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Primeira Meditação para a Quaresma

Pe. Luís de la Puente, S. J.

               

 

Da vocação geral com que Cristo Nosso Senhor chama a todos

os homens para que se neguem a si mesmos,

tomem a sua cruz e O sigam.

 

 

                Porque Cristo Nosso Senhor veio ao mundo, como disse São João (1Jo 3, 8), para desfazer as obras do demônio, trataremos primeiro nesta meditação sobre o chamado do demônio, que convoca as pessoas para que o sigam contra a Cruz de Cristo Nosso Senhor, e logo depois sobre o chamado do próprio Cristo, para que, comparando este com aquele, vejamos a quem é mais acertado seguir. Esta meditação e a seguinte darão muita luz para que elejamos com acerto o estado mais conveniente para a nossa salvação.

                Primeiro ponto. – 1. Em primeiro lugar, há de se considerar Lúcifer (Jo 14, 30; Exercícios Espirituais de Santo Inácio, 2ª sem., 4º dia) príncipe deste mundo, sentado num trono de fogo, cheio de fumo, com aparência horrível e rosto espantoso, rodeado de numerosos demônios, príncipes de trevas, os quais confabulam para guerrear contra o Cristo Nosso Senhor, e dar batalha contra o exército da Cruz. Para tanto, armam laços de tentações aos homens, induzindo-os a três vícios, que São João denomina (1Jo 2, 16) concupiscência da carne, cobiça dos olhos e soberba da vida. Primeiro convidam as pessoas aos prazeres da carne, donde nascem os vícios da gula e da luxúria; então, à cobiça de dinheiro e honras, donde procedem os vícios da avareza e da ambição; depois, à soberba da vida, que é o desejo de excelência, em que há presunção de si mesmo e das próprias opiniões; chama-se a isso soberba da vida, porque é soberba imensa, viva e buliçosa, que vive e cresce sempre (Sl 73, 23), e alimenta os demais vícios e pecados do mundo.

                2. Em seguida, há de se ponderar sobre a raiva (1Pe 5, 8; Ap 12, 9) com a qual os demônios cerceiam o mundo por todos os lados, buscando a quem devorar, quer como leões, com a força e a violência das perseguições; quer como dragões, com a astúcia dos raciocínios aparentes, para enganar os homens e pô-los a seu serviço. Grandíssimo é o estrago que causam, pois são inumeráveis os homens que atraem: uns se rendem à cobiça dos bens; outros, à cobiça das riquezas e honrarias mundanas; e outros ainda, à soberba e à altivez da vida; enfim, alistam-se nas forças demoníacas todos os inimigos da Cruz de Cristo, os quais – como disse São Paulo (Fil 3, 18-19), deplorando a miséria desses homens – têm como deus o ventre e a glória mundana, para a própria confusão, pois o fim deles é a morte eterna. Pensando nisso, à imitação do Apóstolo, lamento que existam tantos que sigam as hostes do demônio, e me admiro de que haja gente tão louca que o queira seguir, sabendo que a recompensa de tal serviço será o inferno. Refletindo a minha vida passada e presente, chorarei porque estive neste engano algum tempo, e suplicarei a Nosso Senhor para que me liberte dele para sempre. Amém.

                Segundo ponto. – 1. Em segundo lugar, hei de considerar a Cristo Nosso Senhor sentado num lugar humilde, com o rosto sereno e amoroso, rodeado de discípulos e muitas outras pessoas, dizendo a todos eles: Si quis vult post me venire, abneget semetipsum, et tollat crucem suam, et sequatur me: “Se algum quer vir após de mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me”. Nestas palavras, contrariamente ao príncipe deste mundo, Cristo chama e convida os homens a três coisas: primeiro, a negarem-se a si mesmos, mortificando as três concupiscências do mundo e os vícios que delas procedem, ou seja, que neguem e mortifiquem o amor dos prazeres sensuais, a cobiça de dinheiro e vã glória, e a soberba interior, mortificando o juízo e a vontade, e toda presunção e desejo de excelência.

                2. Segundo, chama-os para que levem a Cruz e se ofereçam em oposição às três concupiscências do mundo, ou seja, que sofram trabalhos e dores, necessidades e desprezos, além de toda sorte de humilhação e sujeição; pois a Cruz Espiritual de Cristo está montada com estas três peças: pobreza, desprezo e dor, embora cada uma delas encerre trabalhos muito distintos, que as acompanham; a Cruz requer que todos a carreguem a cada dia, aceitando cotidianamente o que lhes couber, com perseverança até a morte. Terceiro, Cristo chama os homens para que O sigam, imitando as virtudes e os exemplos que dá com a abnegação e com o peso de Sua própria Cruz, porque já decidiu que não admitirá em Sua escola nem em Sua companhia quem não decidir abraçá-la e não se alistar no Seu exército; por isso disse (Lc 14, 27) que “O que não leva a sua cruz e não me segue, não pode ser meu discípulo”.

                3. Agora hei de considerar quão acertada é esta vocação; pois, se sou mau e inclinado a vícios e pecados desde o nascimento, é justo que me negue a mim mesmo e mortifique todas as más inclinações, para libertar-me dos males que delas nascem. Se prêmios, riquezas, honras e excelências mundanas são o combustível para todas as maldades, cumpre abandonar o amor desordenado de tais coisas para preservar-me de tantas misérias. E se esta vida mortal me reservar muitos trabalhos, cansaços, dores e tribulações, que haverá de mais sensato do que fazer da necessidade virtude, e abraçar a Cruz de boa vontade, merecendo por ela a vida eterna? Se Jesus Cristo Nosso Senhor desceu dos céus, a fim de levar a Cruz e abraçar-Se à dor, à pobreza e ao desprezo, qual o problema em segui-Lo, imitando os atos de meu Capitão, meu Rei e meu Deus? Ó, soberano Capitão, já que me convocais para que me negue, vinde lutar comigo contra mim, pois mais forte que eu será quem me vencerá. Assim, porque quereis que leve a minha cruz a cada dia, dai-me a cada dia a Vossa graça, para que, sob a opressão do madeiro, não caia nem desfaleça.

