O primeiro discute-se assim. – Parece que podemos julgar justamente quem de nós não depende.
1. – Pois, diz a Escritura que Daniel condenou, pelo seu juízo, os velhos, acusados de falso testemunho. Ora, esses velhos não eram dependentes de Daniel; ao contrário, eram juízes do povo. Logo, podemos julgar justamente quem de nós não depende.
2. Demais. – Cristo não dependia de nenhum homem; antes, era Rei dos reis e Senhor dos que mandam. Ora, ele se entregou ao juízo dos homens. Logo, parece que podemos licitamente julgar a quem não depende de nós.
3. Demais. – Segundo o direito, conforme a natureza do delito, assim é o foro que deve julgar o delinquente. Ora, às vezes, o delinquente não depende do juiz que preside ao foro do lugar do delito; por exemplo, quando o delinquente é de outra diocese ou é isento. Logo, parece que podemos julgar aquele que não depende de nós.
Mas, em contrário, aquilo da Escritura - Se entrares na seara, etc. - Gregório diz: Não poderás meter a foice do juiz na seara pertencente a outro.
SOLUÇÃO. – A sentença do juiz é uma como lei particular aplicada a um fato particular. E portanto, assim como a lei geral deve ter força coativa, como claramente diz o Filósofo; assim também a sentença do juiz deve ter força coativa para obrigar ambas as partes a lhe obedecerem; do contrário ela não seria eficaz. Ora, na ordem das coisas humanas, só tem poder coativo, licitamente, os que estão investidos da autoridade pública, e que se reputam superiores daqueles sobre os quais tem poder, quer ordinário, quer em virtude de uma comissão. Por onde, é manifesto que ninguém pode julgar, quer por comissão, quer por poder ordinário, senão quem lhe está sujeito.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O poder que Daniel recebeu de julgar os referidos velhos foi-lhe como que cometido por inspiração divina; o que a Escritura significa pelas palavras do lugar aduzido: Suscitou o Senhor o espírito de um moço ainda menino.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Na ordem das coisas humanas, podemos espontaneamente nos sujeitar ao juízo dos outros embora não sejam nossos superiores; como claramente é o caso dos que se sujeitam ao arbítrio de outrem. Donde, a necessidade de ser o arbítrio sancionado por uma pena; porque os árbitros que não são superiores não tem por si mesmos pleno poder coercitivo. E assim também Cristo por vontade própria se sujeitou ao juízo humano; assim como também o Papa Leão (IV) sujeitou-se ao juízo do imperador.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O bispo, em cuja diocese alguém delinque, torna-se o superior do delinquente, mesmo se for isento, em razão do delito. Salvo se delinquir em matéria objeto de isenção, por exemplo, na administração dos bens de um mosteiro isento. Mas, o isento que cometer um furto, um homicídio, ou um crime desse gênero, pode ser condenado justamente pelo ordinário.