Chegou a vez de outro representante da "nova teologia", hoje exaltado como "pedra angular da Igreja" (J. Meinvielle), o ex-jesuíta suíco Urs von Balthasar. Se Maurice Blondel encarna o tipo do filósofo modernista e apologeta, se Henri de Luba é o tipo do teólogo modernista, Urs von Balthasar encarna o aspecto pseudomístico e ecumenista do modernismo.
Temos em mãos a obra Urs von Balthasar ― Figura e Opera, de Karl Lehmann e Walter Kasper, personalidades da "nova teologia". Lemos na orelha do livro: "escrito por seus amigos e discípulos [Henrici, Haas, Lustiger, Roten, Greiner, Treitler, Löaser, Antonio Sicari, Ildefonso Murillo, Dumont, O´Donnel, Guido Sommavilla, Rino Fisichella, Max Shönborn... e Ratzinger], pretende fazer redescobrir toda a importância e o valor de sua obra e de sua pessoa". Descubramo-lo também nós; é de extrema importância.
"Brilhante mas Vazio"
Von Balthasar foi apaixonado, desde a juventude, pela música e, como Montini, pela literatura, mais do que pelos estudos filosóficos e teológicos. Somente a filosofia "mística" de Plotino teve o poder de fasciná-lo. Ao contrário, a filosofia e a teologia escolástica suscitaram seu horror:
"Todos os meus estudos durante os anos de formação na Ordem dos Jesuítas foram uma luta enfurecida com a desolação da teologia, com o que os homens tinham feito da glória da Revelação; não podia suportar essa figura da palavra de Deus, queria aplicar golpes à direita e à esquerda com a fúria de um Sansão, queria, com sua força, derrubar o templo e nele me enterrar. mas isso era, agora que a missão começava, querer impor meus planos, era viver com minha indignação infinita porque as coisas ficavam assim. Tudo isto eu não dizia praticamente a ninguém. Przywara compreendia tudo, mesmo sem palavras; dos demais ninguém me poderia compreender. Escrevi o "Apocalypse" com essa fúria que se propunha destruir o mundo pela violência e reconstruí-lo a partir das fundações, custasse o que custasse"
A "missão" do futuro demolidor se esboçava. Pelo momento, o resultado foi que seus estudos na Companhia de Jesus terminaram pela "dupla licença eclesiástica em filosofia e teologia; Balthasar nunca obteve doutorado nessas matérias".
Em compensação, porém, o jovem von Balthasar aprendera a correr atrás dos sistemas e tendências agitadas do pensamento moderno, encorajado pelos "grandes animadores da época de seus estudos". Erich Przywara, da Universidade de Pullach-Munique, que o forçou a "confrontar Agostinho e Tomás com Hegel, Scheler e Heidegger", e Henri de Lubac, da Maison d´études de Lyon Fourvières. "Por sorte e para minha consolação", escreve von Balthasar, "Henri de Lubac morava na casa conosco. Foi ele que, além do material de estudo escolástico, nos levou aos Padres da Igreja e com magnanimidade nos emprestava a nós todos [Balthasar, Daniélou e Bouillard] seus próprios estudos e notas." Foi assim que von Balthasar, "durante as aulas, com os ouvidos tapados com algodão, leu todo [Santo] Agostinho" e aprendeu, pelas notas generosamente emprestadas por De Lubac, a opor, com afetação, a patrística à escolástica, cuja linguagem rigorosa não permitia os jogos interpretativos com textos dos Padres da Igreja a que se entregavam os "novos teólogos". Ao mesmo tempo, von Balthasar conhecia a poesia francesa: Péguy, Bernanos, Claudel, na tradução dos quais ele trabalhará durante vinte e cinco anos.
