O segundo discute-se assim. – Parece que o desespero não pode existir sem a infidelidade.
1. – Pois, a certeza da esperança deriva da fé. Ora, permanecendo a causa, não desaparece o efeito. Logo, ninguém pode, sem perder a fé, perder, pelo desespero, a certeza da esperança,
2. Demais. – Antepor a culpa própria à bondade ou à misericórdia divina é negar a infinidade dessa divina misericórdia ou bondade. O que constitui a infidelidade. Ora, quem desespera antepõe a sua culpa à misericórdia ou à bondade divina, conforme aquilo da Escritura. O meu pecado é muito grande para eu poder alcançar perdão, Logo, todo aquele que desespera é infiel.
3. Demais. –- Todo aquele que incide numa heresia condenada é infiel. Ora, parece que quem desespera cai na heresia condenada dos Novacianos, que dizem não se remi tirem os pecados, depois do batismo. Logo, parece que todo aquele que desespera é infiel.
Mas, em contrário, a disparição de uma realidade posterior não acarreta a da anterior. Ora, a esperança é posterior à fé, orno já se disse. Logo, desaparecida a esperança, a fé pode continuar a existir. Portanto, nem todo o que desespera é infiel.
SOLUÇÃO. – A infidelidade pertence ao intelecto; ao passo que o desespero, à potência apetitiva. Ora, enquanto o intelecto tem por objeto o universal, a potência apetitiva busca o particular, pois o movimento apetitivo: procede da alma para as coisas, e estas em si mesmas são particulares. Ora, pode acontecer tenha alguém um modo reto de julgar, universalmente, sem o seu movimento apetitivo proceder retamente, pela falsidade do seu juízo num caso particular. Pois, necessariamente, deve passar do juízo universal para o apetite de um objeto particular, mediante um juízo particular, como diz Aristóteles. Assim, de uma proposição universal não se deduz nenhuma conclusão particular, senão recorrendo à mediação de uma proposição particular. Donde, pode alguém ter fé reta, universalmente falando, e errar pelo movimento apetitivo, que busca o particular, por ter o juízo particular corrupto pelo hábito ou pela paixão. Assim, quem fornica, considerando a fornicação como um bem para si, num caso presente, tem um juízo corrupto em relação a esse caso particular, embora conserve, pela fé, um juízo universal verdadeiro, pelo qual a fornicação é um pecado mortal. E semelhantemente, pode alguém, fazendo um juízo universal verdadeiro em matéria de fé, que ensina haver na Igreja a remissão dos pecados, sofrer, contudo um movimento de desespero, que o leva a não esperar o perdão, no estado em que se encontra na sua existência, por fazer um juízo errado particular. E deste modo, pode haver desespero, bem como outros pecados mortais, sem infidelidade.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Um efeito desaparece, não somente com a disparição da causa primeira, mas também com a da causa segunda. Por onde, o movimento da esperança pode ser eliminado, não só pela disparição do juízo universal da fé, que é como a causa primeira da certeza da esperança, mas também com a disparição do juízo particular, que é como a causa segunda.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Quem julgasse, universalmente, não infinita a misericórdia de Deus seria infiel. Ora, tal não julga quem desespera; senão que, estando num determinado estado, não deve, por alguma particular disposição sua, esperar na divina misericórdia.
E o mesmo devemos RESPONDER À TERCEIRA OBJEÇÃO que os Novacianos negam, universalmente, seja na Igreja feita a remissão dos pecados.