O quarto discute-se assim. – Parece que a misericórdia é a máxima das virtudes.
1. – Pois, à virtude é próprio, por excelência, o culto divino. Ora, a misericórdia tem preferência sobre o culto divino, conforme um lugar de Oséas e outro do Evangelho. Misericórdia quero e não sacrifício. Logo, a misericórdia é a máxima virtude.
2. Demais. – Àquilo do Apóstolo. - A piedade para tudo é útil - diz a Glosa: A máxima disciplina cristã esta na misericórdia e na piedade. Ora, a disciplina cristã contém todas as virtudes. Logo, a máxima virtude é a misericórdia.
3. Demais. – A virtude torna bom aquele que a tem. Logo, uma virtude será tanto melhor, quanto mais tornar o homem semelhante a Deus; porque tanto melhor ele é quanto mais se assemelhar a Deus. Ora, isto é por excelência resultado da misericórdia, pois de Deus diz a Escritura: as suas misericórdias são sobre todas as suas obras; e, no Evangelho o Senhor diz: Sede misericordiosos como também vosso pai é misericordioso, Logo, a misericórdia é a máxima virtude.
Mas, em contrário, o Apóstolo, depois de ter dito: Vós, como escolhidos de Deus, revesti-vos de entranhas de misericórdia, etc., acrescenta sobre tudo isto, revesti-vos de caridade. Logo, a misericórdia não é a máxima virtude.
SOLUÇÃO. – Uma virtude pode ser máxima de dois modos: em si mesma considerada, e em relação ao seu sujeito. Ora, em si mesma, a misericórdia é máxima. Pois é lhe próprio repartir-se com os outros; e o que é mais, remediar-lhes as necessidades. Ora, isto é peculiar ao que é eminentemente superior. Por isso dizemos que ter misericórdia é próprio de Deus, e por aí se lhe ela manifesta eminentemente. - Mas, quanto ao seu sujeito, a misericórdia não é a virtude máxima, salvo se esse sujeito for supremo, sem ninguém acima de si, e todos, abaixo. Pois, quem tem superior é lhe melhor estar unido com ele do que remediar às necessidades do inferior. Por onde, para o homem, que tem Deus como superior, a caridade, pela qual se une com ele, tem prioridade sobre a misericórdia, que remedia as necessidades do próximo. Mas dentre todas as virtudes concernentes ao próximo, a mais principal é a misericórdia; assim como também o seu ato é mais importante; pois, remediar às necessidades de outrem, como tal, é próprio de quem é superior e melhor.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nós não adoramos a Deus, fazendo-lhe sacrifícios externos ou oferendas, por que Deus disso precise, mas por nossa causa o do próximo. Pois, Deus embora não precise dos nossos sacrifícios, quer que lhes ofereçamos por devoção nossa e para utilidade do próximo. Por onde, a misericórdia, pela qual remediamos às necessidades dos outros, é o sacrifício mais agradável a Deus, por satisfazer mais imediatamente à utilidade do próximo, conforme aquilo da Escritura. Não vos esqueçais de fazer bem e de repartir dos vossos bens com os outros; porque com tais oferendas é que Deus se dá por obrigado.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A religião cristã consiste eminentemente na misericórdia, quanto às obras externas. Contudo, o afeto interior da caridade, pelo qual nos unimos com Deus, prepondera sobre o amor e a misericórdia para com o próximo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela caridade nós nos assemelhamos com Deus, que nos leva à união com ele pelo afeto. E por isso, prepondera sobre a misericórdia, que nos assemelha com Deus por semelhança no agir.