No fim de seus estudos, aquele que, segundo De Lubac, seria "o homem mais dotado de nosso século" (outro sistema dos modernistas consiste em criar, uns para os outros, um halo de grandeza inexistente), leva consigo somente uma poeira, tão vasta quanto superficial, nos domínios que testemunham um verdadeiro diletantismo. O Pe. Labourdette O.P., numa tirada significativa, definiu um dos primeiros artigos de von Balthasar como "uma página brilhante mas vazia".
Com esse "defeito de origem", von Balthasar estava pronto para engrossar o número dos eclesiásticos modernistas, "que, sob as aparências de amor à Igreja, absolutamente deficientes em filosofia e teologia sérias, impregnados, ao contrário, até os miolos, de um veneno de erro recebido dos adversários da fé católica, se colocam, sem nenhuma modéstia, como renovadores da Igreja"[ .
Privado de sólida formação filosófica e teológica, admirador apaixonado da poesia e da música, von Balthasar misturará, com inacreditável superficialidade, a teologia e a literatura, acreditando poder criar uma teologia "dele" com a mesma imaginação com que um artista cria sua obra de arte.
"Somente mais tarde", escreve ele, "quando o brilho da vocação já me acompanhava havia vários anos e quando eu tinha terminado meus estudos filosóficos em Pullach (acompanhado de longe por Erich Przywara) e os quatro anos de teologia em Lyon (inspirados por Henri de Lubac) com meus condiscípulos Daniélou, Varillon, Bouillard e muitos outros, compreendi como seria de grande ajuda para a concepção de minha teologia o conhecimento de Goethe, Hölderin, Nietzsche, Hofmannsthal e, sobretudo, dos Padres da Igreja, para os quais me dirigiu De Lubac. O postulado fundamental de minha obra Gloria foi a capacidade de ver uma 'Gestalt' [forma complexa] na sua coerente totalidade: a visão goethiana devia ser aplicada ao fenômeno de Jesus (sic) e à convergência das teologias neotestamentárias"
O Conquistador dos (Mal) Convertidos
Em 26 de julho de 1936, von Balthasar foi ordenado padre na igreja de São Miguel em Munique. Em 1939, fez maisw uma vez os exercícios espirituais de trinta dias, com o padre Steger, que "era, no meio alemão, um dos primeiros a compreender a espiritualidade inaciana, não tanto asceticamente quanto misticamente". Esta inclinação pela mística, que já manifestara no contato com a filosofia de Plotino, se revelará cada vez mais nociva para von Balthasar, de tanto que era desprovido de sólida base de saber filosófico e teológico. Pouco depois, encontramo-lo como capelão dos estudantes, em Basiléia, onde cultiva música e poesia (desta vez, alemã). Ele também organiza cursos para estudantes e chama, entre outros oradores, Karl Rahner, Congar e De Lubac; no fim dessas noitadas, "sentava-se ao piano e, de memória, tocava o Don Juan de Mozart" .
Em Basiléia, ele encontra o protestante Karl Barth, que se torna (depois de Przywara e De Lubac) "o terceiro grande inspirador da teologia de Balthasar". "A teoria da predestinação de Barth", escreve, "atrai-me poderosa e constantemente" ; mas a influência decisiva que sofreu foi a do "cristocentrismo radical de Barth": daí a idéia de um ecumenismo que reúne todos em torno de Cristo, separado de sua inseparável Igreja, um Cristo que é, no final, o solus Christus de Lutero, ainda que filtrado, como veremos, através de Hegel.
O Vaticano II estava, contudo, ainda longe, e então "o encontro com os protestantes acontecia, nesses anos, na Suíça, de modo quase inevitável (sic) sob a perspectiva da conversão".
Foi assim que, em 1940, von Balthasar batizou (a contragosto?) o esquerdista Béguin, que, em 1950, deveria suceder ao filocomunista Mounier na direção da revista Esprit (o Osservatore Romano de 3 de março de 1979 dizia que Beguin e Esprit prepararam o Vaticano II). Fato ainda mais importante, von Balthasar batizará a "convertida" Adrienne von Speyr, médica, casada em segundas núpcias com o professor Kaegi, "mulher cheia de humor e de espírito, de língua afiada, bem-vista na sociedade".
