O primeiro discute-se assim. – Parece que podemos vender uma coisa por mais do que ela vale.
1. – Pois, o justo, nas comutações humanas, é determinado pelas leis civis. Ora, elas permitem que comprador e vendedor mutuamente se enganem; o que se dá quando o vendedor vende a coisa por mais do que vale, e o comprador, por menos. Logo, é lícito vender uma coisa por mais do que ela vale.
2. Demais. – O que é comum a todos parece que é natural e que não é pecado. Ora, como refere Agostinho: foi aplaudido por todos o dito de um certo comediante: Quereis comprar por vil preço e vender caro. Com o que concorda o dito da Escritura: Isto não vale nada, isto não vale nada, diz todo o comprador e depois de se retirar ele então se gloriará. Logo, é lícito vender uma coisa mais caro e comprá-la mais barato do que ela vale.
3. Demais. – Não parecer ser ilícito fazer numa convenção, o que deve feito segundo às exigências da honestidade. Ora, segundo o Filosofo, na amizade por utilidade deve se dar uma compensação equivalente à utilidade auferida por quem recebeu o benefício. E essa compensação às vezes excede o valor da coisa dada; como acontece quando alguém necessita muito de uma coisa para evitar um perigo ou conseguir alguma vantagem. Logo, é lícito, no contrato de compra e venda, dar uma coisa por preço maior do que ela vale.
Mas, em contrário, a Escritura: Tudo o que vós quereis que vos façam os homens, fazei-o também vós a eles. Ora, ninguém quer que uma coisa lhe seja vendida mais cara do que vale. Logo, ninguém deve vender a outrem nada mais caro do que vale.
SOLUÇÃO. – Empregar fraude para vender uma coisa por mais do que o seu justo preço, é absolutamente pecado, porque enganamos o próximo causando-lhe dano. Por isso diz Túlio: Não devemos, pois, usar de nenhuma mentira ao fazer contratos, nem o vendedor nem o comprador devem fazer intervir um licitante que finja querer adquirir a causa.
Se, pois, não há fraude, então podemos tratar da compra e venda à dupla luz. - Primeiro em si mesmas. E então, elas foram inventadas para utilidade comum das duas partes, por precisar uma da coisa da outra e inversamente, como está claro no Filósofo. Ora, o que foi inventado para a utilidade comum não deve vir impor um gravame mais a um que a outro. Por isso devem fazer entre si um contrato baseado na igualdade da coisa. Ora, a quantidade das coisas que servem ao uso do homem mede-se pelo preço dado; para o que se inventou a moeda como diz Aristóteles. Portanto, se o preço exceder a quantidade do valor da coisa ou se, inversamente, a coisa exceder o preço, desaparece a igualdade da justiça. Por onde, vender mais caro ou comprar mais barato do que a coisa vale é em si mesmo injusto e ilícito.
De outro modo, podemos tratar da compra e venda enquanto acidentalmente dela resulta a utilidade de um e o detrimento de outro. Por exemplo, quando um tem grande necessidade de uma coisa e o outro fica lesado se for privado dela. E em tal caso o justo preço consistirá em se considerar não somente a coisa vendida, mas também o dano que pela venda sofre o vendedor. E então, pode licitamente uma coisa ser vendida por mais do que vale para o seu dono.
Quando porém o comprador tire grande vantagem da coisa comprada e o vendedor nenhum dano sofra por se ver privado dela, não lhe deve aumentar o preço. Porque a utilidade que acresce ao comprador não vem do vendedor, mas da condição do comprador. Pois, ninguém deve vender o que não é seu, embora possa vender o dano que sofreu. Contudo, o que tirou grande vantagem da coisa comprada pode espontaneamente dar algum dinheiro mais ao vendedor; o que será proceder com honestidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como já dissemos, a lei humana é feita para o povo, em que muitos são de virtude falha, e não é dada só para os virtuosos. Por onde, ela não pode proibir o que é contrário à virtude; bastandolhe fazê-lo relativamente ao que viria destruir a sociedade dos homens. E quanto ao mais, há de considerá-lo lícito, não pelo aprovar, mas pelo não punir. Por isso, tem como lícito, não cominando nenhuma pena, que o vendedor venda, sem fraude, o que é seu, por preço maior do que o seu valor, ou o comprador assim também o compre. Salvo se houver excessos; porque então a lei, embora humana, obriga a restituir; por exemplo, se alguém foi enganado em mais da metade do justo preço. A lei divina, porém não deixa impune nada do que é contra a virtude. Por onde, pela lei divina, considera-se ilícito não observar a igualdade da justiça na compra e venda. E então quem recebeu de mais está obrigado a recompensar o que ficou danificado, se o dano for considerável. O que assim digo por não ser o justo preço das coisas rigorosamente determinado, mas consistir antes numa certa estimativa tal, que um pequeno acréscimo ou uma pequena diminuição não basta para destruir a igualdade da justiça.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como no mesmo lugar diz Agostinho, o referido comediante, considerando-se a si mesmo, ou querendo experimentar os outros, acreditava ser comum a todos querer comprar barato e vender caro. Mas, como isso é sem dúvida nenhuma um vício, pode cada um alcançar a verdadeira justiça com que o resista e o vença. E dá o exemplo de um certo, que pagou o justo preço de um livro, podendo, por ignorância do vendedor, pagar um preço inferior. Por onde, é claro que esse desejo geral não é natural, mas, vicioso; e por isso é comum aos muitos, que trilham a larga estrada dos vícios.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Na justiça comutativa considera-se principalmente a igualdade da coisa. Mas, na amizade por utilidade leva-se em conta a equivalência desta. Por isso, deve-se dar uma recompensa conforme à utilidade auferida. Na compra, porém, conforme à igualdade da coisa. substancial a venda de uma coisa não se torna ilícita. Por exemplo, se alguém vende prata ou ouro alquímicos por verdadeiros, que, tanto quanto estes, servem para todas as utilidades humanas, como vasos e utensílios semelhantes. Logo, muito menos será ilícita a venda se houver defeito nos outros atríbutos.
