O sétimo discute–se assim. – Parece que os bispos pecam mortalmente se não dão aos pobres os bens eclesiásticos, que grangeiam.
1. – Pois, expondo aquilo do Evangelho o campo de um homem rico tinha dado abundantes frutos – diz Ambrósio: Ninguém considere próprio o que é comum; apropriar–se de mais que o necessário para viver é praticar uma violência. E a seguir acrescenta: Tirar o seu a seu dono não é menor crime que negar ao necessitado o de que abundamos e lhe podemos dar. Ora, tirar violentamente o seu a seu dono é pecado mortal. Logo, pecam mortalmente os bispos se não dão aos pobres do que lhes sobeja.
2. Demais. – Aquilo de Isaías – A rapina feita ao pobre se acha em vossa casa – diz a Glosa de Jerónimo, que os bens eclesiásticos são dos pobres. Ora, quem guarda para si o bem alheio ou o dá aos outros peca mortalmente e está obrigado a restituir. Logo, os bispos, que retiverem para si os bens eclesiásticos, que lhes forem supérfluos ou o derem aos parentes e amigos, parece ficarem obrigados a restituição.
3. Demais. – É muito mais lícito tomar alguém, dos bens eclesiásticos, o que lhe for necessário do que acumular o supérfluo. Ora, Jerónimo diz: Convém que a Igreja estipendie os clérigos cujos pais e parentes não têm bens para sustentá–los. Mas os que podem manter–se com os bens paternos ou com os seus incorrem em sacrilégio se conservarem para si o que pertence aos pobres. Donde o dizer o Apóstolo: Se alguns dos fiéis tem viúvas, mantenha–as e não seja gravada a Igreja, afim de que haja o que baste para as que são verdadeiramente viúvas. Logo, com maior razão pecam mortalmente os bispos se não derem aos pobres os bens eclesiásticos que lhes sobrarem.
Mas, em contrário, muitos bispos não dão aos pobres o supérfluo, mas o empregam louvavelmente em ampliar os créditos da Igreja.
SOLUÇÃO. – Devemos considerar de um modo os bens que os bispos podem possuir como propriedade particular e, de outro, os bens eclesiásticos. Pois, sobre os bens próprios têm verdadeiro domínio e por isso, pela condição mesma deles, não estão obrigados a dá–los aos outros; mas podem guardá–las para si ou distribuí–los a quem lhes aprouver. Mas, na dispensação deles, podem pecar pela desordenação do afeto, quer por conservarem para si mais do que convém, quer por não socorrerem aos outros, como o exige o dever de caridade. Mas não estão obrigados à restituição, por constituírem tais bens domínio deles.
Mas, dos bens eclesiásticos são os dispensadores ou os administradores. Assim, diz Agostinho: Se privadamente possuímos o que nos basta, o supérfluo não é nosso, mas daqueles de quem somos administradores; e não vindiquemos para nós nenhuma propriedade condenavelmente usurpada. Ora, os dispenseiros devem ser fiéis, segundo o Apóstolo: O que se deseja nos dispenseiros é que eles sejam fiéis.
Mas, os bens eclesiásticos devem ser gastos não só em benefício dos pobres senão também do culto divino e para prover às necessidades dos ministros. Donde a determinação: Dos réditos da Igreja ou da oblação dos fiéis seja dada ao bispo só uma parte; o resto deve servir aos edifícios religiosos e ao sustento dos pobres, e é o presbítero Bonagro que o administrarei sob sua responsabilidade sacerdotal; uma última porção será distribuída avo clérigos segundo o mérito de cada um.
Se, portanto, os bens a serem aplicados ao uso do bispo forem distintos dos destinados aos pobres, aos ministros e do culto da Igreja; e se o bispo retiver para si algo que deve ser distribuído aos pobres ou aplicado à necessidade dos ministros ou ao culto divino, indubitavelmente não procede como fiel dispenseiro, peca mortalmente e está obrigado à restituição. Quanto aos bens especialmente destinados ao seu uso, eles estão submetidos à mesma regra a que estão os seus bens próprios. Assim, afeiçoando–se lhes e usando–os imoderadamente, peca por não socorrer aos outros, como e exige o dever de caridade, e pelos reter imoderadamente para si.
Mas, se os referidos bens não forem distintos a distribuição deles fica entregue à fidelidade do bispo. E se este os distribuir com deficiência ou com excesso, poderá fazê–lo sem detrimento da sua fidelidade; pois, em tal matéria não é possível o homem medir exatamente o que deve fazer. Se, porém, o excesso for demasiado não lhe poderá escapar à percepção, portanto lhe repugna à fidelidade e não será sem pecado mortal. Por isso diz o Evangelho: Se aquele servo sendo mau, disser no seu coração – meu senhor tarda em vir – o que importa em desprezo do juízo divino; e começar a maltratar os seus conservas – o que constituí soberba; e a comer e a beber com os que se embriagam – o que constitui luxúria – virá o senhor daquele servo no dia em que ele o não espera e removê–lo–á, isto é, da sociedade dos bons, e porá a sua parte com os hipócritas, isto é, no inferno.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As palavras citadas de Ambrósio não se referem só à dispensa dos bens eclesiásticos, mas de quaisquer bens com que estejamos obrigados, por um dever de caridade, a socorrer aos necessitados. Mas, não é possível determinar quando essa necessidade obrigue sob pena de pecado mortal, assim como não é possível determinar as demais particularidades de que se os atos humanos revestem. Pois, essa determinação é obra da prudência humana.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Os bens eclesiásticos não devem ser gastos só em benefício dos pobres, mas também em outros usos, como se disse. Por onde, não pecará quem quiser subtrair, para seu uso particular ou de seus parentes ou para dar a outrem, algum daqueles bens destinados ao uso do bispo ou de qualquer clérigo. Contanto que o faça moderadamente, isto é, de modo a obviar às suas necessidades e não para tornar–se rico com isso. Por isso diz Ambrósio: Devemos aprovar a liberalidade com que socorres aos teus consanguíneos necessitados; não vás porém até a enriquecê–los com aquilo que poderias dar aos pobres.
RESPOSTA A TERCEIRA. – Nem todos os bens eclesiásticos devem ser dados aos pobres; salvo em artigo de torça maior, como no da redenção dos cativos e no de outras necessidades dos pobres, a que podem ser aplicados mesmos os vasos consagrados ao culto divino, como diz Ambrósio. E perante tais necessidades pecaria o clérigo que quisesse viver dos bens da Igreja, tendo bens patrimoniais com o que pudesse fazer.
RESPOSTA À QUARTA. – Os bens eclesiásticos devem ser destinados ao uso dos pobres. Por isso procede louvavelmente quem, não ha, vendo nenhuma necessidade eminente e de socorrer aos pobres, comprar bens, que sobrem dos proventos eclesiásticos ou os entesourar para futuras necessidades da Igreja e para as necessidades dos pobres. Mas, havendo premente necessidade de os socorrer, é cuidado exagerado e desordenado conservar para o futuro: e o Senhor o proíbe quando diz: Não andeis inquietos pelo dia de amanhã.