Em Basiléia, von Balthasar adquiriu rapidamente o renome de "conquistador de convertidos". Parece-nos mais exato dizer dos "mal convertidos". Já citamos Beguin. De Adrienne von Speyr convém dizer mais amplamente que, como De Lubac esteve "em simbiose intelectual" com Blondel, von Balthasar esteve em "simbiose teológica e psicológica" com Adrienne von Speyr .
Lado a Lado com Adrienne
"Logo depois da conversão [de Adrienne] começaram a crescer os boatos de milagres que, manifestamente, aconteciam durante os colóquios e visitas que ela recebia. Murmurava-se sobre visões que ela tivera." Murmurava-se também sobre esses "longos e regulares encontros com seu diretor espiritual, von Balthasar" .
Para publicar os escritos místicos de Adrienne, von Balthasar funda as Edições Johannes; depois, com Adrienne, funda o Instituto Secular Johannes, e ainda para Adrienne, como seus superiores não vissem evidência no misticismo de Adrienne von Speyr, na véspera de sua profissão solene, von Balthasar deixa a Companhia de Jesus, escolhendo a "obediência imediata" a Deus.
A partir de então, von Balthasar trabalhará na sombra de Adrienne, morando na casa de seu marido, ocupando-se de literatura, de teologia estética (e estetizante), de seus ditados "místicos", até que, em 1960, a mobilização neomodernista para o Concílio o engaja na febril preparação do Vaticano II:
"Rádio, televisão, quanta agitação e pedidos sem fim para escrever."
Em Deus a Contradição é Impossível
"Não é aqui o lugar", lemos na página 51, "de submeter os carismas de Adrienne a um exame teológico-crítico." Ao contrário, teria sido justamente o lugar e o caso, visto que o próprio von Balthasar afirma: "sua obra e a minha não são separáveis nem psicológica nem filologicamente. São as duas metades de um todo que tem por centro uma fundação única" E ele começa Il nostro compito (Nossa tarefa) escrevendo:
"Este livro tem como objetivo, sobretudo, impedir que depois de minha morte procurem separar minha obra da de Adrienne von Speyr."
Teria bastado a von Balthasar aplicar os critérios que a Igreja aplica em tais casos para repudiar como falso o misticismo de Adrienne. Deixaremos de lado a estranheza de "carismas" como os "estigmas" que ela teria recebido quando ainda era protestante, "a possibilidade dada a seu confessor [von Balthasar] de 'transferir Adrienne ao passado', a cada uma das suas idades, para percorrer sua biografia", sua virgindade recuperada, segundo ela, depois de dois casamentos etc. Basta-nos, como teria bastado a von Balthasar, aplicar o critério fundamental usado pela Igreja para julgar toda e qualquer pretensa "revelação":
"É preciso considerar como absolutamente falsas as revelações que se opõem ao dogma ou à moral. Em Deus a contradição é impossível."
Á luz desse critério fundamental examinemos, entre muitos outros, dois pontos que estão na origem de dois gravíssimos desvios conciliares e pós-conciliares:
1) "A teologia da sexualidade" de Adrienne von Speyr;
2) Sua concepção da Igreja, a "Católica".
Mas para Adrienne e von Balthasar, Deus Pode Contradizer-se
Segundo von Speyr, ou segundo von Balthasar (concordamos com Balthasar que é impossível separá-los), Adrienne teria recebido do Céu a missão de "repensar" o "valor positivo da corporeidade [ou ainda da sexualidade] no interior da religião da encarnação" .
