O primeiro discute–se assim. – Parece que a humildade não é uma virtude.
1. – Pois, a virtude implica a ideia do bem. Ora, parece que a humildade implica a ideia do mal da pena, segundo a Escritura: Humilharam com grilhões seus pés. Logo, a humildade não é uma virtude.
2. Demais. – A virtude e o vicio se opõem. Ora, a humildade às vezes representa um vício, como no caso da Escritura: Tal há que se humilha maliciosamente. Logo, a humildade não é virtude.
3. Demais. – Nenhuma virtude se opõe a outra. Ora, parece que a humildade se opõe à virtude da magnanimidade; pois, ao passo que esta busca grandes coisas, a humildade as evita. Logo, parece que a humildade não é uma virtude.
4. Demais. – A virtude é uma disposição do perfeito, como diz Aristóteles. Ora, parece que a humildade é própria dos imperfeitos; por isso, não é possível Deus humilhar–se, que a ninguém pode estar sujeito. Logo, parece que a humildade não é uma virtude.
5. Demais. – Toda virtude moral versa sobre as ações e as paixões, como ensina Aristóteles, Ora, o Filósofo não enumera a humildade entre as virtudes que regulam as paixões; nem está, incluída na justiça, que versa sobre as ações. Logo, parece que não é uma virtude.
Mas, em contrário, Orígenes, expondo aquilo do Evangelho – Pôs os olhos na baixeza da sua escrava – diz: A Escritura louva com razão a humildade como uma das virtudes; assim, diz o Salvador – Aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração.
SOLUÇÃO. – Como dissemos, ao tratar as paixões, o bem difícil tem, por um lado, a propriedade de nos atrair o desejo, pela ideia de bem que encerra; mas, por outro, também, pela dificuldade de ser alcançado, dele nos afasta. Por isso, provoca em nós, pela primeira das suas propriedades, o movimento da esperança e, pela segunda, o do desespero. Ora, como dissemos, os movimentos apetitivos que se comportam impulsivamente, hão de necessariamente ser moderados e refreados por uma virtude moral; e os que causam em nós uma retração precisam de ser reforçados e excitados por uma outra virtude moral. Por onde, há necessariamente duas virtudes que têm por objeto o desejo do bem árduo. Uma, que tempera e refreia a alma para que não busque imoderadamente as coisas elevadas, e este é o papel da humildade. Outra, que a firme contra o desespero e a excite a prática de atos grandiosos, segundo a razão reta, e esta é a magnanimidade. Por onde é claro que a humildade é uma virtude.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. Como diz Isidoro, humilde se chama quem está por assim dizer inclinado para o chão, isto é, preso às coisas ínfimas. O que pode dar–se de dois modos. – Primeiro, por um princípio extrínseco, por exemplo, quando somos rebaixada por outrem. E, então, a humildade é uma pena. – De outro modo, por um princípio intrínseco. E isto pode dar–se, às vezes, em bom sentido; por exemplo, quando, considerando Os nossos defeitos, colocamo–nos, conforme a nossa condição, em situação ínfima; assim, Abraão disse ao Senhor: Falarei ao Senhor, ainda que eu seja cinza e pó. E, neste sentido, a humildade constitui uma virtude. Mas, outras vezes, pode ser em mau sentido, por exemplo, quando, alguém não compreendendo a sua honra, compara–se aos brutos irracionais e se faz semelhante a eles.
RESPOSTA À SEGUNDA. – Como dissemos, a humildade, enquanto virtude, implica, por sua natureza, um louvável abatimento para o que ínfimo. Ora, isto às vezes se dá ficticiamente, ou quando se manifesta só por sinais exteriores. E esta é a falsa humildade, da qual Agostinho diz, que é uma grande soberba, porque busca na verdade as excelências da glória. Mas, outras vezes, esse abatimento se radica no íntimo da alma. E então a humildade é propriamente considerada uma virtude, pois, a virtude não consiste em manifestações exteriores, mas, e principalmente, na eleição interna da mente, como está claro no Filósofo.
RESPOSTA À TERCEIRA. – A humildade reprime–nos o apetite para que não busque grandezas, contrariamente à razão. Ao passo que a magnanimidade leva–nos à prática de atos grandiosos, conforme a razão reta. Por onde, é claro que a magnanimidade não se opõe à humildade; ora, ambas convêm em procederem de acordo com a razão reta.
RESPOSTA À QUARTA. – A perfeição pode ser considerada de dois modos. – Primeiro, absolutamente, quando no ser perfeito não há nenhum defeito, nem quanto à sua natureza, nem em relação a outra cousa. Ora, neste sentido, só Deus é perfeito, a cuia natureza divina não cabe a humildade, mas só, pela natureza assumida. Noutro sentido pode chamar–se perfeito um ser, relativamente, a saber, quanto à sua natureza, quanto ao estado ou quanto ao tempo. E neste sentido, o virtuoso é perfeito. Mas, a sua perfeição, comparada com a de Deus, é deficiente, segundo a Escritura: São na sua presença todas as gentes como se não fossemos. E assim, a todos os homens pode convir a humildade.
RESPOSTA À QUINTA. – O Filósofo, no lugar citado, pretende tratar das virtudes enquanto ordenadas à vida civil, na qual a sujeição de um homem a outro é determinada pela ordem da lei e, por isso, está incluída na justiça legal. Ora, a humildade, como virtude especial, visa principalmente a sujeição do homem a Deus, por causa de quem devemos nos sujeitar também aos outros, por humildade.