O terceiro discute-se assim. – Parece que o juízo fundado numa suspeita não é ilícito.
1. – Pois, a suspeita é uma opinião incerta relativa a um certo mal; e, por isso, o Filósofo diz que a suspeita pode recair tanto sobre o verdadeiro como sobre o falso. Ora, dos fatos particulares contingentes só podemos ter uma opinião incerta. Por onde, versando os nossos juízos sobre os atos humanos, particulares e contingentes, parece que nenhum juízo seria lícito se não fosse permitido julgar por suspeitas.
2. Demais. – Com um juízo ilícito fazemos uma injúria ao próximo. Ora, a má suspeita consiste só na opinião humana e, assim, parece não implicar injúria contra outrem. Logo, o juízo da suspeita não é ilícito.
3. Demais. – Sendo ilícito; o juízo fundado numa suspeita há de forçosamente reduzir-se à injustiça, pois, o juízo é um ato de justiça, como se disse (a. 1). Ora, a injustiça é genericamente sempre um pecado mortal, como já se estabeleceu. Logo, o juízo fundado numa suspeita seria sempre pecado mortal, se fosse ilícito. Ora, isto é falso, porque não podemos evitar as suspeitas, como diz Agostinho aquilo da Escritura - Não julgueis antes do tempo. Logo, parece que o juízo fundado numa suspeita não é ilícito.
Mas, em contrario, àquilo do Evangelho - Não queirais julgar - diz Crisóstomo: O Senhor, com este mandamento, não proíbe os cristãos corrigirem os outros com benevolência; mas, que cristãos, jactando-se da sua justiça, não desprezem cristãos, odiando e condenando os outros, no mais das vezes, por simples suspeitas.
SOLUÇÃO. – Como diz Túlio, a suspeita implica a opinião do mal, fundada em leves indícios. E isto pode dar-se por três razões. - Primeiro, porque, sendo maus, em nós mesmos, facilmente opinamos mal dos outros, por estarmos como que cônscio; da nossa malícia, conforme aquilo da Escritura: O insensato que vai pelo caminho, sendo ele um insipiente, a todos reputa por insensatos. - Segundo, porque somos mal afeiçoados para com outrem. Pois, odiando-o ou desprezando-o, ou tirando-nos contra ele e invejando-o, pensamos mal do mesmo, fundados em leves indícios. Porque cada um facilmente crê o que deseja. - Terceiro, por causa da longa experiência; por isso, diz o Filósofo, que os velhos são suspeitosos, por excelência, porque muitas vezes experimentaram os defeitos dos outros.
Ora, as duas primeiras causas da suspeita implicam manifestamente a perversidade do afeto. A terceira causa, porém, diminui a suspeita, na sua natureza mesma, porque a experiência nos conduz à certeza que é contra a natureza da referida suspeita. Por onde, a suspeita implica em certo vício e, quanto mais suspeita é, tanto mais é viciosa. Ora, há um tríplice grau de suspeita. - O primeiro consiste em começarmos a duvidar, por leves indícios, da bondade de outrem. E este é pecado venial e leve; pois, é próprio da tentação humana, sem a qual não podemos atravessar esta vida, como diz a Glosa aquilo do Apóstolo: Não julgueis antes do tempo. - O segundo grau consiste em julgarmos como certa a malícia de outrem, fundados em leves indícios. E isto, se for em matéria grave, é pecado mortal, porque não vai sem o desprezo do próximo. Donde o acrescentar a Glosa, no mesmo lugar: Embora, pois, não possamos evitar as suspeitas por sermos homens, devemos contudo reprimir os nossos juízos, isto é, as sentenças definitivas e firmes. O terceiro grau é quando um juiz é levado, por suspeitas, a condenar alguém. E isto diretamente implica uma injustiça e, portanto, é pecado mortal.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Há uma determinada certeza nos atos humanos, não, claro, como a das ciências demonstrativas, mas a que convim a essa matéria, como a temos, por exemplo, quando provamos fundados em testemunhas idôneas.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O fato mesmo de formarmos má opinião de outrem, sem causa suficiente, implica em desprezá-lo gratuitamente. E, portanto, em injuriá-lo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça e a injustiça versam sobre os atos exteriores, como se disse. Por, isso, o juízo suspeitoso implica diretamente a injustiça, quando se manifesta por um ato exterior. E, então, é pecado mortal, como se disse. O juízo interno, porém, implica a injustiça enquanto comparado ao juízo externo, como o ato interior, com o exterior; assim, a concupiscência com a fornicação e a ira, com o homicídio.