Acontece que este "valor positivo" é tão positivo que chegar a anular as... conseqüências do pecado original e a advertência do Espírito Santo: "quem ama o perigo nele perecerá". Escreve Adrienne no seu diário: "As receitas de se manterem afastados um do outro, de não se verem, no que concerne à esfera do corporal, hoje estão esgotadas." O que é claramente contra o dogma do pecado original e contra o ensinamento tradicional da Igreja no domínio moral. Fiel à sua "revolução sexual", Adrienne concebe e exprime sua relação "espiritual" com von Balthasar pelas categorias mais cruas da sexualidade. Assim, a gênese do instituto secular Johannes é descrita como um gravidez, em que o instituto é a criança, Adrienne a mãe e Balthasar o pai. Eis, em seguida, como "Inácio" (leia-se Santo Inácio) explica a Adrienne que ela recebeu os estigmas (mesmo sendo protestante) para von Balthasar: "mesmo sendo virgem [Adrienne, casada, só por prodígio, apesar do 'valor positivo' da sexualidade], é um modo pelo qual a mulher podia ser marcada pelo homem".
E, para que não tenhamos mais dúvidas sobre a linguagem atribuída pela "mística" a "Inácio", leremos o que segue:
"A fecundidade espiritual do homem será depositada na carne da mulher, para que ela possa levar o fruto. Assim, a fecundidade de Hans Urs von Balthasar foi posta nos estigmas que Adrienne tinha recebido para ele."
E isto pode bastar para que se pergunte, com razão, se não estamos diante de um caso de sensualismo pseudomístico.
Entretanto, aqui é importante indicar, na "inteligência do valor positivo da corporeidade", por parte de Adrienne, uma das causas, se não a causa determinante, da exaltação atual da sexualidade, infelizmente em voga, até nos meios religiosos, camuflada pelo slogan "integração afetiva".
E von Balthasar? Ele também não admitia "que se pudesse diminuir o significado dos corpos masculino e feminino (e portanto do ser humano masculino e feminino) [de onde o 'Caros irmãos e irmãs' e as palestras sobre a masculinidade e a feminilidade de João Paulo II!], justamente onde se fala de uma real encarnação do Filho de Deus". E, na sua concepção estetizante da teologia, ele deplorava:
"E onde foi parar o Eros no Cântico dos Cânticos [até como poema erótico, naturalmente], que faz parte do centro da teologia?"
Há pior, porém. Von Balthasar sabe muito bem que a "teologia mística" da visionária não se enquadra na doutrina católica. "Na obra teológica global de Adrienne", escreve ele, "existem passagens particulares que, fora de seu contexto, poderiam parecer às vezes estranhas [também dentro do contexto]".
Em seguida, no prefácio, admite claramente que as obras de Adrienne "de início são de espantar e talvez desorientadoras [sic] para alguns leitores". Para von Balthasar, contudo, isto não levantava dúvidas sobre o carisma de Adrienne, mas sim sobre a... doutrina católica! "As coisas", escreve ele, "são sempre tais que a teologia atual não é ou não é ainda [sic] capaz de compreender o que é indicado" [nas visões ou nos "ditados" de Adrienne]. O que só pode ser dito admitindo-se que a doutrina católica possa evoluir em contradição com ela mesma, visto que a "teologia mística" de Adrienne não somente é obscura mas também está em oposição à teologia católica.
Infelizmente, von Balthasar não somente não aplicava (talvez porque não os possuísse) os critérios teológicos, para ver claramente, ao "misticismo" de Adrienne von Speyr, mas dividia com Blondel e De Lubac a nova noção vitalista e evolucionista da verdade, pela qual, em Deus, e portanto no desenvolvimento da doutrina católica, "a contradição é possível". Isto aparecerá de modo ainda mais evidente no segundo ponto que nos propomos examinar e que permitirá compreender a borrasca de loucura ecumênica que levou alguns responsáveis da Igreja Católica a ceder sem nenhum freio.
