O duodécimo discute-se assim. – Parece que se enumeram inconvenientemente os quatro objetos que devemos amar com caridade Deus, o próximo, o nosso corpo e nós mesmos.
1. – Pois, como diz Agostinho quem não ama a Deus também não se ama a si mesmo. Logo, o amor de Deus inclui o de nós mesmos. Portanto, o amor de nós mesmos não difere do amor de Deus.
2. Demais. – A parte não se divide do todo, por oposição. Ora, o nosso corpo faz parte de nós. Logo, não deve ser considerado como algo diferente de nós e constituindo objeto de diferente amor.
3. Demais. – Como nós temos corpo, também o próximo o tem. Portanto; assim como o nosso amor para com o próximo difere do com que nos amamos a nós mesmos, assim o amor que temos pelo corpo do próximo deve diferir daquele com que amamos o nosso próprio corpo. Logo, não se distinguem convenientemente quatro objetos a serem amados com caridade.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Há quatro seres que devemos amar: um que nos é superior, e é Deus; outro, que somos nós mesmos; o terceiro está junto de nós, isto é, o próximo; o quarto, que nos é inferior, e é o nosso próprio corpo.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos, a amizade de caridade se funda na participação da felicidade. E essa participação implica um ser que é o princípio causador da felicidade e que é Deus; outro, diretamente participante dela, que é o homem e o anjo; o terceiro é aquele para o qual a felicidade deriva, por uma como redundância e é o corpo humano. Ora, o que influi a felicidade deve ser amado pela razão mesma de ser a causa dela. O ser participante da felicidade pode ser objeto de amor, de dois modos: ou por constituir um mesmo ser conosco, ou, por ser nosso associado na participação da felicidade. E a esta luz, dois seres há que devem ser amados com caridade; pois, nós a nós mesmos nos amamos, e o próximo.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As diversas relações entre o amante e os vários objetos amados causam razões diversas de amor. E assim como o homem que ama tem com Deus uma relação diversa da que tem para consigo mesmo, considera-se duplo o objeto do seu amor, por ser o amor de um a causa do amor do outro. E por isso, removido aquele, removido fica este.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O sujeito da caridade é o espírito racional, capaz de felicidade, que o corpo não pode alcançar diretamente, mas só por uma certa redundância. E por isso o homem, pelo espírito racional, que é o seu principal atributo, de um modo, ama-se com caridade e, de outro, o seu corpo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O homem ama a alma e o corpo do próximo em razão de uma certa co-participação da felicidade. E por isso, havendo só uma razão de amar ao próximo, o seu corpo não é considerado objeto especial de amor.