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Artigo 1 - Se é lícito amaldiçoar a outrem.

O primeiro discute-se assim. – Parece que não é lícito amaldiçoar a ninguém.

1. – Pois, não é lícito transgredir o mandamento do Apóstolo, pelo qual falava Cristo. Ora, ele ordena: Abençoai aos que vos amaldiçoam. Logo, não é lícito amaldiçoar ninguém.

2. Demais. – Todos estão obrigados a bendizer a Deus, conforme aquilo da Escritura. Filhos dos homens, bendizei ao Senhor. Ora, como diz ainda a Escritura, uma mesma boca não pode bem dizer a Deus e amaldiçoar o homem. Logo, não é lícito amaldiçoar ninguém.

3. Demais. – Quem amaldiçoa a outrem parece desejar-lhe o mal da culpa ou o da pena, porque a maldição é uma espécie de imprecação. Ora, não é lícito desejar o mal de ninguém; ao contrário, devemos orar por todos para que se livrem do mal. Logo, não é lícito amaldiçoar ninguém.

4. Demais. – O diabo pela sua obstinação é o ser mais sujeito à malícia. Ora, não é lícito a ninguém amaldiçoar o diabo como não o é amaldiçoar a si mesmo, segundo à Escritura. Quando o impie amaldiçoa ao diabo, amaldiçoa ele mesmo a sua alma. Logo, com maior razão, não é lícito amaldiçoar a outrem.

5. Demais. – Aquilo da Escritura: - Como amaldiçoarei eu a quem Deus não amaldiçou ­ diz a glosa: Não pode haver causa justa de amaldiçoar quando se ignoram os sentimentos do pecador. Ora, ninguém pode conhecer os afetos de outrem nem se este é amaldiçoado de Deus. Logo, a ninguém é lícito amaldiçoar a outrem.

Mas, em contrário, a Escritura: Maldito o que não permanece firme nas ordenações desta lei. E também Eliseu amaldiçoou os meninos que dele escarneciam.

SOLUÇÃO. – Amaldiçoar é o mesmo que dizer mal. Ora, dizer implica tríplice relação com o que é dito. - A primeira está no modo de enunciar, como quando exprimimos alguma coisa no modo indicativo. E então amaldiçoar não é senão dizer mal de outrem, o que é próprio da detração; e por isso os que amaldiçoam são às vezes chamados detratores. - A segunda relação é a modo de causa. E esta, primária e principalmente é própria de Deus, que fez tudo com a sua palavra, segundo àquilo da Escritura. Porque ele disse e foram feitas as coisas. E por consequência também é própria dos homens, que, com a sua palavra, movem os outros, mandando-os fazer alguma coisa; sendo para isso que se empregam os verbos no modo imperativo. - A terceira é uma como expressão do sentimento que deseja o expresso pela palavra. E para isso empregam-se os verbos no modo optativo.

Deixando, pois, de lado o primeiro modo de amaldiçoar, pela simples enunciação do mal, consideremos os dois outros. E em relação a eles devemos saber que fazer e querer uma coisa são dois atos ligados entre si, tanto na bondade como na malícia, conforme do sobredito resulta. Por onde, no atinente a esses dois modos, pelos quais dizemos o mal imperativa e optativamente, pela mesma razão o que é lícito é também ilícito. Assim, mandar ou desejar o mal de outrem, enquanto mal, visando-o por assim dizer, em si mesmo, de ambos esses modos amaldiçoar será ilícito. E é isso o que se chama amaldiçoar propriamente falando. Mas será lícito mandar ou desejar o mal alheio, que nos aparece como bem. Nem haverá então propriamente falando maldição, mas só por acidente; porque a intenção principal de quem fala não visa o mal, mas, o bem.

Ora, podemos, mandando ou desejando, dizer um mal, em razão de duplo bem. - Assim, umas vezes, por uma razão de justiça; então, o juiz pode licitamente amaldiçoar aquele contra quem mandou aplicar uma pena justa. E nesse sentido também a Igreja amaldiçoa anatematizando; assim como os profetas, na Escritura, às vezes imprecam o mal contra os pecadores, como que conformando a sua vontade com a justiça divina. Embora tais imprecações possam também entender-se como prenúncios. Outras vezes porém um mal é dito por uma razão de utilidade; por exemplo, quando desejamos que um pecador sofra uma doença ou se lhe ponha algum obstáculo, ou se torne melhor, ou ao menos cesse de causar dano aos outros.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O Apóstolo proíbe amaldiçoar em sentido próprio, visando o mal.

E o mesmo devemos RESPONDER À SEGUNDA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Desejar mal a outrem em razão de um bem, não contraria o sentimento pelo qual propriamente falando lhe desejamos o bem; antes, é conforme a esse sentimento.

RESPOSTA À QUARTA. – No diabo devemos considerar a natureza e a culpa. A sua natureza é boa e provém de Deus, nem é lícito amaldiçoá-la; devemos porém amaldiçoar-lhe a culpa, conforme aquilo da Escritura. Amaldiçoem-na aqueles que amaldiçoam o dia. Ora, o pecador, amaldiçoando o diabo por causa da culpa, pela mesma razão julga-se a si mesmo digno de maldição. E neste sentido se diz que amaldiçoa a sua alma.

RESPOSTA À QUINTA. – O sentimento do pecador, embora em si mesmo não o vejamos, podemos contudo percebê-lo por meio de algum pecado manifesto, ao qual deve ser infligida uma pena. Semelhantemente, embora não possamos saber quem Deus amaldiçoará na reprovação final, podemos contudo saber quem é maldito por ele, pelo reato da culpa presente.

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