O quarto discute-se assim. – Parece que a caridade não é uma virtude especial.
1. – Pois, diz Jerônimo: Para completar breve e totalmente a definição da caridade, direi que é uma virtude pela qual amamos a Deus e ao próximo. E Agostinho: a virtude é a ordem do amor. Ora, nenhuma virtude especial entra na definição da virtude em geral. Logo, a caridade não é uma virtude especial.
2. Demais. – O que abrange todos os atos virtuosos não pode ser uma virtude especial. Ora, a caridade os abrange a todos, conforme aquilo da Escritura: A caridade é paciente, é benigna etc. Abrange mesmo todas as obras humanas, segundo ainda a Escritura: Todas as vossas obras sejam feitas em caridade. Logo, a caridade não é uma virtude especial.
3. Demais. – Os preceitos da lei correspondem aos atos das virtudes. Ora, Agostinho diz: é um mandamento geral o de amar; e uma proibição geral, a de não ceder à concupiscência. Logo, a caridade é uma virtude geral.
Mas, em contrário, o geral não pode entrar numa mesma divisão com o particular. Ora, a caridade entra na mesma divisão que a esperança e a fé, virtudes especiais, conforme a Escritura. Agora, pois permanecem a fé, a esperança, a caridade, estas três virtude. Logo, a caridade é uma virtude especial.
S0LUÇÃO. – Os atos e os hábitos especificam-se pelos seus objetos, como do sobredito resulta. Ora, o objeto próprio do amor é o bem, segundo estabelecemos. Por onde, onde há uma espécie determinada de bem há uma espécie determinada de amor. Ora, o bem divino, enquanto objeto da felicidade, é uma espécie determinada de bem. Logo, o amor de caridade, que é o amor desse bem, é um amor especial, e portanto a caridade é uma virtude especial.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A caridade entra na definição de todas as virtudes, não que se identifique essencialmente com elas, mas por, de certo modo, todas dependerem dela, como a seguir se dirá. Assim também a prudência entra na definição das virtudes morais, como se vê em Aristóteles, por dependerem elas da prudência.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A virtude ou a arte, a que pertence o fim último, domina as virtudes ou as artes a que pertencem os fins secundários; assim, a arte militar domina a equestre, como diz Aristóteles. Por onde, sendo o objeto da caridade o fim último da vida humana, isto é, a felicidade eterna, há de a caridade abranger, de modo imperativo, todos os atos da vida humana, e não porque seja a causa produtora imediata de todos os atos virtuosos.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O preceito de amar é considerado um mandamento geral, porque a ele, como ao fim, se reduzem todos os outros preceitos, conforme aquilo da Escritura. O fim do preceito é a caridade.