D. José Pereira Alves
Conferência realizada em Buenos Aires
O nosso Brasil é uma pátria eucarística. Deus lhe concedeu essa predestinação histórica. A sua vocação cristã não foi apenas assinalada pela cruz erguida na terra virgem. Nas mãos de Frei Henrique de Coimbra, sob a verde umbela da mata rumorosa e selvagem, na primeira Missa da descoberta, a hóstia divina pairou como uma bandeira viva de Cristo proclamando a posse sagrada do território. Nosso Senhor armava na região desconhecida o seu pavilhão eucarístico. Alçava o pendão de sua realeza. O Brasil recebia o seu batismo na pia do altar. Desde aquele instante supremo seria o país do Coração Eucarístico, o Tabor do S. S. Sacramento.
A sua configuração geográfica seria quase a forma de um coração.
Cruzes e corações se encontrariam incrustados nos exemplares de sua flora e nas estrelas do céu. Deus o escolhera para ser o soldado do seu tabernáculo e arauto do Rei de Amor.
O culto da Eucaristia se irradiou por toda a nacionalidade com a aurora profética da primeira Missa.
O Cristo prometia a si mesmo operar uma nova transfiguração.
O Brasil se transfiguraria pela adoração e pelo amor da Hóstia Santa numa apoteose perene ao Cristo, Rei das nações que Ele recebeu em herança. Estão aí presentes em toda a sua visibilidade histórica os documentos desta fé eucarística que produziu, em nossa terra e sociedade, o milagre de uma unidade espiritual que serve de base indestrutível à unidade geográfica, racial e social de todo o nosso imenso país.
São os monumentos, as igrejas eretas desde o período colonial para a glória da Eucaristia. Há capitais, como Recife, em que as matrizes primeiras foram dedicadas ao S. S. Sacramento. Nas menores paróquias eram reservadas capelas especiais e mais ricas, as capelas do Santíssimo. O ouro, a prata, pedras preciosas enriquecem e constelam cálices, ostensórios, sacrários, altares, candelabros, lampadários-trabalhos riquíssimos de ourivesaria de talha, estatuária-primores de uma velha arte, saturada de inspiração religiosa e de piedade eucarística.
As belas artes se encontraram em piedoso rendez-vous para perpetuarem, através do tempo, a imortalidade da devoção nacional ao Deus velado no silêncio augusto da vida eucarística.
Em palanquins dourados ia o Viático, escoltado e seguido de multidão devota, aos moribundos ou sob umbelas vermelhas, o sacerdote a pé ou a cavalo, conduzia o Pai Nosso, como o povo ainda chama com ternura, ao Senhor, pelas fazendas, sítios agrestes, lugares rurais.
As festas do S. S. Sacramento sempre foram no Brasil custeadas por inúmeras confrarias e irmandades e pelo povo, festas excepcionais pelo esplendor do culto, pela afluência extraordinária, pelas procissões esplêndidas e triunfais, sempre coroadas por soleníssimo Te Deum.
E tão tradicionais o foram que municipalidades, como a Edilidade de S. Salvador da Baia, conservaram como uma honra celebrar com pompa, às expensas públicas, as solenidades do Corpo de Deus, mesmo depois da separação da Igreja do Estado. Tanto é verdade que a Nação só a contragosto se via oficialmente longe do altar!
Todas essas manifestações eloquentes do culto externo eram e ainda são expressões altissonantes do sentimento profundo dos brasileiros em relação à Sagrada Eucaristia.
Com a devoção à Virgem Santíssima da Conceição freme no sangue, na alma da raça, o amor crescente ao S. S. Sacramento, herança dos mártires.
Para citarmos apenas uma lembrança dos tempos da colônia, evoquemos tão somente o sangue do horrível morticínio de 3 de outubro de 1645 em Urussú, Estado do Rio Grande do Norte, em que os heróis da fé no Senhor Sacramentado eram trucidados e morriam gritando: “Louvado seja o S. S. Sacramento! ” Crônicas antigas nos falam da música celeste dos aromas do incenso e da conservação maravilhosa dos corpos dos cristãos, vítimas imoladas pelo furor herético e pagão, sementes eucarísticas de uma grande cristandade, consagrada ao Divino Coração Eucarístico.
Regada por um sangue tão generoso, cultivada com toda a solicitude pela ação missionária de Portugal bandeirante e católico, a árvore nacional não podia deixar de crescer, frondejar e produzir os mais abundantes frutos de vida eucarística, transformando o Brasil, como é hoje, um imenso altar do Coração Eucarístico.
