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A ladainha de Nossa Senhora

Na ladainha invocamos Nossa Senhora sucessivamente em cinco prerrogativas distintas que aliás se completam: sob seus títulos de mãe e de virgem, como obra prima de Deus designada em figuras e símbolos, como socorro em toda espécie de aflições e finalmente como rainha por excelência

Algumas dessas desinências pedem uma palavra de esclarecimento. Espelho de justiça: o termo justiça é usado no sentido bíblico de santidade; se diz da Virgem que ela é espelho de justiça por ser ela quem melhor reflete a santidade de Deus. O termo vaso, três vezes repetido, tem também sentido bíblico. Neste caso parece legítimo dar-lhe a significação de ser, de criatura. Maria é vaso espiritual porque é a criatura, a única e singular criatura humana, que foi sempre residência do Espírito Santo. É vaso honorífico no sentido de que é digna de toda honra mais do que qualquer criatura no céu e na terra. Finalmente como Nossa Senhora nunca deixo de ser devotada aos desígnios de Deus — ao seu mais alto desígnio que é a encarnação redentora — reconhecemos ser ela animada por insigne devoção: eis a serva do senhor. Ninguém ignora que a rosa é símbolo de amor. Já que Maria é cheia de graça e de amor nós a proclamamos rosa mística. Maria nos protege com força e inteligência de mãe contra a Serpente infernal e seus sequazes, por isso pode ser comparada à uma torre. Ela nos protege tanto mais firmemente contra os liames do pecado porque ela própria nunca a eles deu a menor deixa, é pura, imaculada, é o que sugere, embora palidamente, a cor do marfim. Pureza e proteção estão sempre conexas nas intervenções de Nossa Senhora, por isso é torre de marfim. Em seu seio virginal Maria deu ao Filho de Deus a natureza humana, é comparada, então, a uma moradia de beleza inestimável: casa de ouro. A arca da aliança abrigava somente as Tábuas da Lei, mas Maria abrigou aquele que o céu e a terra não podem conter.
 
Maria se avizinha de Deus muito mais do que o mais sublime dos anjos já que é mãe de Deus; se avizinha de Deus mais próxima de um outro modo, porque deu corpo ao Filho de Deus e se acha então mais elevada que os anjos, tem sobre eles autoridades e estes ficam radiantes por serem súditos de seu império, e se sentem honrados de executar suas ordens. Ela é verdadeiramente a Rainha dos Anjos. Os patriarcas e os profetas que esperavam e anunciavam o Messias, o Redentor da humanidade culpada, deviam inevitavelmente levantar os olhos para a Mãe do Messias, Aquela que finalmente iria esmagar a cabeça da Serpente. Esta espera que se prolongou por séculos, começara no coração de Adão e Eva, os primeiros pais do gênero humano, logo após o primeiro pecado e o primeiro perdão do Pai Celeste. A espera e a esperança, o anúncio profético ficaram mais precisos ao longo do Antigo Testamento. E assim os Patriarcas e Profetas anunciaram ao mesmo tempo o Redentor e Rei dos reis e a Virgem Santíssima que o traria ao mundo e reinaria à sua direita (Salmo 44: astitit Regina a dextris tuis). Com toda a propriedade Maria é invocada como Rainha dos Patriarcas e dos Profetas.
 
Depois ela veio na véspera do dia em que iria começar a plenitude dos tempos, na primeira autora que precederia imediatamente o dia de nossa libertação, eis que sobre o galho de Jessé uma flor se abria. Apareceu enfim no mundo a meninazinha que os Patriarcas e Profetas tanto esperavam, a filha de Joaquim e Ana, a filha de Adão e Eva que não tinha vestígios sequer de pecado dos primeiros pais.
  
Ela veio cheia de graça e de santidade, mais santa do que jamais seriam os santos na Igreja do Santo dos santos. Ela está na linhagem de santidade só a ela reservada: a santidade de mulher bendita que deveria dar a natureza humana a uma Pessoa divina; santidade daquela que podendo dizer a Deus, com toda propriedade, meu Filho é introduzida por isso mesmo na intimidade da Trindade muito além do que qualquer outra criatura. Situada numa linha de santidade absolutamente própria e reservada, por ser tão próxima do Redentor ao ponto de ser sua Mãe, é inevitável que ela possua em super-abundância a graça e a caridade que forma os santos. Sua pré-excelência em relação a eles é coisa necessária. Foi ela quem melhor penetrou os segredos do Evangelho, meditou-os em seu coração com mais fervor e inteligência que os Apóstolos e os evangelistas. Eis porque, sem ter pregado o Evangelho, é chamada de Rainha dos Apóstolos. Sua união à dolorosíssima paixão de Jesus foi mais dilacerante do que os suplícios dos maiores mártires, logo é Rainha dos Mártires. Sem ter nunca celebrado os santos mistérios nem ter confessado a fé à maneira comum dos confessores, testemunhou desta fé na presença de Deus, dos anjos e dos bons homens com a força e a constância de santa Mãe de Deus; logo é com toda a justeza que podemos aclamá-la, Rainha dos Confessores. Enfim, sua virgindade foi de tal modo humilde, transparente e penetrada de caridade para com Deus, que mereceu tornar-se mãe de Deus permanecendo virgem; de algum modo o Verbo de Deus se obriga a consagrar a virgindade daquela que lhe dava a natureza humana: verdadeiramente Rainha das Virgens, Rainha de todos os santos.
 
(Traduzido e publicado na Revista Permanência, nos.128-129)

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