O primeiro discute-se assim. – Parece que o advogado está obrigado a patrocinar a causa dos pobres.
1. – Pois, diz a Escritura: Se vires o jumento daquele que te tem ódio caído debaixo da carga, não passarás adiante, mas ajudá-lo-ás a levantá-lo. Ora, o perigo iminente do pobre, cuja causa é vítima de injustiça, não é menor que o do seu jumento caído debaixo da carga. Logo, o advogado está obrigado a patrocinar a causa dos pobres.
2. Demais. – Gregório diz: Quem tem inteligência não vá de nenhum modo a ficar calado; quem vive na abundância de bens não deixe de exercer a misericórdia; quem tem uma ciência pela qual se dirige aplique com o próximo o uso da mesma; a quem se oferece ocasião de falar com os ricos, interceda pelos pobres; pois, será considerado como talento o que recebemos, ainda em grau mínimo.
3. Demais. – O preceito de praticar as obras de misericórdia, sendo afirmativo, obriga em qualquer lugar e tempo, sobretudo em caso de necessidade. Ora, parece que o caso é de necessidade quando à causa do pobre se nega justiça. Logo, em tal caso parece obrigado o advogado a patrocinar a causa dos pobres.
Mas, em contrário, a necessidade do que precisa de comida não é menor que a de quem precisa de advogado. Ora, quem tem a faculdade de dar comida nem sempre a tem de a dar ao pobre. Logo, também o advogado não está sempre obrigado a patrocinar a causa dos pobres.
SOLUÇÃO. – Patrocinar a causa dos pobres, sendo uma obra de misericórdia, devemos aqui dizer o mesmo que dissemos sobre as outras obras de misericórdia. Pois, não há ninguém capaz de exercer tais obras para com todos o que delas necessitam. Por isso diz Agostinho: Já que não podes socorrer a todos, deves procurar fazê-lo, sobretudo para com aqueles que, conforme às oportunidades de lugar, de tempo ou de quaisquer outras circunstâncias, estão, como que por sorte, mais achegados a ti. Diz - conforme à oportunidade de lugar, porque ninguém está obrigado a correr mundo à procura de necessitados a quem socorra; bastando que exerça a obra de misericórdia aos que se lhe apresentarem. Donde o dito da Escritura se encontrares o boi do teu inimigo ou o seu jumento desgarrados, leva-lhos. Mas acrescenta: de tempo, porque não estamos obrigados a prover às necessidades futuras de outrem, bastando socorrermos à necessidade presente. Por isso, diz a Escritura: Quem vir o seu irmão ter necessidade e lhe fechar as suas entranhas, como está nele a caridade de Deus? E enfim acrescenta - ou de quaisquer outras circunstâncias, porque devemos socorrer sobretudo, a qualquer necessidade dos que nos são mais chegados, conforme aquilo do Apóstolo: Se algum não tem cuidado dos seus e principalmente dos da sua casa, esse negou a fé.
Mas, concorrendo todas essas circunstâncias restam ainda considerar o caso de quem padeça tão grande necessidade, que não vejamos prontamente como seja possível socorrê-lo de outro modo; e em tal caso estamos obrigados a praticar para com ele a obra de misericórdia. Se porém facilmente descobrirmos um meio de podermos socorrê-lo, quer por nós mesmos, quer por outra pessoa mais chegada ou mais capaz de o fazer, não estamos obrigados a socorrer ao necessitado de modo a pecarmos se não o fizermos; embora procedamos louvavelmente se o fizermos, sem tal obrigação.
Por onde, o advogado não está sempre obrigado a patrocinar a causa dos pobres, mas, só quando concorrerem as circunstâncias referidas. Do contrário seria preciso, preterirmos todas as outras ocupações e nos empregarmos em patrocinar as causas dos pobres. - E o mesmo devemos dizer do médico, quanto a curar-lhes as doenças.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quando o jumento caiu debaixo da carga, não é possível em tal caso socorrê-lo de outro modo senão ajuntando-lhe; várias pessoas para tal fim, que por isso estão obrigadas a fazê-lo. Mas não o estariam se se lhe pudesse remediar de outro modo.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Estamos obrigados a dispensar utilmente os talentos que nos foram confiados, observadas as oportunidades de lugar, de tempo e demais circunstâncias, como dissemos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Não é qualquer necessidade que nos impõe o dever de prestar socorro, mas só a que foi referida.