O terceiro discute-se assim. - Parece que crer não é necessário à salvação.
1 – Pois, à conservação e à perfeição de um ser basta o que lhe convém à natureza. Ora, as verdades da fé excedem a razão natural dos, homem, por lhe não serem manifestas, como já se disse. Logo, crer não é necessário à salvação.
2. Demais. – É arriscado darmos nosso assentimento quando não podemos julgar da verdade ou falsidade do que nos propõem, conforme a Escritura: Porventura o ouvido não julga das palavras? Ora, ele não pode julgar as verdades de fé pelas não poder resolver nos princípios primeiros pelos quais julga de tudo. Logo, é arriscado dar fé a tais verdades. Portanto, crer não é necessário à salvação.
3. Demais. – A salvação o homem está em Deus, conforme a Escritura. A salvação dos justos vem do Senhor. Ora, as causas invisíveis de Deus se veem consideradas pelas obras que foram feitas; ainda a sua virtude sempiterna e a sua divindade, no dizer do Apóstolo. Ora, no que vemos, pelo intelecto, não cremos. Logo, não é necessário, para nossa salvação, crermos em nada.
Mas, em contrário, a Escritura: sem fé é impossível agradar a Deus.
SOLUÇÃO. – Duas coisas existem, em todas as naturezas ordenadas, concorrentes à perfeição de uma natureza inferior; uma, conforme ao seu movimento próprio; outra, ao da natureza superior. Assim, a água, por movimento próprio, move-se para o centro; porém, pelo movimento da lua, move-se em torno do centro, pelo fluxo e refluxo. Semelhantemente, os orbes planetários movem-se, por movimento próprio, do ocidente para o oriente; mas, em virtude do movimento do primeiro orbe, do oriente para o ocidente. Só a natureza racional criada se ordena imediatamente para Deus. Porque as outras criaturas não atingem a nenhum termo universal, senão só particular, participantes da divina bondade, quer pela existência somente, como os seres inanimados, quer ainda pelo viver, e pelo conhecimento do particular, como as plantas e os animais. A natureza racional, porém, conhecendo a noção universal de bem e de ser, ordena-se imediatamente ao princípio universal do ser. Logo, a perfeição da criatura racional consiste, não somente no que lhe convém à natureza, mas também no que lhe advém por uma certa participação sobrenatural da divina bondade, por isso, como dissemos antes, a felicidade última do homem consiste numa certa visão sobrenatural de Deus, mas que ele não pode alcançar senão por uma como instrução do mestre divino, conforme àquilo da Escritura. Todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim. Ora, o homem torna-se participante dessa ciência, não imediata, mas sucessivamente, ao modo da sua natureza. E todo o que a aprende há de por força crer, para alcançar a ciência perfeita, como também o Filósofo o diz: é necessário que quem aprende creia. Por onde, para o homem chegar à visão perfeita da felicidade, é necessário, antes, crer em Deus, como o discípulo crê no mestre que ensina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como a natureza do homem depende de uma natureza superior, não lhe basta à sua perfeição o conhecimento natural, mas é necessário outro, sobrenatural, como já se disse.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Assim como o homem, pelo natural lume do intelecto, assente aos princípios, assim o virtuoso adquire pelo hábito da virtude, o juízo reto sobre o que lhe à virtude convém. E deste modo também, pelo lume da fé, infundido divinamente, o homem assente às verdades da fé e não, ao que lhe é contrário. Por onde, não incorrem em nenhum perigo de danação os que creem em Cristo Jesus, iluminados por ele, por meio da fé.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A fé percebe mais, das coisas invisíveis de Deus, e de modo mais alto, do que a razão natural, que parte das criaturas para chegar a Deus. Por isso, diz a Escritura: Muitas causas em grande número - te têm sido patenteadas, que excedem o entendimento do homens.