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Artigo único. – Se estão convenientemente assinaladas às virtudes anexas à justiça.

O primeiro discute–se assim. – Parece que estão inconvenientemente assinaladas as virtudes anexas à justiça.

1. – Pois, Túlio enumera as seis virtudes seguintes: a religião, a Piedade filial, a gratidão, a punição, o respeito e a veracidade. Ora, a punição parece uma espécie da justiça comutativa, pela qual reparamos pelo castigo as injúrias contra nós assacadas, como do sobredito se colhe. Logo, não deve ser colocada entre as virtudes anexas à justiça.

2. Demais. – Macróbio enumera as sete virtudes seguintes: a inocência, a amizade, a concórdia, a Piedade filial, a religião, a afeição e a humanidade, várias das quais são omitidas por Túlio. Logo, parecem insuficientemente enumeradas as virtudes adjuntas à justiça.

3. Demais. – Certos outros enumeram cinco partes da justiça, a saber: a obediência, para com o superior; a disciplina, para com o inferior; a equidade, para com os iguais; a fidelidade e a veracidade, para com todos. Ora, dessas só a veracidade entra na enumeração de Túlio. Logo, parecem insuficientemente enumeradas as virtudes anexas à justiça.

4. Demais. – Andronico Peripatético considera como nove as partes anexas à justiça, a saber: a liberalidade, a benignidade, a vindicativa, a eugnomósine, a eusébia, a eucaristia, a santidade, a boa comutação e a legislativa. Ora, dessas, só claramente entra na enumeração de Túlio a vindicativa. Logo, parece ter sido essa enumeração insuficientemente feita.

5. Demais. – Aristóteles considera a epieiqueia como adjunta à justiça, da qual não faz menção nenhuma das enumerações referidas. Logo, são insuficientemente enumeradas as virtudes anexas à justiça.

SOLUÇÃO. – Nas virtudes adjuntas a uma virtude principal, devemos considerar dois elementos: primeiro, que essas virtudes hão de convir por algum lado com a principal; segundo, que, por outro lado, hão de se afastar da noção perfeita da mesma. Pois, como a justiça diz respeito a terceiros, segundo do sobredito se infere, todas as virtudes que a terceiros dizem respeito podem, em razão da conveniência, ser–lhe anexas. Ora, a justiça, por natureza, consiste em dar a outrem o que lhe é devido, conforme a igualdade, como do sobredito se colhe. Por onde, de dois modos uma virtude, que respeita a terceiros, decai da noção de justiça: de um modo, decaindo da noção de igualdade; de outro, da do que é devido. E, em primeiro lugar, tudo o que o homem retribui a Deus é lhe devido; e, contudo, não pode haver aí igualdade, de modo que lhe retribua quanto deve, conforme àquilo da Escritura: Que darei eu em retribuição ao Senhor por todos benefícios que me tem feito! E, por ser assim, é que se adjunge à justiça a religião, como diz Túlio, que presta adoração, realiza cerimônias ou cultua à natureza suprema chamada divina.

– Em segundo lugar, não podem os pais ser pagos, com igualdade, do que lhes é devido, como está claro no Filósofo. E por isso adjunge–se à justiça a piedade filial, pela qual, como diz Túlio, cumprimos o nosso dever e prestamos um culto diligente aos que nos são chegados pelo sangue e aos que foram benfeitores da pátria.

– Em terceiro lugar, a virtude não podemos recompensá–la com prêmios iguais, como está claro no Filósofo. E por isso à justiça se adjunge o respeito, pelo qual, como diz Túlio, os homens eminentes por alguma dignidade são dignificados por um certo culto e honra.

