O primeiro discute-se assim. – Parece que a justiça não é uma virtude.
1. – Pois, diz o Evangelho: Depois de terdes feito tudo o que vos foi mandado, dizei: Somos uns servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer. Ora, não é inútil praticar obras de justiça, porquanto, diz Ambrósio. Não consideramos como útil o ganho de uma soma de dinheiro, mas, antes, a aquisição da piedade. Logo, o fazer alguém o que deve não é obra de virtude. Ora, é obra de justiça, e, portanto, a justiça não é virtude.
2. Demais. – O que se faz necessariamente não é meritório. Ora, é de necessidade dar a cada um, o que lhe pertence, obra de justiça. Logo, não é meritório. Ora, nós merecemos pelos atos de virtude. Portanto, a justiça não é uma virtude.
3. Demais. – Toda virtude moral tem por objeto uma ação. Ora, o que não existe exteriormente não é uma ação, mas, um produto da arte, como está claro no Filósofo. Mas, sendo próprio da justiça fazer alguma obra exterior, justa em si mesma, resulta que a justiça não é uma virtude moral.
Mas, em contrário, Gregório diz que a estrutura completa das boas obras resulta das quatro virtudes, a saber, a temperança, a prudência, a fortaleza e a justiça.
SOLUÇÃO. – A virtude humana torna bom o ato humano e o agente que o pratica, o que é próprio da justiça. Pois, os atos humanos são bons por se sujeitarem à regra da razão, que os retifica. Por onde, a justiça, retificando as ações humanas, é claro que as torna boas. E, como diz Túlio, por causa da sua justiça é que certos homens se chamam bons. Por onde, como diz no mesmo lugar, nela é máximo o esplendor da virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem faz o que deve não dá nenhum lucro aquele para com quem assim agiu, mas, somente se absteve de lhe causar dano. Fez, porém, algo de útil para si mesmo, por ter feito com vontade espontânea e pronta o que devia: o que é proceder virtuosamente. Donde o dizer a Escritura: A sabedoria de Deus ensina a temperança e a justiça, a prudência e a fortaleza, que é o mais útil que há na vida para os homens, isto é, aos virtuosos.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Há uma dupla necessidade. Uma, de coação. E esta, repugnando à vontade, elimina a ideia de mérito. Outra é a proveniente da obrigação imposta pelo preceito, isto é, a necessidade do fim; quando, por exemplo, não podemos conseguir o fim da virtude, se não o fizermos. E tal necessidade não exclui a ideia do mérito, por fazermos voluntariamente o que é assim necessário. Exclui, porém, a glória da superrogação, conforme àquilo da Escritura: Se prego o Evangelho, não tenho de que gloriar-me; pois me é imposta essa obrigação.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A justiça não tem por objeto as coisas exteriores, pelas fazer, o que é próprio da arte; mas, pelas usar, nas suas relações com outrem.