A todas aquelas aparatosas manifestações do culto eucarístico de que tivemos ocasião de evocar, correspondiam já desde a época colonial o espírito de adoração eucarística, a oração do tabernáculo, a ascensão de almas, vítimas de amor. Já em 1750, um filho do nordeste brasileiro, o alagoano Felix da Costa, varão de grandes virtudes, fundava o Santuário Eucarístico de Macaúbas, hoje na Arquidiocese de Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais, recolhimento de religiosas clausuradas, consagradas à adoração do S. S. Sacramento, nesse laus perene brasileiro que é uma glória secular da nossa vida católica. É aí que o Cristo Redentor e Salvador, adorado e amado por almas virgens, simples e abrasadas de amor, recebia o beijo silencioso e a súplica incessante da alma cristianíssima da Pátria.
Desse cimo espiritual desceria a Benção eucarística da renovação social da nossa terra como uma aurora das apoteoses nacionais ao S. S. Sacramento.
Com o despertar religioso provocado pelo grito libertador da seráfica e heroica figura de D. Frei Vital Maria de Oliveira, com o rejuvenescimento das ordens religiosas e dos seminários e renascimento da vida paroquial, a organização da catequese infantil e a fundação de associações católicas, imunes da contaminação maçônica, a vida eucarística nacional começou a tomar um desenvolvimento prodigioso que se tornou universal e profundo em todo o país, graças especialmente à instituição providencial do Apostolado da Oração, que popularizou e intensificou com a Missa da primeiras sextas-feiras, a adoração solene e as comunhões reparadoras, à Devoção ao Sagrado Coração de Jesus e deu a todas as suas festas um cunho altamente eucarístico. O povo brasileiro, em décadas sucessivas, ficou saturado de amor pelo Coração Divino que nos deu o presente supremo da Eucaristia.
Pois bem, essa saturação eucarística, ao impulso vigoroso da hierarquia, guiada por esse bispo providencial — o Bispo da Eucaristia —, como o chama o povo, que é o nosso querido Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, essa saturação de amor transbordou na vida pública e social do Brasil, como uma torrente restauradora da consciência, mesmo política, da nossa pátria cristã. Os grandes Congressos Eucarísticos, como o de São Paulo em 1915, o inesquecível Congresso Nacional do Centenário, em 1922, e o recente e extraordinário Congresso Eucarístico Nacional de S. Salvador da Bahia, promovido com enorme brilho pelo Exmo., Primaz do Brasil e presidido pelo Eminentíssimo Legado Pontifício, o Sr. Cardeal Dom Sebastião Leme, tem sido no Brasil verdadeiros “pentecostes” de graças e retumbantes e profundos plebiscitos de amor ao Deus escondido, à Hóstia Divina dos nossos altares.
As semanas eucarísticas se sucedem em todas as dioceses com uma intensa repercussão espiritual. Hoje, pode dizer-se que não há solenidade, semana católica ou congresso que não culmine numa afirmação de fé na Eucaristia.
Esse movimento ascensional para o sacrário arrastou e arrasta multidões nos retiros, nas missões populares, é a alma das organizações paroquiais e se constitui sangue de toda a circulação religiosa brasileira.
As Horas Santas são hoje ansiosamente frequentadas pelo povo nas mais modestas paróquias do interior e, em muitos lugares, inúmeras velas, símbolos de favores alcançados estrelam as noites eucarísticas.
As classes superiores foram também dominadas pelo Cristo do tabernáculo. Nas capitais e cidades importantes, sobretudo na metrópole do Rio de Janeiro, num crescente edificante, centenas de intelectuais, homens de cultura geral e especializada, professores eminentes e estudantes das Escolas Superiores se aproximam da mesa da Santa Comunhão: é a Páscoa da inteligência.
As classes armadas, em verdadeira parada de fé, depõem cada ano suas espadas aos pés do altar do Cordeiro e em linhas de paz e de amor bebem a força, a coragem e o sacrifício no cálice eucarístico da redenção.
Essas páscoas benditas se renovam em vários setores da vida social, da vida brasileira. É um movimento consolador.
S. Eminência, o Sr. Cardeal D. Sebastião Leme pondo uma cúpula monumental sobre estas colunas erguidas pelo espírito nacional criou a corte suprema do Rei do amor: A Adoração Perpétua Nacional, no templo de Santana. E já hoje na Bahia e em São Paulo se instalam outras cortes perpétuas, em que é adorado e servido o Divino Senhor dos corações.
