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Art. 4 – Se aos religiosos é lícito viver de esmolas.

O quarto discute–se assim. – Parece que aos religiosos não é lícito viver de esmolas.

1. – Pois, o Apóstolo manda às viúvas capazes de viverem de outro modo, não viverem das esmolas da igreja, afim de a igreja ter o que baste às que são verdadeiramente viúvas. E Jerônimo: Os que podem sustentar–se dos bens paternos e das suas próprias riquezas cometem sem dúvida um sacrilégio, se tomam o que é dos pobres; e por abusos semelhantes comem e bebem a própria condenação. Ora, os religiosos, sendo válidos, podem viver do trabalho das suas mãos. Logo, parece que pecam sustentando–se com a esmola dos pobres.

2. Demais. – Viver da contribuição dos fiéis é mercê permitida aos pregadores do Evangelho, pelo seu trabalho ou pela sua obra, segundo aquilo da Escritura: Digno é o trabalhador do seu alimento. Ora, pregar o Evangelho não é obrigação dos religiosos, mas, sobretudo, dos prelados, que são pastores e doutores. Logo, os religiosos não podem licitamente viver das esmolas dos fiéis.

3. Demais. – Os religiosos estão no estado de perfeição. Ora, é mais perfeito dar que receber esmolas; assim, diz a escritura: Coisa mais bem–aventurada é dar que receber. Logo, não devem viver de esmolas, mas ao contrário, fazê–las, com o trabalho das suas mãos.

4. Demais. – Os religiosos devem evitar os obstáculos à virtude e as ocasiões de pecado. Ora, receber esmolas dá ocasião ao pecaria e impede um ato de virtude. Por isso, àquilo do Apóstolo – Para vos oferecer em nós mesmos um modelo – diz a Glosa: Quem, entregue à ociosidade, frequentemente come à mesa alheia, deve por força adular quem lhe assim dá de comer. E num lugar diz a Escritura: Não aceitarás donativos, porque eles fazem cegar ainda aos prudentes e pervertem as palavras dos justos. E noutro lugar: O que toma emprestado servo é do que lhe empresta o que é contrário à religião. Por isso, àquilo do Apóstolo – Para vos oferecer em nós mesmos um modelo – diz a Glosa; A nossa religião chama os homens à liberdade. Logo, parece que os religiosos– não devem viver de esmolas.

5. – Demais. – Os religiosos estão sobretudo, obrigados a imitar a perfeição dos Apóstolos. Por isso diz o Apóstolo: Todos os que somos perfeitos vivamos nestes sentimentos. Ora, o Apóstolo não queria viver da contribuição dos fiéis, para tirar toda ocasião de pregar aos pseudo–apóstolos, como ele próprio o diz; e para não provocar escândalo aos fracas. Logo, pelas mesmas causas devem os religiosos abster­se de viver de esmolas. Por isso, diz Agostinho: Eliminai a ocasião de ganhos desonestos, que fere a vossa reputação e causa escândalo aos fracos; mostrai aos homens que não ides buscar no repouso um fácil sustento, mas antes, o reino de Deus, tomando um caminho difícil e estreito.

Mas, em contrário, como diz Gregório, S. Bento, durante os três anos que viveu numa gruta, nutriu–se do que lhe trazia o monge Romano, separado que estava da casa e dos pais. E contudo dele não se conta que vivesse do trabalho das suas mãos, apesar de gozar saúde. Logo, os religiosos podem licitamente viver de esmolas,

SOLUÇÃO. – A cada qual é lícito viver do seu ou do que lhe é devido. Ora, o que é de alguém o é pela liberalidade de quem lho dá, Por onde, os religiosos e os Clérigos, cujos mosteiros ou igrejas se sustentam de bens, que lhes foram dados pela munificência dos príncipes ou de quaisquer fiéis, podem licitamente viver de tais bens sem exercerem o trabalho manual. E todavia é certo que vivem de esmolas, Por isso e semelhantemente, aos religiosos é lícito viverem de pequenas oferendas que os fiéis lhe hajam feito. Pois seria estulto afirmar, que alguém pudesse receber como esmola grandes propriedades, mas não o pão ou uma pequena quantidade de dinheiro. Mas, como esses benefícios foram conferidos para poderem mais livremente se entregar aos atos religiosos, de que desejam participar os que lhes fizeram essas ofertas, o uso desses referidos donativos se lhes tornaria ilícito se deixassem o exercício da vida religiosa; porque então, pelo seu proceder, defraudariam a intenção dos que tais benefícios lhes concederam.

Mas, uma coisa pode ser devida a outrem de dois modos. Primeiro, pela necessidade, que torna todos os bens comuns, como diz Ambrósio (Basílio), Portanto, os religiosos que sofrem necessidade podem viver de esmola licitamente. – E essa necessidade pode resultar, primeiro, de doença do corpo; que impossibilita nos sustentemos com o trabalho das nossas mãos. – Segundo, se o que ganha o religioso com o trabalho das suas mãos não lhe basta ao sustento. Por isso diz Agostinho: Os fiéis devem suprir pelas suas piedosas oferendas a falta do necessário à subsistência dos servos de Deus, que se entregam ao trabalho manual, afim de que os momentos que dedicam à sua perfeição espiritual e lhes impede o trabalho manual, não os reduzam a uma excessiva pobreza. – Terceiro, pelo gênero anterior de vida, que desacostumou certos religiosos do trabalho manual. Por isso diz Agostinho: Se possuíam no século bens suficientes para viverem sem exercer nenhum ofício e se, entrados em religião, distribuíram esses bens aos pobres, não se lhes deve pôr em dúvida a incapacidade para o trabalho manual; é preciso socorrê–los. Pois, esses assim educados na delicadeza não podem ele ordinário suportar o trabalho corpóreo.