A "Católica" Não-Católica
Adrienne afirma que uma missão eclesial foi confiada pelo Céu a von Balthasar e a ela própria. Urs von Balthasar fala disso em Il nostro compito. Adrienne, numa visão "marial", diz a Deus:
"Nós [Adrienne e von Balthasar] queremos amar-te, servirt-te e agradecer-te a 'Igreja que nos confias' [...]. Estas últimas palavras foram pronunciadas de modo improvisado e ditadas pela Mãe de Deus, isto é, nós [a Mãe de Deus e Adrienne] o dissemos as duas juntas, e o filho (o nosso [de Adrienne e de von Balthasar], você sabe), ela colocou-o uma fração de segundos nos braços, mas não era somente a criança, era a Una Sancta em miniatura, e assim me parece que é uma justa unidade de tudo o que nos foi confiado e que é trabalho em Deus para a Católica."
O que é então esta outra "criança" de Adrienne e de von Balthasar, essa "Igreja" dita "Católica", que Deus lhes teria confiado?
Na introdução de Mystique objectiva de Adrienne von Speyr, de Bárbara Albrecht, lemos acerca da "mística" Adrienne esta afirmação espantosa: "Ainda que [Adrienne] se tenha afastado claramente e de modo decisivo da forma protestante do cristianismo, por uma necessidade interior, falta a seu conceito de 'católica' certa delimitação confessional." Então, se o afastamento de Adrienne do protestantismo foi claro e decisivo, sua conversão ao catolicismo não foi nada clara e decisiva. A menos que se dê ao termo "católica" um significado completamente diferente do habitual.
Note-se, de passagem, que o que escreve Bárbara Albrecht corresponde exatamente ao testemunho da governanta italiana de Adrienne, a qual, como boa católica veneziana, afirma claramente:
"Eu li também... essa história de 'Mística'. Eu não gosto nada disso. Por que escrever essas bobagens? Madame não era da Igreja, ela ia à missa somente duas vezes por ano, no Natal e na Páscoa."
O mesmo conceito de "católico", privado de "certa determinação confessional", encontramos em von Balthasar, que afirma ser também devedor de Adrienne von Speyer. Em Katholisch, uma obra que publicou em 1975, ele escreve:
"Essa pequena obra é, ao mesmo tempo, uma homenagem a meus mestres E. Pryzwara e H. de Lubac e igualmente a Adrienne von Speyr, pois todos, em face de uma teologia escolástica, me mostraram a dimensão da realidade católica, vasta como o mundo."
E nessa "catolicidade que não omite nada", tudo encontra lugar e justificação: a verdadeira e as falsas religiões, a Igreja Católica e as seitas heréticas e/ou cismáticas, o sagrado e o profano, a religião e o ateísmo; abreviando: o erro e a verdade, o bem e o mal. Exatamente como na dialética hegeliana.
O Iceberg
Aprofundemos a conversa. Urs von Balthasar ― admite a revista Communio ― é exaltado como "teólogo da beleza" e "ao mesmo tempo é criticado por seu estilo hermético e complicado". Além disso, escreve ainda Communio, o que se conhece e o que se diz dele "representa ― mal haja quem nisto põe malícia ― somente a ponta do iceberg". Lancemos pois um olhar para a parte submersa do iceberg, isto é, para o que se esconde sob o estilo hermético e complicado, para ver se há ou não razão para pensar mal dele.
Aparentemente, os escritos de von Balthasar são obscuros e herméticos e seu comportamento é incompreensível. Por exemplo, ele trabalha para demolir a teologia católica e a Roma católica, mas critica asperamente Karl Rahner e o "complexo anti-romano"; quer o ecumenismo mais vasto possível, que abrace até as religiões pagãs e idólatras, mas critica a "tendência à liquidação" dos católicos pós-conciliares. Entretanto, basta possuir a boa chave interpretativa de sua teologia para que tudo se torne claro. Esta chave interpretativa é o idealismo em geral e a lógica hegeliana em particular, que, sabe-se, é diametralmente oposta não só à lógica aristotélica e tomista mas também ao bom senso comum. Enquanto a lógica aristotélica, de fato, tem por fundamento o princípio de identidade e de não-contradição, segundo o qual os opositores se excluem, a lógica hegeliana é fundada no princípio exatamente contrário: os opostiores não se excluem, mas são a alma da realidade, sendo momentos necessários, apesar de abstratos; realidade que é uma síntese de opositores na qual os ditos opostos (afirmação e negação, teses e antíteses) encontrarão sua realização e sua verdadeira realidade.