Diante desse panorama eucarístico não há senão exclamar: Cristo reina na sociedade brasileira pela Eucaristia.
A Eucaristia é a chave do nosso progresso na hierarquia, pela multiplicação rápida de nossas dioceses e pelo esplendor e fecundidade de nosso cardinalato, cuja púrpura é o cérebro de nossa irradiação espiritual, e nossa ação católica é o segredo de nossa expansão de vida interior e sobrenatural, não só em nossas comunidades religiosas, seminários e colégios, mas na floração exuberante de nossos grupos católicos na rede, hoje, tão alargada de nossas associações e obras de interesse espiritual, na coordenação de todos os valores da Santa Igreja no Brasil. É ela ainda que anima, encoraja e informa o esforço de tantos católicos que pelejam pelo Reino de Cristo com as armas da luz e da inteligência, da palavra e da pena, da ação cultural e do rádio.
Na sua tese recente sobre LES RENOUVEAU RELIGIEUX D’APRÉS LE ROMAN FRANÇAIS, Mme. Elisabete M. Frazer oferece uma contribuição importante ao estudo desse fenômeno contemporâneo que é o ressurgimento católico da mentalidade cultural.
Já hoje a Religião não é apenas considerada como uma organização social admirável, uma força de disciplina humana. Ela surge no romance, na literatura, com um aspecto do mistério e do sobrenatural.
A guerra fez a humanidade pensar no além diante das ruínas acumuladas nessa horrível tragédia da História.
Esse renascimento mundial do pensamento religioso não podia deixar de ter extensa repercussão na sociedade brasileira. Encontrou felizmente o movimento católico desencadeado pela Igreja nas massas e nas elites sob a forma providencial da ação eucarística no indivíduo, na família, nos grupos organizados e nas multidões pelas grandiosas manifestações de amor a Nosso Senhor Jesus Cristo no S. S. Sacramento.
Os homens católicos de pensamento, a mocidade católica que estuda e os expoentes de várias classes sociais são hoje sentinelas do Sacrário e apóstolos da Realeza Eucarística de Jesus.
Foi assim que se preparou esse magnífico estado d’alma que nos permitiu a vitória apolítica, consagrando a Constituição de 16 de julho, arejada de espírito cristão, que pôs a sua confiança em Deus, nos deu o Ensino Religioso, o Matrimônio indissolúvel, a assistência às Forças Armadas, o serviço militar eclesiástico sob a forma hospitalar, e criou no Direito Internacional o princípio novo da colaboração da Igreja e do Estado, apesar da separação; em suma, consagrou as aspirações cristãs da Liga Eleitoral Católica, constituída pelo Episcopado Nacional com um caráter supra e extra partidário, visando apenas o Reinado Social do Rei do Amor, na pátria brasileira.
Cristo reina e reinará no Brasil.
Cumpre-nos, a nós, soldados de Cristo, defender por todas as formas da Ação Católica, conservar o patrimônio eucarístico da pátria pela educação eucarística da nossa infância no lar, no templo, na escola, pela formação eucarística de nossa mocidade, pela penetração eucarística cada vez mais profunda da mentalidade nacional.
No obelisco de São Pedro se leem estas esplêndidas palavras de Sisto V: Cristus vincit, regnat, imperat, ab omni malo plebem suam defendat.
Já não será nos granitos do Corcovado, mas no Coração vivo da Pátria Eucaristica que escreveremos aquelas palavras: Cristo vence, reina e impera, defende de todo o mal o seu Brasil.
Desta gloriosa e hospitaleira Argentina, Grande Dama-Nobre de Cristo, transformada nestes dias magníficos na Metrópole Eucarística da Cristandade, no Ostensório do mundo, voltaremos incendidos da Divina Caridade, com a bênção maternal da Virgem de Lujan, Padroeira do Congresso, e apaixonados pela salvação de nossa pátria, iremos realizar no Brasil os votos paternais do grande pontífice Pio XI, expressos no último telegrama ao Presidente Justo: conseguir que o Evangelho de Cristo seja a inspiração na vida de todos os povos de maneira que todos possam gozar dos benefícios da paz e da Civilização cristã.
Dom José Pereira Alves - Discursos e Conferências, Imprensa Nacional 1948.