O primeiro discute–se assim. – Parece que a soberba não foi o primeiro pecado do primeiro homem.
1. – Pois, diz o Apóstolo: Pela desobediência dum só homem foram muitos feitos pecadores. Ora, o primeiro pecado do primeiro foi o que constituiu todos os homens em pecado original. Logo, a desobediência foi o primeiro pecado do primeiro homem e não a soberba.
2. Demais. – Ambrósio diz, que o diabo tentou a Cristo na mesma ordem em que fez cair o primeiro homem. Ora, Cristo foi primeiramente tentado pela gula, quando o diabo lhe disse, conforme se lê no Evangelho: Se és filho de Deus, dize que estas pedras se convertam em pães. Logo, ri primeiro pecado do primeiro homem não foi a soberba, mas, a gula.
3. Demais. – O homem pecou por sugestão do diabo. Ora, o diabo, quando tentou o homem, prometeu–lhe a ciência, como se lê na Escritura. Logo, a primeira desordem do homem veio do desejo da ciência, causado pela curiosidade. Logo, o primeiro pecado do homem foi a curiosidade e não, a soberba.
4. Demais. – Aquilo do Apóstolo – A mulher foi enganada em prevaricação – diz a Glosa: O Apóstolo designou propriamente essa sedução, pela qual se reputou verdadeira a falsidade que se tinha persuadido, a. saber, que Deus os proibiu de tocar naquela árvore, por saber que se a tocassem seriam como deuses; como se, tendo–os feito homens, lhes invejasse a divindade. Ora, crê–lo constitui infidelidade. Logo, o primeiro pecado do homem foi o de infidelidade e não, o de soberba.
Mas, em contrário, a Escritura: O princípio de todo pecado é a soberba. Ora, o pecado do primeiro homem foi o princípio de todos os pecados, segundo aquilo do Apóstolo: Por um tomem entrou o pecado neste mundo. Logo, o primeiro pecado do homem foi o de soberba.
SOLUÇÃO. – Muitos movimentos podem concorrer para um mesmo pecado; entre os quais é por natureza o primeiro pecado aquele no qual primeiro se manifesta a desordem. Ora, é claro, que a desordem se manifesta primeiro no movimento interior da alma, que no ato exterior do corpo; pois, como diz Agostinho; não perde o corpo a sua santidade enquanto a alma conserva a sua. Ora, entre os movimentos íntertores, primeiro se move o apetite para o fim do que para os meios, buscados por causa do fim. Por onde, o homem praticou o seu primeiro pecado pelo primeiro desejo que pode ter de um fim desordenado. Ora, o homem estava posto num estado de inocência em que nenhuma rebelião havia da carne contra o espírito. Portanto, o seu primeiro desejo desordenado não podia ter tido por objeto um bem sensível, ao qual tendesse a concupiscência da carne, fora da ordem da razão. Donde se conclui, que o primeiro apetite humano desordenado consistiu no desejo desordenado de um bem espiritual. Ora, este não o teria ele desejado desordenadamente se o tivesse desejado na medida conveniente estabelecida pela lei divina. Donde resulta que o primeiro pecado do homem consistiu no deseja de um certo bem espiritual fora da medida conveniente. Ora, isto constitui a soberba. Por onde é manifesto, que o primeiro pecado do primeiro homem foi a soberba.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – A desobediência à ordem divina o homem não a quis, em si mesma; pois, tal não podia dar–se senão pressuposta a desordem da vontade. Donde resulta, que ele a quis por causa de alguma outra coisa. Ora, a primeira vontade desordenada, que teve, foi a da sua excelência própria. Portanto, a desobediência foi nele causada pela soberba. E tal é a opinião de Agostinho, quando diz que o homem, exaltado pela soberba, obedecendo à persuasão da serpente, desprezou os preceitos de Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. – No pecado dos nossos primeiro pais teve também lugar a gula. Assim, diz a Escritura: Viu a mulher, que a árvore era boa para comer e formosa aos olhos e deleitável à vista; e tirou do fruto dela e comeu. Contudo, não foi a bondade mesma e a formosura do fruto o primeiro motivo de pecar, mas antes, a persuasão da serpente, que disse – Os vossos olhos se abrirão e vós sereis como uns deuses: e, pelo desejar, a mulher incorreu em soberba. Por onde, o pecado da gula derivou do pecado da soberba.
RESPOSTA À TERCEIRA. – O desejo, que os nossos primeiros pais tiveram da ciência, foi–lhes causado pelo desejo desordenado da excelência. Por isso, a serpente começou por lhes anunciar: Vós sereis como uns deuses; ao que acrescentou – Conhecendo o bem e o mal.
RESPOSTA À QUARTA. – Como diz Agostinho, a mulher não teria acreditado, fundada nas palavras da serpente, que Deus os privara, a Adão e a ela, de alguma causa boa e útil se já não existisse nela aquele amor do próprio poder e uma certa presunção de si. O que não se deve entender no sentido de uma soberba precedente à persuasão da serpente, mas, no de uma exaltação, que lhe invadiu a alma, logo depois da persuasão da serpente, donde lhe resultou a crença na verdade do que lhe dissera o demónio.