Urs von Balthasar aplicou à eclesiologia essa lógica obscura e hermética, porque ele ignora "o medo da contradição", medo que é natural a qualquer homem de bom senso, mas que foge das preocupações do... ecumenismo atual: tantas "Igrejas", tantas "religiões", o ateísmo, com suas contradições, não espantam von Balthasar e, segundo seu julgamento, não devem espantar ninguém, porque são somente os momentos (teses e antíteses, afirmações e negações) desse processo que conduzirá inevitavelmente, por necessidade intrínseca, à síntese, que é a "Católica" (a catolicidade que não omite nada, a universalidade sem exclusão alguma), na qual se realizará (finalmente, depois de dois mil anos) a verdadeira Igreja de Cristo.
Uma vez possuindo esta "chave", a teologia de von Balthasar de hermética se torna transparente e todo o mundo pode ver a enormidade do iceberg que navega sob a água contra a santa Igreja de Deus.
Do "Delírio Filosófico" ao Delírio Ecumênico
Do "delírio filosófico" de Hegel (assim o define Schopenhauer) só poderia nascer o atual delírio ecumênico.
Com esta chave interpretativa, de fato, é possível compreender todos os enigmas de von Balthasar e do ecumenismo atual, de que ele é mestre e autor. Compreende-se, de fato, porque no diálogo ecumênico "uma única coisa fica: fiar-se nas configurações eclesiais e teológicas e na rivalidade entre elas". Só o jogo necessário dos opositores é que conduzirá à síntese: "Se esta indicação é levada a sério [fiar-se nas rivalidades]", escreve von Balthasar, "então ela exige muito daqueles que lutam cristãmente pela catolicidade, sobretudo o não fixar-se em nenhum sistema [católico ou não] que, a priori, se suponha onicompreensível e ofereça a mais ampla perspectiva, e não desprezar os pontos de vista opostos." Essa onicompreensividade, de fato, será dada somente à "Católica", que é a síntese, e não aos sistemas atuais (incluindo o "sistema" católico"), que são as teses e antíteses destinadas a ser ultrapassadas, aniquilando-se mutuamente, na síntese.
Aos "sistemas" atuais pede-se somente duas coisas: por um lado, que favoreçam a síntese, o "relaxamento e o degelo" de seu próprio bloqueio em torno de um ponto de vista que exclui os pontos de vista opostos; por outro lado, a "competição", o deixar agir a "rivalidade" com os outros sistemas, incluindo as "formas de cristianismo anônimo". A síntese, de fato, brota justamente do jogo dos contrários. Tudo isso é incompreensível pela lógica aristotélico-tomista, que é a lógica do bom senso, mas não pela lógica hegeliana.
Compreende-se, então, por que o atual ecumenismo (ver Assis) põe no mesmo plano e até mantém separadas as diversas "religiões" ("não queremos sincretismo", e é verdade) e, ainda quando promove o insensato diálogo, quer que os budistas sejam bons budistas, os católicos bons católicos (segundo a "nova teologia", é claro), os protestantes bons protestantes e assim por diante: a "competição", o jogo das "rivalidades", de contradições e oposições é essencial ao processo que conduzirá à super-Igreja ecumênica, a "Católica", síntese de todas as religiões, na qual enfim as contradições e oposições serão ultrapassadas.
