O nono discute-se assim. – Parece que a caridade exige necessariamente que manifestemos aos inimigos sinais ou efeitos da nossa amizade.
1. – Pois, diz a Escritura: Não amemos de palavra nem de língua, mas por obra e em verdade. Ora, amamos a alguém por obra manifestando-lhe os sinais e efeitos da nossa amizade. Logo, a caridade exige necessariamente que manifestemos aos inimigos esses mesmos sinais e efeitos.
2. Demais. – No Evangelho, o Senhor diz ao mesmo tempo: Amai a vossos inimigos; e: Fazei bem aos que vós tem ódio. Ora, a caridade exige necessariamente que amemos os inimigos. Logo, também exige que lhes façamos bem.
3. Demais. – Pela caridade amamos, não só a Deus, mas também ao próximo. Ora, Gregório diz: O amor de Deus não pode ser ocioso, pois, se existe, obra grandes coisas: e se recusa obrar, não é amor. Logo, a caridade que temos para com o próximo não pode existir sem produzir efeito. Ora, a caridade exige necessariamente que amemos todo próximo, mesmo sendo inimigo. Logo, necessariamente exige que manifestemos também aos inimigos os sinais e os efeitos do amor.
Mas, em contrário, aquilo do Evangelho. – Fazei bem aos que vós tem ódio - diz a Glosa: fazer bem aos inimigos é o cúmulo da perfeição. Ora, a caridade não exige necessariamente o que constitui a sua perfeição. Logo, não exige necessariamente que manifestemos aos inimigos sinais e efeitos de amor.
SOLUÇÃO. – Os efeitos e os sinais da caridade procedem do amor interno e a ele se proporcionam. Ora, amar, em nosso íntimo, o inimigo em geral, é absoluta e necessariamente exigido pelo preceito; em particular, porém, não absolutamente, mas, como preparação da alma, segundo já dissemos. Assim, pois, devemos dizer, sobre a manifestação externa do efeito e do sinal do amor, o seguinte. Há certos sinais ou benefícios do amor que manifestamos ao próximo em geral, como, quando oramos por todos os fiéis ou por todo o povo; ou quando fazemos um benefício a toda a comunidade. E tais benefícios ou sinais de amor o preceito exige necessariamente que os manifestemos aos inimigos. Pois, se não lhos manifestassemos isso implicaria a maldade da vingança, contra o que diz a Escritura: Não procures vinqar-te, nem te lembrarás das injúrias de teus concidadãos. Há outros benefícios, porém, ou sinais de amor que manifestamos particularmente a certas pessoas. E manifestar esses benefícios ou sinais de amor aos inimigos não é de necessidade para a salvação, senão só como preparação da alma, que lhes venha a prestar auxílio na premência da necessidade, conforme aquilo da Escritura: Se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe água para beber: Mas só por perfeição da caridade é que, fora da premência da necessidade, lhes faremos tais benefícios. Por essa perfeição, não só nos acautelamos, por não nos deixarmos vencer pelo mal, o que é de necessidade, mas também queremos vencer o mal como bem, o que é próprio da perfeição. Pois, em virtude desta, não só não nos deixamos levar do ódio, por causa de uma injúria que nos foi assacada, mas ainda, com os nossos benefícios, visamos atrair o inimigo ao nosso amor.
Donde se deduzem claras as RESPOSTAS ÀS OBJEÇÕES.