                Terceiro ponto. – 1. Em terceiro lugar, há que considerar três argumentos eficacíssimos que Cristo Nosso Senhor nos apresenta, a fim de nos persuadir dessa vocação. Primeiro: “O que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; e o que perder a sua vida por amor de mim achá-la-á” (Mt 16, 25); ou seja: Vossa salvação e vida eterna é negar-vos, levar a vossa cruz e seguir-Me até à perda da vida temporal, se for o caso, como já pedi; quem a perder assim, não a perderá totalmente, porque Eu a devolverei renovada e eterna. Do mesmo modo, posso imaginar que Cristo Nosso Senhor me diz: Quem por Mim perder dinheiro, honra, prêmios, amigos e qualquer outro bem temporal, depois o reencontrará; ao contrário, quem quiser ganhar ou conservar essas coisas contra a Minha vontade, perderá tudo, além da própria alma para sempre.

                2. O segundo argumento é: “Que aproveitará a um homem ganhar todo o mundo, se vier a perder a sua alma? Ou o que dará o homem em troco de sua alma?” (Mt 16, 26). Como se dissesse: Se seguis a sugestão do demônio e não a Minha vocação, havereis de perder para sempre a alma, pois de que vos aproveitará a posse de todos os prêmios, riquezas, honras e excelências do mundo, se no final vossa alma se condena? Perguntai aos condenados que estão ardendo no inferno, e eles vos dirão (Sb 5, 8): De que nos aproveitou a soberba? De que nos serviu a vã ostentação das riquezas? Que bem nos fez? Qual proveito tiramos dos prêmios, das honrarias, das dignidades e de todos os bens da terra? Tudo passou como sombra, e agora, por causa da nossa maldade, estamos em perpétuo tormento.

                3. O terceiro argumento é (Mt 16, 27): “Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai com os seus anjos; e então dará a cada um segundo as suas obras”; ou seja: Tenho de vir julgar o mundo com o estandarte e a bandeira de Minha Cruz; quem não a quis carregar comigo, condenarei ao fogo eterno com os demônios, cujo bando seguia; mas quem deu ouvidos à vocação e abraçou a Cruz, levarei comigo para a glória do Pai. Sopesando esses três argumentos, compararei estes dois chamados, o de Lúcifer e o de Cristo; o fim brutal dos que seguem a um, e o fim ditoso dos que seguem o outro; pois não é possível, como disse o Redentor (Mt 6, 24), servir ao mesmo tempo a dois senhores: não podemos servir a Deus e às riquezas, a Cristo e às honrarias vãs, nem é possível assentar praça sob as bandeiras de capitães tão contrários; por isso, cuidarei de fechar os ouvidos às sugestões de Lúcifer e de abri-los à vocação de Cristo, negando-me a mim, abraçando a minha cruz e seguindo o soberano Capitão sob a Sua bandeira. Eis uma pergunta que ajudará na decisão de qual bandeira abraçar: a quem gostaria eu de haver seguido ou escolhido, quando chegar a hora de minha morte e tiver de me apresentar diante do tribunal de Cristo? A riqueza ou a pobreza, a honra ou o desprezo, os prêmios ou as aflições, o cumprimento da vontade própria ou a abnegação dela e de mim mesmo? Assim, escolherei agora o que mais tarde gostaria de haver escolhido.

                4. Para não remeter o acerto da boa escolha apenas à hora da morte e ao juízo, acrescento que o chamado do demônio, embora num primeiro momento prometa deleites, honras, riquezas, liberdade e descanso, está tão misturado com numerosas amarguras, que é verdadeiramente trabalhosíssimo (Sb 5, 7); até os condenados confessam que viveram cansados no caminho da maldade, e andaram por estradas ásperas e dificultosas. Por seu lado, o caminho de Cristo, embora seja de abnegação, está traçado pela Providência Divina, e ajustado às forças de cada um, vindo misturado com tantas consolações e graças celestes, que é verdadeiramente suavíssimo nesta vida, de tal modo que os que seguiam as tropas do demônio encontram grande alívio ao seguir o caminho de Cristo; assim o disse o Senhor (Mt 11, 28): “Vinde a mim todos os que estais fatigados e carregados, e eu vos aliviarei; tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração”; ou seja: O jugo é a abnegação, mas suave; o peso é a cruz, mas leve, contanto que sejais mansos e humildes como Eu, porque aos humildes dou a Minha graça, com o que se torna leve tudo aquilo que em si mesmo é pesado e amargo (Ti 4, 6). Ó, dulcíssimo Mestre, sobre cujos ombros carregais a minha cruz e a de todos os mortais, concedei-me ouvir o Vosso chamado e abraçar os trabalhos da cruz, deixando à Providência os consolos ao levá-la, para que, escolhendo na vida o que gostaria de haver escolhido na morte, receba em Vosso juízo a coroa da glória. Amém.

(Tradução: Permanência. Meditaciones Espirituales del V. P. Luís de la Puente, de la Companía de Jesús – Tomo II; Imprenta de Pablo Riera, 1856, Barcelona; págs. 58-66.)

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