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Art. 2 – Se o rapto pertence, antes, à potência apetitiva que à cognoscitiva.

O segundo discute–se assim. – Parece que o rapto não pertence, antes, à potência apetitiva que à cognoscitiva.

1. – Pois, diz Dionísio: O divino amor produz o êxtase. Ora, o amor pertence à potência apetitiva. Logo, também o êxtase ou rapto.

2. Demais. – Gregório diz: Quem apascenta porcos cai abaixo de si mesmo, pela dissipação do espírito e da imundície; mas Pedro, que o anjo livrou e cuja alma arrebatou em êxtase, ficou alheio de si, mas, elevado acima de si. Ora, o filho pródigo caiu abaixo de si, pelo afeto. Logo, também os arrebatados a bens superiores tal sofrem, pelo afeto.

3. Demais. – Aquilo da Escritura – Em ti, Senhor esperei; não permitas que eu seja eternamente confundido – diz a Glosa, na exposição do título: Êxtase, em grego, significa em latim rapto da alma, que se dá de dois modos: por temor dos males terrenos ou por ser a alma raptada aos bens supernos e ficar esquecida dos bens inferiores. Ora, o temor dos males terrenos pertence ao afeto. Logo, também o rapto da alma para os bens supernos, enumerado em sentido oposto, pertence ao afeto.

Mas, em contrário, àquilo da Escritura. ­ Eu disse no meu êxtase: Todo homem é mentiroso – comenta a Glosa: Chama–se aqui êxtase à alienação da mente, sem temor, mas quando é assumida por uma inspiração de revelação divina. Ora, a revelação diz respeito à potência intelectiva. Logo, também o êxtase ou rapto.

SOLUÇÃO. – Podemos tratar do rapto a dupla luz. – Primeiro, relativamente àquilo a que alguém é arrebatado. E então, propriamente falando, o rapto não pode pertencer à potência apetitiva, mas só à cognoscitiva. Pois, como dissemos o rapto está fora da inclinação própria do raptado. Ora, o movimento mesmo da potência apetitiva é uma determinada inclinação para o bem desejável. Por onde, propriamente falando, quem deseja alguma coisa por isso mesmo não é arrebatado para ela, mas, move–se por si. – A outra luz podemos considerar o rapto na sua causa. E então pode ela fundar–se na potência apetitiva. Pois, da veemência mesmo com que o apetite afeta alguma coisa pode resultar a alienação do sujeito em relação a tudo o mais. E também o rapto manifesta o seu efeito na potência apetitiva, quando o arrebatado se deleita com as coisas para as quais foi arrebatado. Por isso o Apóstolo disse ter sido arrebatado não somente ao terceiro céu – o que pertence à contemplação do intelecto, mas também ao Paraiso – o que pertence ao afeto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – O rapto acrescenta alguma coisa ao êxtase. Pois, o êxtase implica a separação absoluta do indivíduo, de si mesmo, no sentido em que é posto fora da sua ordem natural; ao que o rapto acrescenta uma certa violência. Por onde, pode o êxtase pertencer à potência apetitiva; por exemplo, quando o apetite tende para o que lhe é superior. E neste sentido Dionísio diz, que o amor divino produz o êxtase, por fazer o apetite humano tender para os bens amados. E por isso depois acrescenta que mesmo o próprio Deus, causa de todos os seres, pela riqueza da sua amante bondade sai de si mesmo e se faz a providência de tudo quanto existe. – Embora, se tal disséssemos expressamente, do rapto, quereríamos somente dar a entender que o amor seria a causa dele.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Há no homem um duplo apetite: o intelectual, chamado vontade; e o sensitivo, chamado sensualidade. Ora, é próprio do homem sujeitar o apetite inferior ao superior e mover o inferior pelo superior. Por onde, de dois modos pode o homem, pelo apetite, alhear–se de si mesmo. – Primeiro, quando o apetite intelectual tende totalmente para Deus, deixando de lado tudo o que inclina o apetite sensitivo. E nesse sentido Dionísio diz, que Paulo, por força do divino amor, que o fez entrar em êxtase, exclamou: Não sou eu já o que vivo, mas Cristo é que vive em mim. – Segundo, quando abandonado o apetite superior, o homem é totalmente levado pelo apetite inferior. Assim, aquele que apascentava porcos caiu abaixo de si mesmo. E esse alheamento de si ou êxtase mais contém da natureza do rapto que o primeiro; porque o apetite superior é mais próprio ao homem e portanto quando ele, pela violência do apetite superior, se alheia do movimento do apetite superior, mais se separa do que lhe é próprio. Mas, como não há aí violência, porque a vontade pode resistir à paixão, esse estado não é o do verdadeiro rapto; salvo se a paixão for veemente a ponto de privar totalmente do uso da razão, como se dá com os que enlouquecem por veemência da ira ou do amor. – Devemos porém considerar que uma e outra alheação de si, fundadas no apetite, podem causar a alienação da potência cognoscitiva. Quer por ser a alma arrebatada a certos inteligíveis, com a alienação dos sentidos; quer por o ser a alguma visão imaginária ou aparição fantástica.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como o amor é o movimento do apetite para o bem, assim o temor é o movimento do apetite em relação ao mal. Por isso e pela mesma razão, tanto um como o outro pode causar a alienação da alma, sobretudo quando o temor é causado pelo amor, como diz Agostinho.

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