O décimo discute-se assim. – Parece que a razão conducente às verdades da fé, diminui o mérito desta.
1 – Pois, diz Gregório: a fé fundada na experiência da razão humana não é meritória. Se portanto a razão humana, fundando suficientemente a experiência, exclui totalmente o mérito da fé, resulta que qualquer razão humana, aduzida para levar às verdades da fé, diminui o mérito desta.
2. Demais. – Tudo o que diminui essencialmente a virtude diminui o mérito, porque a felicidade é o prémio da virtude, como diz o Filósofo. Ora, parece que a razão humana diminui essencialmente a virtude mesma da fé, porque consiste a essência desta em recair sobre o que não aparece como se disse antes. Ora, quanto mais razões se aduzem para provar alguma verdade, tanto mais esta deixa de ser não aparente. Logo, a razão humana, aduzida para fundar as verdades da fé, diminui o mérito desta.
3. Demais. – Os contrários têm causas contrárias. Ora, o que se aduz em contrário à fé aumenta-lhe o mérito, quer se trate de uma perseguição, forçando a abandonar a fé, quer de alguma razão que tal persuada. Logo, a razão, que coadjuva a fé, diminui-lhe o mérito.
Mas, em contrário, diz a Escritura: Aparelhados sempre para responder a lodo o que vos pedir razão daquela esperança que há em vós. Ora, o Apóstolo não induziria a isso se tal diminuísse o mérito da fé. Logo, a razão não diminui esse mérito.
SOLUÇÃO. – Como já dissemos o ato de fé pode ser meritório, enquanto dependente da vontade, não só quanto ao uso, mas também quanto ao assentimento. Ora, a razão humana aduzida para provar as verdades da fé, pode manter dupla relação com a vontade do crente. - Uma, enquanto precedente; como quando alguém não tem vontade, ou não tem vontade pronta para crer, sem a tal ser induzido por uma razão humana. E então, a razão humana aduzida diminui o mérito da fé. Porque, como já dissemos, a paixão precedente à eleição, nas virtudes morais, diminui o mérito do ato virtuoso. Pois, assim como o homem deve exercer os atos das virtudes morais guiando-se pelo juízo da razão e não, pela paixão, assim também deve crer as verdades da fé, não por causa da razão humana, mas da autoridade divina. – De outro modo, a razão humana pode comportar-se como consequente em relação à vontade do crente. Pois, quando o homem tem a vontade pronta para crer, ama a verdade crida, medita sobre ela e a abraça, se descobrir razões que o levem a tal. E neste sentido, não exclui a razão humana o mérito da fé; antes, é sinal de maior mérito; assim como também a paixão consequente, nas virtudes morais, revela uma vontade mais pronta, como já dissemos. E é isto o que significa o lugar da Escritura referente ao que disseram os Samaritanos à mulher, figurativa da razão humana: Não é sobre o teu dito que cremos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Gregório se refere ao caso de o homem não ter vontade de crer, senão por causa da razão aduzida. Pois, quando tem vontade de crer as verdades da fé, só pela autoridade divina, mesmo se tiver alguma razão demonstrativa de alguma dessas verdades, por exemplo, que Deus existe isso não lhe elimina nem diminui o mérito da fé.
RESPOSTA À SEGUNDA. – As razões aduzidas para fundar a autoridade da fé não são demonstrações, que possam ser reduzidas à visão inteligível do intelecto humano. Por onde, não deixam de ser relativas ao não aparente. Mas removem os obstáculos à fé, mostrando não ser impossível o que ela propõe. Por isso, tais razões não diminuem o mérito nem a essência da fé. Porém as razões demonstrativas aduzidas para fundar essas verdades, e que são apenas preâmbulos para os artigos da fé, embora diminuam essencialmente esta, por tornarem aparente o que ela propõe, não diminuem, contudo essencialmente a caridade, que torna a vontade pronta a crê-las, embora não apareçam. Portanto, também não diminuem essencialmente o mérito.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O que repugna à fé, no que respeita, quer à reflexão humana, quer às perseguições externas, aumenta o mérito da mesma na medida em que revela uma vontade mais pronta e firme em crer. Por isso também os mártires tiveram maior mérito na fé, não a abandonando por causa das perseguições. E também os sapientes tem, maior mérito em crer, não abandonando a fé por causa das razões dos filósofos ou dos heréticos aduzidas contra ela. Mas o que convém à fé nem sempre diminui a prontidão da vontade em crer; e, portanto, nem sempre diminui o mérito da fé.