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Artigo 2 - Se amar, enquanto ato de caridade, difere da benevolência.

O segundo discute-se assim. – Parece que amar, enquanto ato de caridade, não difere da benevolência.

1 – Pois, como diz o Filósofo, amar é querer bem a alguém. Ora, isto é benevolência. Logo, o ato de caridade em nada difere da benevolência.

2. Demais. – O ato depende do mesmo sujeito a que pertence o hábito. Ora, o sujeito do hábito da caridade é a potência da vontade, como já se disse. Logo, também o ato de caridade é um ato da vontade. Ora, este ato não pode tender senão para o bem, como a benevolência. Portanto, o ato de caridade não difere da benevolência.

3. Demais – O Filósofo estabelece cinco condições para haver amizade. A primeira é querermos bem ao amigo; a segunda, que lhe queiramos a existência e a vida; a terceira, convivermos com ele; a quarta, elegermos as mesmas coisas que ele; a quinta, sofrermos e gozarmos com ele. Ora, as duas primeiras condições pertencem à benevolência. Logo, o primeiro ato de caridade é a benevolência.

Mas, em contrário, o Filósofo diz que a benevolência não é amizade nem amor, mas é o principio da amizade. Ora, a caridade é amizade, como já dissemos. Logo, a benevolência não é o mesmo que o amor, ato da caridade.

SOLUÇÃO. – Chama-se propriamente benevolência ao ato da vontade pelo qual queremos bem a outrem. Ora, esse ato de vontade difere do amor atual, tanto do existente no apetite sensitivo, como do existente no apetite intelectual, que é a vontade. - Pois, o amor existente no apetite sensitivo é uma paixão. Ora, toda paixão inclina com um certo ímpeto para o seu objeto. A paixão do amor, porém, é próprio não surgir subitamente, mas nascer da contemplação assídua do objeto amado. Por isso, o Filósofo, mostrando a diferença entre a benevolência e o amor-paixão, diz, que na benevolência não há expansão e apetite, isto é, nenhuma inclinação impetuosa, mas só pelo juízo da razão é que queremos bem a outrem. Semelhantemente, esse amor resulta de uma certa convivência, ao passo que a benevolência nasce, às vezes, repentinamente, como quando ao vermos dois pugilistas em luta, querermos que um vença o outro.- O amor, porém, cuja sede é o apetite intelectivo, também difere da benevolência. Pois, implica uma certa união fundada no afeto do amante para com o amado, enquanto considera a este como, de certo modo, unido a si ou a si pertencente, e por isso, move-se para ele. Ao passo que a benevolência é um ato simples da vontade, pelo qual queremos algum bem a outrem mesmo sem pressupor a predita união afetuosa com ele. ­ Assim, pois, o amor, enquanto ato da caridade, inclui por certo a benevolência; mas a dileção ou amor acrescenta a união do afeto. E por isso o Filósofo diz, no mesmo lugar, que a benevolência é o princípio da amizade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O Filósofo, no mesmo lugar, define o amar, sem incluir na definição a essência total desse ato, senão só algo de pertencente à essência, por onde se manifesta sobretudo o ato de amar.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O amor é ato da vontade tendente para o bem; mas implicando uma certa união com o amado, o que a benevolência não implica.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os elementos que o Filósofo enumera, no lugar citado, constituem a amizade, enquanto procedentes do amor que temos por nós mesmos, conforme aí mesmo o diz. De modo que façamos tudo quanto ele enumera, para com o amigo, como se fosse outro eu; o que se inclui na supradita união do afeto.

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