O primeiro discute-se assim. - Parece que a blasfêmia não se opõe à confissão da fé.
1. – Pois, blasfemar é assacar uma injúria ou um insulto contra o Criador. Ora, isso implica antes malevolência contra Deus, que infidelidade. Logo, a blasfêmia não se opõe à confissão da fé.
2. Demais. – Aquilo da Escritura - a blasfêmia seja desterrada dentre vós - diz a Glosa: a que é dirigida contra Deus ou os santos. Ora, a confissão da fé não se refere senão ao concernente a Deus, objeto da fé. Logo a blasfêmia nem sempre se opõe à confissão da fé.
3. Demais. – Certos dizem que há três espécies de blasfêmias. Uma atribui a Deus o que lhe não convém; outra dele remove o que lhe convém; a terceira atribui à criatura o que só é próprio de Deus. Por onde, a blasfêmia não é relativa só a Deus, mas também às criaturas. Ora, a fé tem Deus como objeto. Logo, a blasfêmia não se opõe à confissão da fé.
Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Antes fui blasfemo e injuriador; e acrescenta: Fi-lo por ignorância na incredulidade. Donde se colhe que a blasfêmia se inclui a incredulidade.
SOLUÇÃO. – A blasfêmia, por denominação, implica um certo detrimento à excelência da bondade, sobretudo da divina. Ora, Deus, como diz Dionísio é a bondade mesma essencial. Por onde tudo o que convém a Deus pertence-lhe à bondade; e tudo o que não lhe pertence muito longe está da essência da bondade perfeita que é a sua essência. Portanto, negar o que convém a Deus ou atribuir-lhe o que lhe não convém é em detrimento da sua bondade. E isto pode se dar de dois modos: ou só por afirmação da inteligência, ou de mistura com uma detestação afetiva; assim como, ao contrário, a fé em Deus se aperfeiçoa pelo amor do mesmo. Logo, esse detrimento à bondade divina é por obra só do intelecto, ou também do afeto. Se residir só na inteligência é blasfêmia mental. Se porém se manifestar exteriormente pela palavra, a blasfêmia será por palavras. E deste modo a blasfêmia se opõe à confissão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Quem fala contra Deus, com intenção de injuriá-lo ofende a bondade divina, não só quanto à verdade do intelecto, mas também pela pravidade da vontade, que detesta e abate quanto lhe é possível, a honra divina. O que constitui a blasfêmia perfeita.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como Deus é louvado nos seus santos, enquanto são louvadas as obras que neles realizou; assim a blasfêmia dirigida contra eles redunda para. Deus, por via de consequência.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Por esse tríplice critério não se podem propriamente falando, distinguir as diversas espécies de pecado de blasfêmia. Pois, atribuir a Deus o que lhe convém não difere, senão por ser uma afirmação, de remover dele o que lhe convém, que é uma negação. Ora, essa diversidade não distingue as espécies de hábito; pois, pela mesma ciência conhecemos a falsidade das afirmações e das negações; e pela mesma ignorância erramos de um e de outro modo; porque a nega ão se prova pela afirmação, como diz Aristóteles: Ora, atribuir às criaturas o que é próprio de Deus implica em lhe atribuir o que lhe não convém; pois, o que é próprio de Deus é Deus mesmo. Logo, atribuir a uma criatura o que é próprio só de Deus, é igualar Deus, em si mesmo, à criatura.