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Artigo 4 - Se os convertidos da heresia devem, absolutamente, ser recebidos pela Igreja.

O quarto discute-se assim. – Parece que os convertidos da heresia devem, absolutamente, ser recebidos pela Igreja.

1. – Pois, diz a Escritura, falando da pessoa do Senhor: Tu te tens prostituído a muitos amadores; ainda assim, torna para mim, diz o Senhor: Ora o juízo da Igreja é o juízo de Deus, conforme outro lugar da Escritura: Do mesmo modo ouvireis o pequeno que o grande, nem tereis acepção de pessoa alguma, porque este é o juízo de Deus. Logo, os que fornicarem por infidelidade, que é a fornicação espiritual, nem por isso devem deixar de ser recebidos pela Igreja.

2. Demais. – O Senhor manda a Pedro perdoar ao irmão que peca não só sete vezes, mas até setenta vezes sete vezes. O que quer dizer, segundo a interpretação de Jerônimo (a este lugar), que devemos perdoar tantas quantas vezes alguém pecar. Logo, tantas vezes quantas alguém pecar, caindo em heresia, deve ser recebido pela Igreja.

3. Demais. – A heresia é uma espécie de infidelidade. Ora, os outros infiéis, querendo converter-se, serão recebidos pela Igreja: Logo, também os heréticos devem sê-lo,

Mas, em contrário, diz uma Decretal: Os que, depois da abjuração do erro, vierem a reincidir na heresia abjurada, devem ser entregues ao juízo secular. Logo, não devem ser recebidos pela Igreja.

SOLUÇÃO. – Segundo a instituição do Senhor, a Igreja estende a sua caridade a todos, não só aos amigos, mas também, aos inimigos e perseguidores, conforme aquilo da Escritura: Amai a vossos inimigos, fazei bem aos que vos tem ódio. Ora, a caridade exige queiramos e façamos bem ao próximo; e este bem pode ser de duas espécies. – Um, espiritual, que é a salvação da alma, fim principal da caridade; pois, pela caridade, devemos querer esse bem aos outros. Por onde, neste ponto, os heréticos, convertendo-se, tantas vezes quantas tiverem caído, são recebidos pela Igreja afim de fazerem penitência, que os porá de novo no caminho da salvação. – Mas, a caridade também visa, secundariamente, outro bem, que é o temporal, como, a vida corpórea, a posse de bens materiais, a boa fama, a dignidade eclesiástica ou secular. Pois, a caridade não nos obriga a querer esses bens aos outros, senão para o fim da salvação deles. Por onde, se alguém, possuindo qualquer desses bens, vier a impedir a salvação eterna de muitos, a caridade não exige que lhe queiramos, mas ao contrário, que queiramos seja privado deles, porque a salvação eterna deve preferir aos bens temporais; ou porque o bem de muitos deve preferir ao de um só. Se portanto os heréticos, sempre que voltassem fossem recebidos, de modo a lhes ser conservada a vida e os demais bens temporais, daí podia resultar perigo para a salvação dos outros. Quer pelos contaminarem, se viessem a recair; quer também porque, se nenhuma pena sofressem tornariam a cair mais seguramente na heresia. Porquanto, como diz a Escritura o não se proferir logo sentença contra os maus é causa de cometerem os filhos dos homens crimes sem temor algum. Por isso a Igreja, primeiro, não só recebe, para fazerem penitência, os que voltam da heresia, mas ainda lhes conserva a vida. E às vezes restitui-os por dispensa, às dignidades eclesiásticas, que antes tinham, se os considerar como deveras convertidos. E lemos que isto foi frequentemente feito, para conservar a paz. Mas, considera prova de inconstância na fé se, depois de recebidos, vierem de novo a cair. Por isso, ulteriormente, os que voltam são recebidos, por certo, para fazerem penitência; não porém para serem libertados da sentença de morte.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Os que voltam são sempre recebidos, no juízo de Deus, por ser Deus o verdadeiro perscrutador dos corações e conhecer os que verdadeiramente voltam. Mas isso a Igreja não pode imitar. Daí o presumir que não voltam verdadeiramente os que, depois de recebidos, de novo vieram a cair. Por onde, sem lhes trancar a via da salvação, não os livra do perigo da morte.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O Senhor fala com Pedro sobre o pecado cometido contra este, que devia ser sempre perdoado, de modo a se compadecer do irmão arrependido. Isso porém, não se aplica ao pecado cometido contra o próximo ou contra Deus, que não está em nosso arbítrio perdoar, como diz Jerônimo. Pois, neste caso, o modo de perdoar foi estatuído pela lei, conforme o exige a honra de Deus e a utilidade do próximo.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os outros infiéis, que nunca receberam a fé, quando convertidos a ela, não mostram nenhum sinal de inconstância, relativamente à mesma, como o fazem os heréticos relapsos. Logo, o caso não é o mesmo.

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