De outro modo pode uma coisa ser devida a quem deu por ela um bem temporal ou espiritual, segundo o Apóstolo: Se nós vos semeámos as coisas espirituais é porventura muito se recolhermos as temporalidades que vos pertencem a vós? E, assim sendo, podem os religiosos viver de esmolas, quase, a eles devida, por quatro razões. – Primeiro, se pregam por ordem dos prelados. – Segundo, se são ministros do altar. Porque, diz o Apóstolo: Os que servem ao altar participam justamente do altar. Por este modo ordenou também o Senhor aos que pregam o Evangelho que vivessem do Evangelho. E Agostinho diz: Confesso que, se forem evangelistas, tem o poder de viver da contribuição dos fiéis; se ministros do altar e dispensadores dos sacramentos, não se arrogam eles um poder, que têm o direito de plenamente vindicar. E isto porque o sacrifício do altar, seja onde for que o consumam, é comum a todo o povo fiel. – Terceiro, se se aplicam ao estudo da Sagrada Escritura para a comum utilidade de toda a Igreja. Por isso diz Jerônimo: Na Jutiéia persevera até hoje o costume, não só entre nós mas também entre os Hebreus, de serem mantidos a expensas de toda a cidade os que meditara na lei de Deus dia e noite e não tem parte nos bens da terra, mas se dão totalmente a Deus. – Quarto, se fizeram doação ao mosteiro dos bens temporais que tinham, podem viver das esmolas feitas ao mosteiro. Por isso diz Agostinho: Os que abandonaram ou distribuíram todos os seus bens, mais ou menos consideráveis, ao impulso de uma salutar e pia humildade, por quererem se alistar entre os pobres de Cristo, tem certamente direito de Subsistir do bem comum e da caridade fraterna. Serão dignos de louvor se trabalharem com suas mãos; mas, se não o quiserem fazer quem ousará obrigá–los a tal? E pouco importa ­ acrescenta no mesmo lugar – em que mosteiro ou entre as mãos de que irmãos indigentes esse homem entregou os seus bens; pois, todos os cristãos não formam mais que uma república.

Mas procedem ilicitamente os religiosos que, sem nenhuma necessidade e em troca de nenhum serviço prestado, pretendam, ociosos, viver das esmolas que foram dadas para os pobres. Por isso diz Agostinho: Dá–se muitas vezes que essa profissão, que consagra ao serviço de Deus, é abraçada por homens saídos da escravidão, da vida rústica, do rude trabalho e das artes penosas exercidas pelo povo. E não é fácil dizer se vieram só com o propósito de servir a Deus ou se, antes, com o de fugirem a uma vida pobre e laboriosa, de se garantirem a nutrição e o vestuário e, além disso, de serem honrados pelos que os costumavam desprezar e calcar aos pés. Tais religiosos não podem, a pretexto de fraqueza corporal, dispensar–se do trabalho; pois, a vida que antes levavam testemunha contra eles. E a seguir acrescenta: Se não querem trabalhar, também não comam; pois, enfim, não devem os ricos se humilhar, abraçando a piedade, para que os pobres se ensoberbeçam; e de nenhum modo convém que num gênero de vida em que os senadores não se recusam ao trabalho, tornem–se ociosos os artífices; e ao qual se devotem, abandonados todos os seus prazeres, os que foram donos de propriedades, vivendo nele os rústicos uma vida delicada.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As autoridades citadas devem entender–se como se referindo ao tempo da necessidade, em que de outro modo não é possível socorrer aos pobres. Porque então estariam os religiosos obrigados, não somente a desistir de receber esmolas, mas ainda de dar o que porventura tenham, para o sustento dos pobres.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os prelados tem pelo fato mesmo de o serem, o dever de pregar; mas os religiosos podem tê–lo por uma comissão. E portanto, quando trabalham no campo do Senhor, podem viver dele, segundo aquilo do Apóstolo: Convém que o lavrador que trabalha recolha dos frutos primeiro. O que comenta a Glosa: isto é, o pregador que, no rampo da Igreja, revolve com o arado da palavra divina o coração dos ouvintes. – Podem também viver do Evangelho os que servem aos pregadores. Por isso, aquilo do Apóstolo – Se os gentias tem sido feitos participantes dos seus bens espirituais devem também eles assistir–lhes com os temporais – diz a Glosa: isto é, os Judeus, que mandaram pregadores de Jerusalém. – E há ainda outras causas que justificam viver o religioso da contribuição dos fiéis, como se disse.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Em igualdade de condições, dar é mais perfeito que receber. E contudo, dar ou abandonar todos os seus bens por Cristo e receber o pouco com que sustentar a vida é melhor que dar particularmente aos pobres, como se disse.

RESPOSTA À QUARTA. – Receber presentes com o fim de aumentar as riquezas próprias, ou receber sustento do que não era devido, sem utilidade e necessidade, oferece ocasião de pecado. O que não tem lugar com os religiosos, como do sobre dito resulta.

RESPOSTA À QUINTA. – A manifesta necessidade e utilidade de certos religiosos viverem de esmolas, sem trabalharem manualmente, não escandaliza os fracos, mas só os maliciosos, à moda farisaica. E esse escândalo. como ensina o Senhor, deve ser desprezado. Mas, se não há necessidade nem utilidade manifesta, poderia gerar–se daí escândalo para os fracos, o que é dever evitar. Mas, ao mesmo escândalo podem dar lugar os que vivem ociosos dos bens comuns.

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