Compreende-se também por que von Balthasar teve, como De Lubac, sua "crise" pessoal pós-conciliar, que, entretanto, também para ele não foi uma conversão. Não entrava em sua lógica hegeliana que os católicos abandonassem assim sua identidade: a "Católica" é, também ela, "comunhão entre aquilo que aparentemente se exclui". Assim, os contrastes são essenciais à realização da dita "comunhão", exatamente como, na lógica de Hegel, a tese e a antítese são essenciais à realização da síntese, pois, se a tese se retira da "competição" e se torna também antítese, nunca haverá "síntese".
Eis por que a Igreja Católica não deve "pôr entre parênteses" mas deve "integrar" (é a palavra-chave para von Balthasar) no "todo católico" (= a "Católica") tudo o que é visto atualmente como "excesso católico". No seu livro, enganador e mal-compreendido, Le Complexe antiromain, que tem o incrível e significativo (e freqüentemente omitido) subtítulo Como Integrar o Papado na Igreja Universal (= "Católica"?), von Balthasar sugere justamente a maneira de integrar "esse elemento, que parece atrapalhar, ao todo católico", que claramente não é a Igreja Católica. Eis a maneira sugerida: a Igreja deve ser não somente de Pedro mas também de Paulo, de Maria e de João. E assim o primado de jurisdição, definido pelo Vaticano I, se apaga atrás de um vago primado da caridade inventado por von Balthasar (e por seus "irmãos separados"), para o qual João Paulo II, como São Paulo, percorre o mundo há anos, explicando aos jornalistas que ele recebera não somente o carisma de Pedro mas também o de Paulo!
A Apostasia
Basta conhecer o Catecismo da Igreja Católica (o antigo, não o novo) para compreender que o ecumenismo de Balthasar é uma verdadeira proposta de apostasia.
Christophe Schönborn, secretário de redação (aviso ao leitor!) do novo "Catecismo", por ocasião do primeiro aniversário da morte de von Balthasar ilustrou o ecumenismo na Igreja de Santa Maria em Basiléia.
O que é, então, o ecumenismo para von Balthasar? É a "integração no todo da Católica", a qual "Católica" não existe ainda e no momento é "somente uma promessa, uma esperança escatológica". Eis como Schönborn explica "a importância ecumênica" da "figura" de Maria em von Balthasar: "em Maria a Igreja aparece como a Igreja santa e imaculada, em quem a plena figura da Igreja, sua 'catolicidade', é não somente promessa, esperança escatológica, mas antes plenitude já realizada". Então, contrariamente à Fé constante e infalível da Igreja, repetida por Pio XI em Mortalium Animos, e contrariamente ao dogma que todo e qualquer católico tem o dever de professar (Credo Ecclesiam unam, sanctam, catholicam), a catolicidade da Igreja não é uma realidade, realizada há dois mil anos, mas uma realidade que ainda está por se realizar, uma simples "promessa, uma esperança escatológica". E o que é, então, a atual Igreja Católica para von Balthasar? Um "sistema" entre outros, uma das numerosas "configurações eclesiais", teses ou antíteses (consoante ela recusa ou é recusada), que será ultrapassada e aniquilada na "Católica", como as seitas, as religiões pagãs e idólatras e os diversos "marxismos".
No catolicismo, não menos que no protestantismo, para von Balthasar, a "negação do outro, a recusa da comunhão", teria produzido uma unidade que, no fundo, consistia somente na reunião em torno de um ponto de vista rígido".
A Igreja Católica é a "realização romana da Catolicidade"; tanto a Igreja Católica como as seitas heréticas e/ou cismáticas, o próprio judaísmo e as "formas anônimas do Cristianismo" são "o todo em fragmentos", onde o todo é a "Católica" e a Igreja Católica é um dos numerosos fragmentos que, inevitavelmente, retornam ao todo. "Cada fragmento", escreve von Balthasar, "faz logo pensar no vasto sagrado de que ele provém, cada pedaço brilha pelo espírito, a partir da obra inteira completa", e a Igreja Católica é um "fragmento", um pedaço entre os outros.