Se levarmos em conta porém a noção de débito, a deficiência da justiça pode ser considerada relativamente a um duplo débito: o moral e o legal. Débito legal é o que estamos obrigados a satisfazer por uma lei estrita; e esse pertence propriamente à justiça, que é uma virtude principal. E quanto ao débito moral, é o que devemos pela virtude da honestidade. E como o débito implica uma necessidade, daí resultam dois graus dele. – Pois, há uma certa necessidade sem a qual não pode conservar–se a honestidade dos costumes; e essa participa mais da natureza do débito. E se considerarmos, como podemos, esse débito relativamente ao próprio devedor, ele exige que nós nos manifestemos aos outros por palavras e obras, como realmente somos. Por isso é que se adjunge à justiça a veracidade, que nos leva a referir, sem alteração, aquilo que é, foi ou há de ser. Mas, o débito também pode ser considerado relativamente aquele a quem devemos, isto é, quando recompensamos a outrem pelo que nos fez. Às vezes, pelo bem; e por isso se adjunge à justiça a gratidão, que implica a memória da amizade e dos bons serviços de outrem e a vontade de remunerá–los. Outras vezes, pelo mal, e por isso se adjunge à justiça a punição, que, como diz Túlio, nos leva a repelir, para nos defendermos ou nos vingarmos, a injúria e absolutamente tudo o que pode nos prejudicar. – Mas, há um outro débito necessário, como visando a uma honestidade maior, mas sem o qual a honestidade pode conservar–se. – E a esse débito diz respeito a liberalidade, a afabilidade, ou amizade ou outras virtudes semelhantes, que Túlio omite na referida enumeração, porque pouco implicam da noção de débito.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A punição imposta por autoridade do poder público, em obediência à sentença do juiz, pertence à justiça comutativa, Mas, a que fazemos por nossa própria iniciativa, sem contudo contrariarmos à lei, ou a que requeremos ao juiz, pertence à virtude adjunta à justiça.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Macróbio atendeu às duas partes integrais da justiça, consistentes em nos afastarmos do mal, o que constitui a inocência, e em fazermos o bem, o que abrange as seis outras virtudes. Das quais duas se exercem entre iguais, que são, a amizade, relativa à convivência externa, e a concórdia, à interna. Outras duas dizem respeito aos superiores e são: a piedade filial, relativa aos pais, e a religião, a Deus. Duas enfim respeitam os inferiores e são: o afeto, quando nos alegramos com o bem deles; e a humanidade, que nos leva a socorrer–lhes às necessidades. Pois, como diz Isidoro, chama–se humano quem tem para com os outros amor e afeto de comiseração; donde a denominação de humanidade, que nos leva a nos socorrermos uns aos outros. E por isso a amizade é considerada como ordenadora do convívio externo, segundo o Filósofo. Mas também pode ser considerada enquanto respeitando propriamente ao afeto, como também o faz Aristóteles. E então abrange três virtudes: a benevolência, a que agora chamamos afeto; a concórdia e a beneficência, aqui chamada humanidade. Mas, estas Túlio, as omite, porque pouco implicam da noção de débito, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A obediência se inclui na observância, citada por Túlio; pois, às pessoas muitos excelentes é devida tanto a reverência da honra como a obediência. – Quanto à boa fé, pela qual cumprimos o prometido, ela se inclui na veracidade, como observância das promessas. Mas, a veracidade tem um conceito mais amplo, como a seguir se verá. – [www.permanencia.org.br] Quanto à disciplina, não é ela devida por necessidade, porque nenhum inferior, como tal, está obrigado para com o inferior; pode porém um superior ser obrigado a prover às necessidades dos inferiores, conforme àquilo da Escritura: O servo fiel e prudente, a quem seu senhor pôs sobre a sua família. Por isso Túlio omite essa virtude. Mas, também pode ser incluída na humanidade, que entra na enumeração de Macróbio. E por fim a equidade pode ser incluída na epieiqueia ou amizade.

RESPOSTA À QUARTA. – A enumeração referida inclui certas virtudes pertinentes à verdadeira justiça. Assim, à particular pertence a boa comutação, que Túlio define como um hábito que observa a igualdade nas comutações. Como pertencente à justiça legal, no atinente ao que devemos comumente observar, está posta a leqislativa que, segundo ele próprio o diz, é a ciência das comutações politicas relativas à comunidade. Como respeitante àquilo que, às vezes, deve praticar o particular, fora das leis comuns, foi posta a eugnomósine, quase boa gnome. que dá a diretiva em tais casos, segundo dissemos antes, no tratado da prudência. Por isso, Túlio diz que ela é uma justificarão voluntária; porque nos leva a praticar, pelo nosso arbítrio próprio e não pela lei escrita, aquilo que é justo. E essas duas virtudes se atribuem à prudência, quanto à direção: mas à justiça, quanto à execução. A eusébia significa como que o culto legítimo; sendo, por isso, o mesmo que a religião. Pelo que, Túlio a define a ciência do serviço divino; e adota a linguagem de Sócrates, dizendo que todas as virtudes são ciências. E ao mesmo se reduz a santidade, como a seguir se dirá. A eucaristia é o mesmo que a boa gratidão enumerada por Túlio, bem como a vindicativa. A benignidade é idêntica ao afeto, de que fala Macróbio. Donde o dizer Isidoro que benigno é o homem pronto a fazer o bem espontaneamente e doce no falar. E o próprio Andronico define a benignidade como um hábito voluntariamente benfeitor. E, quanto à liberalidade, ela pertence à humanidade.

RESPOSTA À QUINTA. – A epieiqueia não é anexa à justiça particular, mas, à legal. E deve ser considerada idêntica à chamada eugnomósine.

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