O primeiro discute–se assim. – Parece que a palavra não constitui uma graça gratuita.
1. – Pois a graça é dada para realizarmos o que nos excede a capacidade da natureza. Ora, a razão natural descobriu a arte da retórica, que nos faculta falar para ensinar, para deleitar e para convencer como diz Agostinho. Ora, isto constitui a graça da palavra. Logo, parece que a graça da palavra não é uma graça gratuita.
2. Demais. – Toda graça pertence ao reino de Deus. Ora, o Apóstolo diz: Os reino de Deus não consiste nas palavras, mas na virtude. Logo, a palavra não constitui nenhuma graça gratuita.
3. Demais. – Nenhuma graça é dada em virtude de méritos; porque se foi por graça não foi lá pelas obras, como diz o Apóstolo. Ora, a palavra pode ser dada em virtude do mérito; assim Gregório, expondo aquilo da Escritura Não tires da minha boca a palavra de verdade – diz que a palavra de verdade Deus onipotente a dá a quem faz o bem e a tira de quem não a faz. Logo, parece que o dom da palavra não é uma graça gratuita.
4. Demais. – Assim como o homem há de revelar pela palavra o dom da sabedoria e da ciência, assim também o que concerne à virtude da fé. Logo se se considera a palavra da sabedoria e da ciência como graça gratuita pela mesma razão a palavra em matéria de fé também deve ser posta entre as graças gratuitas.
Mas, em contrário, a Escritura: A palavra eucarística, isto é, graciosa abundará para o bem do homem. Ora, o bem do homem vem da graça. Logo, também a graciosidade da palavra.
SOLUÇÃO. – As graças gratuitas são dadas para a utilidade dos outros como estabelecemos. Ora, o conhecimento que recebemos de Deus não pode redundar em utilidade dos outros senão mediante a palavra. E como o Espírito Santo não deixa de dar nada do que é para utilidade da Igreja, provê também com o dom da palavra os membros dela. Não somente para falarem de modo a poderem ser entendidos de muitos, o que constitui o dom das línguas, mas também para falarem com eficácia, o que constitui a graça da palavra.
E isto de três modos. – Primeiro, para instruir o intelecto. O que se dá quando falamos para ensinar. – Segundo, para mover o afeto. O que conseguimos quando deleitamos os ouvintes; mas isso não o devemos buscar para vantagem nossa, mas para atrair os homens a ouvirem a palavra de Deus. – Terceiro, para que os ouvintes amem o que as palavras expuseram e queiram realizá–las. O que se opera quando falamos dê modo a convencer o ouvinte. – Para o conseguir, o Espírito Santo emprega a língua do homem como instrumento, sendo ele porém o autor do ato interno. Por isso diz Gregório: Se o Espírito Santo não encher os corações dos ouvintes, soa em vão aos ouvidos do corpo a palavra de quem ensina.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Assim como às vezes Deus obra milagrosamente de modo mais excelente do que aquele pelo qual a natureza pode obrar, assim também o Espírito Santo faz mais excelentemente, pela graça da palavra, o que a arte pode fazer de modo inferior.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O Apóstolo se refere à palavra da eloquência humana, sem a virtude do Espírito Santo. Por isso disse antes: Examinarei, não as palavras dos que andam inchados, mas a virtude. E de si mesmo já havia dito: A minha conversação como a minha pregação não consistiu em palavras persuasivas da humana sabedoria, mas em demonstração de espírito e de virtude.
RESPOSTA À TERCEIRA. – Como dissemos a graça da palavra quando conferida a alguém o é para utilidade de outrem. Por isso às vezes Deus a retira, por culpa do ouvinte; outras, por culpa daquele mesmo que fala. Ora, as boas obras tanto de um como de outro não merecem diretamente essa graça, senão só removem os obstáculos a ela, Pois, a graça santificante Deus também a tira por causa da culpa; mas, ninguém a merece pelas suas boas obras, que só servem de remover os obstáculos que se a ela opõem,
RESPOSTA À QUARTA. – Como dissemos, a graça da palavra se ordena à utilidade de outrem, Ora, pela palavra da sabedoria ou da ciência é que comunicamos a nossa fé aos outros. Por isso diz Agostinho: O Apóstolo chama ciência o meio de fazer a fé servir aos fiéis e de defendê–la contra os ímpios. Por isso não devia acrescentar a palavra da fé; mas bastava se referir à da ciência e da sabedoria.