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Artigo 10 - Se os infiéis podem ter governo ou domínio sobre os fiéis.

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O décimo discute-se assim. – Parece que os infiéis podem ter governo ou domínio sobre os fiéis.

1. – Pois, diz o Apóstolo. Todos os servos que estão debaixo do jugo estimem a seus amos por dignos de toda honra. E o lugar seguinte mostra que este se refere aos infiéis: E os que temem senhores fiéis não os desprezem. E noutro passo diz a Escritura: Servos, sede obedientes aos vossos senhores com todo o temor, não somente aos bons e moderados, mas também aos de dura condição. Ora, a doutrina apostólica não ordenaria tal se os infiéis não pudessem governar os fiéis. Logo, aqueles podem governar a estes.

2. Demais. – Todos os que pertencem à família de um príncipe devem obedecer-lhe. Ora, certos fiéis eram da família de príncipes infiéis, donde o dizer a Escritura. Todos os santos vos saúdam, mas com muita especialidade os que são da família de César, isto é, de Nero, que era infiel. Logo, os infiéis podem governar os fiéis.

3. Demais. – Como diz o Filósofo, o escravo é o instrumento do Senhor, no atinente à vida humana, assim como o ajudante do artífice é o instrumento deste no concernente à obra de arte. Ora, nessas condições, pode o fiel estar sujeito ao infiel, pois os fiéis podem ser trabalhadores dos infiéis. Logo, os infiéis podem governar os fiéis e mesmo ter domínio sobre estes.

Mas, em contrário, quem governa deve julgar os governados. Ora, os infiéis não podem julgar os fiéis, conforme o Apóstolo: Atreve-se algum de vós, tendo negócio contra outro, ir a juízo perante os iníquos, isto é, os infiéis, e não à presença dos santos? Logo, os infiéis não podem governar os fiéis.

SOLUÇÃO. - De dois modos podemos considerar este assunto. - Primeiro, quanto ao domínio ou o governo, a ser instituído, dos infiéis sobre os fiéis. O que de nenhum modo deve ser permitido, porque causaria escândalo e perigo para a fé. Pois facilmente os que estão sujeitos à jurisdição de outros podem ser influenciados por eles de maneira a lhes seguir as ordens, a menos que sejam os súditos dotados de grande virtude. E semelhantemente, os infiéis desprezarão a fé, se conhecerem os desfalecimentos dos fiéis. Por isso o Apóstolo proibiu aos fiéis discutir em juízo perante um juiz infiel. Por isso de nenhum modo a Igreja permite aos infiéis exercerem domínio sobre os fiéis, ou de qualquer modo os governarem, em qualquer ministério. – De outra maneira, podemos considerar o domínio ou governo já existente.

Nesse caso, devemos notar que o domínio e o governo foram introduzidos por direito humano, ao passo que a distinção entre fiéis e infiéis é de direito divino. Ora, o direito divino, fundado na graça, não elimina o direito humano, fundado em a natureza racional. Logo, a distinção entre fiéis e infiéis, em si mesmo considerada, não elimina o domínio e o governo dos infiéis sobre os fiéis. Pode porém justamente, por sentença ou ordem da Igreja, que tem de Deus a sua autoridade, ser eliminado esse direito de domínio ou governo. Porque os infiéis, como castigo da sua infidelidade, merecem perder o governo dos fiéis, transformados em filhos de Deus. Mas isto a Igreja faz umas vezes e, outras, não. – Assim, quanto aos infiéis a ela sujeitos, mesmo temporalmente, e aos seus membros, estabeleceu o direito seguinte. O escravo de judeus, uma vez tornado Cristão, seja libertado da escravidão, sem nenhuma recompensa, se for escravo crioulo, isto é, nascido tal; e semelhantemente, se foi comprado como escravo, quando ainda era infiel. Se porém foi comprado para ser vendido, deve ser exposto à venda durante três meses. E nisto não comete a Igreja nenhuma injustiça, porque, sendo os judeus seus escravos, pode dispor das coisas deles, assim como também os príncipes seculares fizeram muitas leis sobre os seus súditos, no interesse da liberdade. – Para os infiéis porém, que não lhe estão sujeitos, nem aos seus membros, temporalmente, a Igreja não aplicou essa legislação, embora pudesse, de direito, instituí-la. E isto o fez para evitar escândalo. Assim também o Senhor mostrou que podia excusar-se do tributo, porque os filhos são livres; contudo mandou pagá­lo, afim de não dar escândalo. Por isso também Paulo, depois de ter mandado que os escravos estimem aos seus amos, acrescenta: Para que o nome do Senhor e a sua doutrina não seja blasfemada.

E daqui se deduz clara a RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO.

RESPOSTA À SEGUNDA. – O referido governo de César preexistia à distinção entre fiéis e infiéis. Por isso não se dissolvia pela conversão de um infiel à fé. E era útil que alguns fiéis tivessem lugar na família do imperador, para defender os demais fiéis. Assim, S. Sebastião confortava o ânimo dos Cristãos, que via prestes a desfalecerem nos tormentos, e continuava, oculto pela clâmide militar, a fazer parte da família de Diocleciano.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Os escravos estão sujeitos ao senhor por toda a vida; e os súditos, aos chefes, em todos os negócios. Mas os ajudantes dos artífices estão-lhes sujeitos quanto a certas obras especiais. Por onde, é mais perigoso os infiéis terem o domínio ou o governo sobre os fiéis, que receberem deles o ministério de algum serviço especial. Por isso, a Igreja permite possam os Cristãos cultivar as terras dos judeus, pelos não levar isso necessariamente a conviver com eles. E Salomão também pediu ao rei de Tiro mestres de obra para cortarem madeira, como se lê na Escritura. – E contudo, essa comunicação e convivência deve ser totalmente proibida, se se temer que dela provenham perigos da subversão da fé dos fiéis.

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