2. Demais. – O defeito na quantidade da coisa parece sobretudo contrário à justiça, que consiste numa igualdade. Ora, a quantidade se conhece pela medida. Mas, as medidas das coisas que servem ao uso humano não são determinadas, sendo, umas maiores e outras, menores, como está claro no Filósofo. Logo, não se podem evitar os defeitos da coisa vendida. Por onde, parece que, por causa deles, a venda não se torna ilícita.
3. Demais. – É um defeito da causa vendida o não ter a qualidade conveniente. Ora, para conhecermos a qualidade de uma causa é necessária grande ciência, que falta ao maior número dos vendedores. Logo, a venda não se torna ilícita por causa de um defeito da coisa.
Mas, em contrário, Ambrósio: A regra da justiça é manifesta e dela não pode desviar-se o varão bom, nem causar injustamente dano a outrem, nem viciar pelo dolo o que é seu.
SOLUÇÃO. – Numa coisa à venda podemos distinguir tríplice defeito. - Um diz-lhe respeito à espécie, o qual, se o vendedor o reconhecer na coisa que vai vender, faz venda fraudulenta que, por isso, se torna ilícita. E é isto o que a Escritura diz de certos: A tua prata se mudou em escória, o teu vinho se misturou com água. Pois, o que é misturado tem um defeito específico. Outro defeito é o - quantitativo, conhecido pela medida. Por onde, quem usa cientemente de uma medida deficiente, ao vender, comete fraude e a venda é ilícita. Donde o dizer a Escritura: Não terás no teu saco diversos pesos, maior e menor; nem haverá em tua casa um alqueire maior e outro mais pequeno. E a seguir acrescenta: Porque o Senhor abomina ao que faz estas causas e aborrece toda injustiça. - O terceiro defeito diz respeito à qualidade; por exemplo, se se vender um animal enfermo por são. Quem o fizer cientemente comete fraude na venda, sendo portanto esta ilícita.
Ora, em todos esses casos além de pecar, quem fizer uma venda injusta está ainda obrigado a restituir. Se, porém houver na coisa vendida um dos referidos defeitos, com ignorância do vendedor, este não peca, por cometer uma injustiça material, nem o seu ato é injusto, como do sobredito resulta: Mas, quando o souber, está obrigado a reparar o dano causado ao comprador.
E o que foi dito do vendedor também se deve entender do comprador. Pois, pode acontecer que aquele tenha a sua coisa por especificamente menos preciosa, como no caso de quem vende ouro por latão. O que, se o comprador o souber, compra injustamente e está obrigado a restituir. E o mesmo se deve dizer do defeito qualitativo e quantitativo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O ouro e a prata não são caros só pela utilidade dos vasos ou outros objetos que deles se fabricam, mas também pela valia e pureza das suas substâncias. Portanto, se o ouro ou a prata feitas pelos alquímicos não sejam específicamente verdadeiros, a venda será fraudulenta e injusta. - Sobretudo que há certas utilidades do ouro e da prata verdadeiros, pelo modo natural de atuarem, que não convêm ao ouro falsificado pela alquimia. Tal a propriedade de causar alegria e de servir de remédio a determinadas doenças. Também a ação do ouro verdadeiro dura mais e permanece mais longamente na sua pureza, do que o ouro falsificado. Se porém a alquimia fizer ouro verdadeiro não será ilícito vendê-lo por tal; pois, nada impede a arte usar de certas causas naturais para produzir efeitos naturais e verdadeiros, como diz Agostinho: a respeito dos produtos da arte dos demônios.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As medidas das coisas venais hão de necessariamente variar com a diversidades dos lugares, por causa da diversidade da abundância e da carência das coisas. Assim, onde estas são mais abundantes costumam ser maiores as medidas. Ao governador de cada cidade porém compete determinar as medidas justas das coisas venais, pesadas as circunstâncias de lugar e das coisas. Por onde, não é lícito abandonar essas medidas instituídas pela autoridade pública ou pelo costume.
RSPOSTA À TERCEIRA. – Como diz Agostinho, o preço das coisas venais não é considerado pelo grau de natureza, pois, às vezes, um cavalo é vendido mais caro que um escravo; mas, pela utilidade que oferecem ao homem. Por onde, não é necessário o vendedor ou o comprador conhecer as qualidades ocultas das coisas vendidas, mas só as que as tornam acomodadas ao uso humano. Por exemplo, um cavalo há de ser forte e correr bem, e assim por diante. Ora, tais qualidades o vendedor e o comprador podem reconhecê-las facilmente.