O terceiro discute-se assim. – Parece que a detração é mais grave que todos os pecados cometidos contra o próximo.
1. – Pois, aquilo da Escritura. - Em vez de amar-me diziam mal de mim. - diz a Glosa: Causam maior dano os que dizendo mal de Cristo nos seus membros, matam as almas dos que hão de crer, do que aqueles que lhe; mataram a carne que em breve deveria ressurgir. Donde se conclui, que a detração é mais grave pecado que o homicídio, tanto quanto mais grave é matar a alma que matar o corpo. Ora, o homicídio é o mais grave dos pecados cometidos contra o próximo. Logo, a detração é, absolutamente falando, de todos os pecados o mais grave.
2. Demais. – Parece que a detração é mais grave pecado que a contumélia; pois, esta podemos repeli-la, e não aquela, que se esconde. Ora, parece ser a contumélia maior pecado que o adultério, pois, ao passo que este une dois numa só carne, a contumélia divide os unidos, em muitas partes. Logo, a detração é maior pecado que o adultério, o qual é de grande gravidade entre os pecados cometidos contra o próximo.
3. Demais. – A contumélia nasce da ira; e a detração, da inveja, como está claro em Gregório. Ora, a inveja é maior pecado que a ira. Logo, também a detração, é maior pecado que a contumélia. Donde se conclui o mesmo que antes.
4. Demais. – Um pecado é tanto mais grave quanto maior é o mal que produz. Ora, a detração produz a cegueira da mente, sumo mal. Pois, diz Gregório. Que outra coisa fazem os detratores senão soprarem o pó e encherem os olhos de terra, de modo que quanto mais espalham a detração, mais perdem de vista a verdade? Logo, a detração é o gravíssimo dos pecados cometidos contra o próximo.
Mas, em contrário. – É mais grave pecar pois atos do que por palavras. Ora, a detração é pecado de palavras, ao passo que o adultério, o homicídio e o furto são no de atos. Logo, a detração não é mais grave que os outros pecados cometidos contra o próximo.
SOLUÇÃO. – Os pecados cometidos contra o próximo devem ser considerados em si mesmos, conforme o dano que lhe causam, pois, por isso é que são culposos. E, um dano é tanto maior quanto maior é o dom de que priva. Ora, o bem do homem é tríplice, a saber, o da alma, o do corpo e o das coisas externas. Ora, do bem da alma, que é o máximo, os outros não nos podem privar senão ocasionalmente, por exemplo, pela má persuasão, que não impõe necessidade. Os outros dois bens, porém, o do corpo e o das coisas externas, podemos ser violentamente deles privados. Mas, tendo o bem do corpo preeminência sobre o das coisas externas, mais graves são os pecados que causam dano ao corpo, que os que o causam às coisas externas. Por onde, entre os demais pecados cometidos contra o próximo, o homicídio é o mais grave por privá-lo da vida que atualmente tem. Em seguida vem o adultério, contrário à ordem devida da geração humana, que nos introduz na vida. E por fim veem os bens externos. E, neles a boa reputação tem preeminência sobre as riquezas, por aproximar mais dos bens espirituais; donde o dito da Escritura. Mais vale o bom nome que muitas riquezas. Por onde, a detração é genericamente maior pecado que o furto; menor porém que o homicídio ou o adultério. - Pode, contudo, haver outra ordem por força das circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Mas, por acidente, a gravidade do pecado é considerada em relação ao pecador, que peca mais gravemente se o fizer por deliberação do que se pecar por fraqueza ou incautela. E, a esta luz, os pecados por palavras tem uma certa levidade, por provirem facilmente de um lapso da língua, sem grande premeditação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os que detraem de Cristo, opondo obstáculos, à fé dos seus membros, ultrajam-lhe a divindade, fundamento da fé. Por isso não proferem uma simples detração, mas, uma blasfêmia.
RESPOSTA À SEGUNDA. – É mais grave pecado a contumélia que a detração, por importar em maior desprezo do próximo; assim como a rapina é mais grave pecado que o furto, como já dissemos. Mas, a contumélia não é mais grave pecado que o adultério. Pois, a gravidade deste não é considerada relativamente à conjunção dos corpos, mas à desordem que introduz na geração humana. Quanto ao contumelioso, ele não é causa suficiente da inimizade que nascem nos outros, mas só ocasionalmente divide os unidos, enquanto que, publicando os males de outrem, separa os demais, quanto lhe é possível, da amizade dele, embora esses não sejam forçados a fazê-lo pelas palavras contumeliosas. Assim, também o detrator é ocasionalmente homicida, por dar a outrem, com as suas palavras, ocasião de odiar ou desprezar o próximo. Por isso, na epístola de Clemente se diz, que os detratores são homicidas, a saber, ocasionalmente, pois, no dizer da Escritura, todo o que tem ódio a seu irmão é um homicida.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A ira procura: vingar-se abertamente, diz o Filósofo. Por onde, a detração, que é oculta, não é filha da ira, como a contumélia; mas antes, da inveja que busca de algum modo diminuir a glória do próximo. Nem daí resulta que a detração seja mais grave pecado que a contumélia, porque de um vício menor pode nascer um pecado maior, assim como da ira nasce o homicídio e a blasfêmia. Ora, a origem dos pecados se considera relativamente à inclinação para o fim, o que implica movimento de conversão para um objeto. Ao passo que a gravidade do pecado depende antes da aversão desse objeto.
RESPOSTA À QUARTA. – Como o homem se alegra na sentença da sua boca, daí vem que quem detrai põe-se logo a amar e a crer o que diz e, por consequência, a odiar mais e mais o próximo, afastando-se assim cada vez mais da verdade. Contudo, este efeito pode também resultar dos outros pecados que implicam ódio ao próximo.