O primeiro discute-se assim. – Parece que a paz é o mesmo que a concórdia.
1. – Pois, como diz Agostinho, a paz dos homens é a concórdia ordenada. Ora, o de que agora se trata é da paz dos homens. Logo, a paz é o mesmo que a concórdia.
2. Demais. – A concórdia é uma união das vontades. Ora, a essência da paz consiste nessa união; pois, como diz Dionísio a paz une a todos e produz a concórdia. Logo, a paz é o mesmo que a concórdia.
3. Demais. – Coisas que tem o mesmo contrário são idênticas. Ora um mesmo contrário - a dissenção - se opõe à concórdia e à paz; donde o dizer a Escritura· Não é Deus de dissensão, senão de paz. Logo, a paz é o mesmo que a concórdia.
Mas, em contrário, pode haver concórdia de certos ímpios, no mal. Ora, para os ímpios não há paz, diz a Escritura. Logo, a paz não é o mesmo que a concórdia.
SOLUÇÃO. – A paz inclui a concórdia e lhe acrescenta algo. Logo, onde há paz há concórdia, mas nem sempre há concórdia onde há paz, se tomarmos este nome no seu sentido próprio. Pois, a concórdia, no sentido próprio, é sempre relativa a outrem; pois, ela faz as vontades de diversos corações convirem num mesmo consenso. Mas também pode se dar que a vontade de um mesmo homem tenda para objetos diversos; e isto, de dois modos. De um modo, quanto às diversas potências apetitivas assim, o apetite ensitivo muitas vezes busca o contrário do apetite racional, conforme aquilo da Escritura: A carne deseja contra o espírito. De outro modo, quando uma mesma potência apetitiva tende para diversos objetos desejáveis, que não podem ser obtidos simultaneamente. E portanto, há de necessariamente haver contrariedade entre os movimentos do apetite. Ora, unir esses movimentos pertence essencialmente à paz pois o homem ainda não tem o coração pacificado, enquanto, embora já tenha algo do que quer, ainda lhe resta a vontade de outra coisa, que não pode ter simultaneamente com a que já tem. Ora, operar essa união não pertence essencialmente à concórdia. Por onde, a concórdia implica a união dos diversos apetites dos que desejam; ao passo que a paz, além dessa união, implica também a união dos apetites de um mesmo homem.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Agostinho, no lugar citado, refere-se à paz entre um homem e outro. E a essa paz chama concórdia, não qualquer, mas, ordenada; isto é, enquanto que um homem concorda com outro relativamente ao que convém a ambos. Pois, se um concorda com outro, não por espontânea vontade, mas quase coagido pelo temor de um mal iminente, essa concórdia não é verdadeiramente paz, porque a ordem entre os que concordam não é observada, mas antes, é perturbada por uma causa que veio trazer o temor. E por isso Agostinho disse antes, que a paz é a tranquilidade da ordem, cuja tranquilidade consiste em todos os apetites sensitivos de um mesmo homem estarem em quietação.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Se um homem estiver de acordo com outro relativamente a um mesmo objeto, nem por isso o seu acordo implica união completa, se não estiverem também em mútuo consenso todos os movimentos apetitivos do mesmo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – À paz se opõe dupla dissensão: a de um homem para consigo mesmo, e a para com outro. Ora, à concórdia se opõe só esta segunda espécie de dissensão.