondade que não cansa, se dignou vir a esta casa para prestigiar a ação dos bravos da União Católica; abençoar esta numerosa e brilhantíssima assembleia em que a fé, a ciência, a cultura, a graça cristã e o espírito católico desta Metrópole fulguraram; honrar e animar o modesto pregador do Divino Ressuscitado, enfim, emoldurar no esplendor da púrpura esta bela noite do Ano Santo, noite da Ressurreição.

Beijamos agradecidos esta Púrpura que já se doura dos raios romanos com a investidura de V. Eminência na alta Missão de Legado Pontifical ao Congresso Eucarístico Nacional.

Outra missão incumbe também a Vossa Eminência.

Dir-se-ia, senhores, que o nosso Cardeal leva enrolado na púrpura sagrada o bele e generoso Coração do Sul para uni-lo ao ardente Coração do Norte, fundindo-os num só Coração — O Divino Coração Eucarístico que no Ostensório da Bahia histórica vai abençoar a união dos brasileiros.

Boa viagem, Sr. Cardeal, para a descoberta cristã da República.

Cabral chamou Monte Pascal o primeiro cume descoberto, — o cume dos Aimorés, — entre os arrebóis de Páscoa. O Brasil nascia para a civilização, sob o sinal glorioso do Divino Ressuscitado da Galileia. Sua vocação histórica era sagrada pelas auroras da Ressurreição.

Quem sabe, Eminência, se à sombra do Monte Pascal, os sinos das velhas igrejas da colônia em repiques de aleluia nacional não irão saudar o ressurgimento cristão do ESTADO BRASILEIRO?!

 

 

Dom José Pereira Alves - Discursos e Conferências, Imprensa Nacional 1948.

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