O terceiro discute–se assim. – Parece que a contemplação ou meditação não é a causa da devoção.
1. – Pois, nenhuma causa impede o seu efeito. Ora, as meditações subtis dos intelegíveis muitas vezes impedem a devoção. Logo, a contemplação ou meditação não é a causa da devoção.
2. Demais. – Se a contemplação fosse a causa própria e essencial da devoção, necessáriamente a matéria da contemplação mais a1ta mais excitaria a devoção. Ora, é o contrário que vemos; pois, frequentem ente excita maior devoção considerarmos a paixão de Cristo e os outros mistérios da sua humanidade, do que a grandeza divina. Logo, a contemplação não é a causa própria da devoção.
3. Demais. – Se a contemplação fosse a causa própria da devoção, por fôrça, os mais aptos para a contemplação também se–lo–iam para a devoção. Ora, vemos o contrário: a devoção encontrar–se mais frequentemente em certos varões simples e no sexo feminino, a que contudo falta a contemplação. Logo, a contemplação não é a causa própria da devoção.
Mas, em contrário, a Escritura: Na minha meditação se acendera fogo. Ora, o fogo espiritual causa a devoção. Logo, a meditação é a causa da devoção.
SOLUÇÃO. – A causa principal e extrínseca da devoção é Deus. E a propósito diz S. Ambrósio: Deus chama a quem quer e faz: religioso a quem quer; e se quisesse transformaria em devotos os indevotos Samaritanos. E quanto à causa intrínseca, por nossa parte, há de ser a meditação ou contemplação. Pois, como dissemos, a devoção é um certo ato da vontade que leva a nos darmos prontamente ao serviço ele Deus. Ora, todo ato da vontade procede de alguma consideração, porque o bem inteligido é o objeto da vontade. Donde o dizer Agostinho, que a vontade nasce da inteligência. Portanto, a meditação é necessariamente a causa da devoção, por nos persuadir que devemos nos dar ao serviço divino.
E uma dupla consideração nos leva a pensar assim. – Uma se funda na divina bondade e nos seus benefícios, conforme aquilo da Escritura: Para mim me é bom unir–me a Deus e pôr no Senhor Deus a minha confiança. E esta consideração excita o amor, que é a causa próxima da devoção. – A outra deriva de refletimos nos nossos defeitos, que nos fazem precisar do auxílio de Deus, segundo a Escritura: Levantei os meus olhos aos montes, de donde me virá o socorro; o meu socorro vem do Senhor, que fez o céu e a terra. E esta consideração exclui a presunção que nus impede de nos sujeitar a Deus, confiando na nossa virtude própria.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A consideração do que naturalmente excita em nós o amor de Deus, causa a devoção; ao passo que a impede a consideração de tudo o que não conduz a ela, mas, ao contrário, dela distrai o espírito.
RESPOSTA À SEGUNDA. – O que respeita à divindade excita soberanamente o amor e, por consequência, a devoção, porque Deus deve ser amado sobre todas as coisas. Ora, por ser fraco é que o nosso espírito precisa de certos dados sensíveis conhecidos, para chegar ao amor, assim como precisa ser guiado para chegar ao conhecimento das coisas divinas. E entre eles o principal é a humanidade de Cristo, como diz o Prefácio do Natal: Para visivelmente que conhecendo visivelmente a Deus, sejamos arrebatados ao amor do invisível. Por isso, o que respeita à humanidade de Cristo excita soberanamente em nós a devoção, como que nos guiando, pois que a devoção consiste principalmente no que diz respeito à divindade.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A ciência e tudo o que implica a grandeza é ocasião de o homem confiar–se em si mesmo e não se dar portanto absolutamente a Deus. Donde vem que tais coisas, às vezes e ocasionalmente, impedem a devoção; ao passo que nos simples e nas mulheres abunda a devoção, compressora do orgulho. Porém, se submetermos a Deus perfeitamente a ciência e qualquer outra perfeição, isso mesmo aumentará a devoção.