Vê-se claramente, então, por que já não se ensina que a Igreja de Cristo "é" a Igreja Católica, mas continua-se a ensinar, com o Vaticano II (ver o novo "Catecismo"), que a Igreja de Cristo "subsist in", subsiste na Igreja Católica, exatamente como o "todo no fragmento"! Eis por que, no diálogo ecumênico, em matéria de fé, o católico concorda em aprender tanto quanto os outros:
"Para os católicos é imperativo afastar a voz daqueles que nos sugerem e nos levam de volta a algum pedaço que falta [sic] ou medianamente valorizado da integridade da fé."
É por isso que hoje, como escreve Romano Amerio, "se professa abertamente que a união não se deve fazer por conversões individuais, mas pelo acordo das grandes coletividades [as diversas teses e antíteses] que são as Igrejas", e que essa união deve fazer-se não por um retorno dos separados da Igreja Católica, mas "por um movimento de todas as confissões para um centro que está fora de cada uma delas [a síntese evolutiva]"
E aqui a proposta de apostasia, isto é, de abandono de toda e qualquer doutrina de fé, se torna flagrante. Onde achar a Revelação Divina na sua integridade e na sua pureza senão na Igreja Católica? Propor aos católicos, de maneira mais ou menos dúbia, o êxodo da Igreja Católica é propor a apostasia:
"A fé em Jesus Cristo não ficará pura e incontaminada se não for sustentada e defendida pela fé na Igreja, coluna e fundamento da verdade (1 Tm 3, 15)."
O Desprezo do Magistério
Em conclusão, é importante assinalar que von Balthasar, como também Blondel e De Lubac, cultivou "sua" teologia com evidente desprezo pelo Magistério da Igreja e especialmente por São Pio X, que, na encíclica Pascendi (1907), condenou o ecumenismo, em que desemboca inevitavelmente o naturalismo dos modernistas; e por Pio XII, que em Humani Generis condena tanto as tentativas de conciliar o idealismo, e portanto Hegel, com a teologia católica como o ecumenismo, em que todos se teriam, "sim, unidos, mas em ruína geral". Em 1946, escrevia o Pe. Garrigou-Lagrange: "Para onde vai a nova teologia com os novos mestres em que se inspira? Para onde senão o caminho do ceticismo, da fantasia e da heresia?" E os novos "mestres" eram Hegel e Blondel, que Fessard (da "turma" de De Lubac) chamava, não sem razão, "nosso Hegel". Hoje, no domínio ecumênico, mais do que na fantasia, estamos no delírio. Num dos documentos "ecumênicos" dos mais escandalosos: "Indicações Úteis para Apresentar Corretamente o Judaísmo", da Comissão para Relações com o Judaísmo, presidida pelo cardeal Willebrands, pode-se ler que os católicos e os judeus, "ainda que partindo de pontos de vista diferentes [ler:opostos], tendem para fins análogos [sic], a vinda ou o retorno [é a mesma coisa!] do Messias". É textualmente o pensamento de von Balthasar, que, como Hegel, encontra o modo de conciliar todos os opostos, fazendo violência à realidade dos fatos:
"Pedro, o renegado, abandona o julgamento do Senhor e se solidariza [sic] com os judeus [que crucificaram Cristo] [...]; juntamente com vós, judeus, também nós, cristãos, esperamos a (re)vinda [sic] do Messias."
Contudo, von Balthasar e seus companheiros da "nova teologia" nunca teriam conseguido impor na Igreja suas nebulosas elucubrações, que não têm a seu favor nem a força da verdade da razão nem a força da verdade revelada, se João Batista Montini não tivesse subido ao trono de Pedro, mas... daquele mal teólogo filomodernista, posto ao serviço da "nova teologia", sua alta autoridade e seu sucessor foram os propagadores eufóricos. Voltaremos a falar nisso.
Sim Sim Não Não, no. 14, fevereiro de 1994