O quinto discute–se assim. – Parece que a vida contemplativa, neste mundo, pode chegar à visão da essência divina.
1. – Pois, como se lê na Escritura, Jacó disse: Eu vi a Deus face a face e a minha alma foi salva. Ora, a visão da face de Deus é a visão da essência divina. Logo, parece que pela contemplação nesta vida, podemos chegar a ver a Deus por essência.
2. Demais. – Gregório diz: Os homens contemplativos se concentram em si mesmos quando perscrutam as coisas espirituais, separando–se totalmente das sombras das coisas corpóreas ou afastando–as com mãos discretas. Ávidos de contemplarem o lume incircunscrito, repelem todas as suas imagens finitas e, pelo esforço por se elevarem acima de si mesmos, triunfam da própria natureza. Ora, o homem não fica impedido de ver a divina essência, que é o lume incircunscrito, senão pela necessidade em que está de se arrimar nos fantasmas sensíveis. Logo, parece que a contemplação da vida presente pode chegar a contemplar na sua essência o lume incircunscrito.
3. Demais. – Gregório diz: Para a alma que vê o Criador toda a criatura é mesquinha. Ora o varão de Deus, S. Bento, que na sua torre via um globo de fogo e via também os anjos voltando para o céu, não podia certamente ver tais causas senão na luz divina. Ora, quando tinha tais visões S. Bento ainda vivia neste mundo. Logo, a contemplação da vida presente pode chegar a ver a essência divina.
Mas, em contrário, Gregório diz: Enquanto preso a esta carne mortal, ninguém se eleva na virtude da contemplação a ponto de fixar os olhos da alma no próprio raio do lume incircunscrito.
SOLUÇÃO. – Diz Agostinho: Ninguém que veja a Deus pode continuar a viver esta vida mortal presa aos sentidos do corpo. Pois, ninguém pode chegar à sublime contemplação de Deus sem de certo modo morrer a esta vida, quer pela total separação do corpo, ou pelo alheamento aos sentidos materiais. O que já tratámos mais minudentemente, quando estudamos o rapto; e quando na Primeira Parte tratámos da visão de Deus. Assim, devemos concluir que o homem pode existir nesta vida de dois modos. De um modo, em ato, quando atualmente se serve dos sentidos do corpo; e então de maneira nenhuma pela contemplação podemos, nesta vida, ver a essência de Deus. De outro, podemos viver nesta vida potencial e não, atualmente, enquanto que, apesar de a nossa alma estar unida como forma a um corpo mortal, não se serve de sentidos corporais nem mesmo da imaginação, como é o caso do rapto. E então pela contemplação podemos, mesmo nesta vida, chegar à visão da essência divina. Por onde, o supremo grau da contemplação da vida presente é como a que teve Paulo no rapto, e que constitui um termo médio entre o estado da vida presente e o da futura.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Como diz Dionísio, quem viu a Deus e compreendeu o que viu, não o viu a ele, mas alguma coisa a ele. E Gregório: Nós não podemos de nenhum modo contemplar, durante esta vida, a omnipotência divina na sua claridade; mas a alma pode apenas lhe apreender uma radiação longínqua que a sustente e anime de modo a chegar depois à visão da glória. Quanto ao dito de Jacó – Eu vi a Deus face a face – não significa que tivesse visto a essência de Deus; mas, que viu uma forma (imaginária) pela qual Deus lhe falou. – Ou, assim como reconhecemos uma pessoa pela sua face, assim chamou face ao conhecimento de Deus, como o expõe a Glosa de Gregório a esse lugar.
RESPOSTA À SEGUNDA. – A contemplação humana, no estado da vida presente, não pode deixar de ser acompanhada de fantasmas; porque é conatural ao homem ver nos fantasmas as espécies inteligíveis, como ensina o Filósofo. Mas nem por isso o conhecimento intelectual consiste nos fantasmas mesmos; o que neles se contempla é a pureza da verdade inteligível. E isto se dá não somente no conhecimento natural, mas também no que conhecemos pela revelação. Pois, diz Dionísio, que o lume divino nos manifesta, por meio de certos símbolos figurados, as hierarquias dos anjos, e por virtude desses símbolos percebemos o puro raio, chegamos ao conhecimento simples da verdade inteligível. E é nesse sentido que devemos entender o dito de Gregório, que os contempladores separam–se das sombras das coisas corpóreas; pois, a estas não se lhes limita a contemplação, que sobe à consideração da verdade inteligível.
RESPOSTA À TERCEIRA. – As citadas palavras de Gregório não querem significar que S. Bento viu na referida visão, Deus em essência; mas pretendem mostrar que de ser mesquinha toda criatura para quem vê o Criador, resulta a facilidade de vermos quaisquer cousas desde que sejamos iluminados pelo divino lume. E por isso acrescenta: Por pouco que contemple a luz do criador, isso lhe basta para considerar como nada todo o criado.